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Os impressionantes números do registro civil das pessoas naturais e a erradicação do sub-registro

A integração das serventias extrajudiciais no sistema de justiça é essencial para resolver conflitos, especialmente com o aumento do registro civil.

25/9/2024

"A integração das serventias extrajudiciais no sistema de justiça é imprescindível para dar resposta adequada a uma série de conflitos e os impressionantes números do Registro Civil das Pessoas Naturais só corroboram tal assertiva."

O avanço do acesso à justiça levou ao congestionamento das vias judiciais, mas, além de permitir uma nova compreensão das finalidades institucionais do Judiciário, trouxe uma perspectiva renovada para a resolução de conflitos.

Essa concepção transcende os conflitos jurídicos em seu conceito mais estrito, tidos como a dicotomia da pretensão resistida1, para abarcar diversos problemas jurídicos, ligados à função de regulação do Estado, impulsionando novos cenários e, sobretudo, convidando outros sujeitos à participação ativa. Cresce, portanto, a integração das serventias extrajudiciais no sistema de justiça, dando resposta a uma série de conflitos, principalmente quando não há resistência de quaisquer dos jurisdicionados.

Torna tudo ainda mais intrigante, a concretização de um mundo virtual, alcançado pelo desenvolvimento de novas tecnologias e impulsionado por um cenário pandêmico e pós-pandêmico, gerando uma atuação inderrogavelmente remota.2 E foi assim que antigos paradigmas caíram, permitindo estruturas cada vez mais abrangentes e céleres.

Muito antes, porém, o registro civil das pessoas naturais já mostrava crescimento constante, com atuação bastante consistente e números extraordinários, contribuindo de forma inexorável para a concretização do acesso à ordem jurídica justa.3

Nesse sentido, merece grande destaque a erradicação do sub-registro de nascimento, fruto da inovação experimentada pela atuação do registrador civil a partir do prov. 13/10 do CNJ, criador das Unidades Interligadas, com a permissão do registro de nascimento pelas declarações colhidas na maternidade e tendo por objetivo o combate do sub-registro. As Unidades Interligadas puderam ser consideradas postos de atendimento do registro civil das pessoas naturais, viabilizando a emissão da primeira via do registro de nascimento de forma rápida e segura.

O sistema funciona de forma interligada, via internet e necessariamente com certificado digital, tendo o registrador a função de recepcionar as declarações do nascimento, verificando todas as suas particularidades desse registro, como escolha do nome e verificação da paternidade, bem assim recepcionando os documentos necessários, como declaração de nascido vivo e identificação pessoal. Nesse caso, resta dispensada a assinatura do declarante no livro de nascimento e, por isso, o registro deve conter expressa referência a essa circunstância. Já a declaração assinada na maternidade deve ficar arquivada na serventia em classificador próprio, tudo com as remissões recíprocas de praxe.

O censo demográfico do ano de 2022 ratifica tais considerações, mostrando números impressionantes.4 Os registros de nascimentos realizados em todo país tiveram cobertura de 99,3%, entre as crianças com até 5 anos de idade, marca ainda maior do que demonstrou o censo realizado no ano de 2010, cujo percentual havia sido de 97,3%. São números que demonstram a crescente erradicação do sub-registro e a grande adesão ao sistema online.

A análise desses números foi recentemente publicada pelo IBGE na divulgação do “Censo Demográfico 2022 Registro de Nascimentos: Resultados do universo5, com destaque para o quadro evolutivo que traz perspectivas registrais com diversas classificações, como faixa etária, cor e raça indígena.

Das 27 unidades da federação, 24 já atingiram pelo menos 98% de registros de nascimento, com destaque para as regiões Sudeste e Sul, e ainda Rondônia, Rio Grande do Norte, Goiás, Distrito Federal, Bahia e Paraíba, que registraram mais de 99,5% de cobertura. Isso comprova que, mesmo nos lugares mais afastados e distantes, o acesso ao registro de nascimento é garantido pela própria atuação do registrador civil das pessoas naturais, que faz da tecnologia e inovação suas fortes aliadas.

Para além dos censos demográficos, as estatísticas fornecidas pelo registro civil das pessoas naturais contribuem para a investigação da evolução da população e permitem a análise de recortes geográficos interessantes para uma melhor compreensão do crescimento populacional e dinâmicas sociais, servindo de base para o desenvolvimento de políticas públicas e atuações governamentais mais assertivas.6

Ampliando os sistemas de atendimento remoto, recentemente o ON-RCPN - operador nacional do registro civil de pessoas naturais7 lançou projeto piloto para o registro de óbito digital na capital paulista, a exemplo do que já acontece com o registro de nascimento. Trata-se da plataforma e-Óbito, que permitirá que os registros de óbitos sejam realizados de forma digital, facilitando o registro e eliminando a necessidade de deslocamento até as serventias registrais.8

A partir de um sistema interligado, o usuário terá a opção de declarar o óbito na funerária e até mesmo receber a certidão de maneira digital, diretamente em e-mail por ele indicado.

Pela nova sistemática, as concessionárias do serviço funerário cadastradas poderão enviar a declaração de óbito diretamente ao registro civil das pessoas naturais, para que o respectivo registro seja feito com celeridade e segurança jurídica.

Por ora, o sistema está sendo realizado de forma restrita, pela parceria firmada entre o ON- RCPN, a prefeitura de São Paulo, a Arpen/SP e as concessionárias do serviço funerário. Todavia, não resta dúvida que será mais uma ferramenta para modernizar a prestação dos serviços registrais e beneficiar não apenas o cidadão diretamente interessado, mas a sociedade como um todo, por ser instrumento eficaz no combate ao sub-registro, evitando diversos crimes e fraudes de toda ordem.

Conforme os dados do IBGE de 2022, 3,65% dos óbitos de brasileiros não são notificados, índice que na região Sudeste corresponde a 701 mil falecimentos (0,86% dos óbitos), e na cidade de São Paulo, a 87 mil, o equivalente a 0,24% das mortes registradas.9

A nova funcionalidade, mais uma vez, apresenta o registrador civil das pessoas naturais como protagonista do sistema de justiça10, ao melhorar a prestação dos serviços públicos a seu cargo, afastando-se da figura de agente passivo das necessidades da população, para se apresentar como agente vivaz, cocriador do futuro e com perspectivas sempre vanguardistas e inovadoras.

Tudo isso ratifica que a construção do sistema de justiça deve ser baseada em diversos meios, dando resposta adequada aos mais diversos conflitos existentes, perspectiva que contempla àqueles ligados a imprescindível judicialização, mas também todos os outros que, de alguma forma, precisam da chancela estatal para serem resolvidos.

E, nesse contexto, ampliar a participação das serventias extrajudiciais e principalmente do registrador civil das pessoas naturais só pode trazer grandes benefícios à sociedade atual.

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1 Nessa linha, o conceito de Francesco Carnelutti, que adota a expressão “conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida, in Sistema di diritto processuale civile, vol. 1, Padova, Cedam, 1936, p. 25, “In quanto è composto da um comando giuridico, um conflitto di interessi diventa um rapporto giuridico. Questo non è altro se non la espressione della composizione di un conflitto mediante il diritto; o, in altri termini, un conflitto di interessi regolato del diritto”. Assim, um conflito de interesses, resistido ou insatisfeito, faz nascer concretamente o interesse à tutela jurisdicional, cf. ob. cit., p. 45.

2 O tema foi amplamente abordado pela autora na obra “Mediação no Registro Civil das Pessoas Naturais e a resolução online de conflitos”, in Registro Civil das Pessoas Naturais e a 4ª Revolução Industrial, Coordenação de José Renato Nalini e Ricardo Felício Scaff, São Paulo, Quartier Latin, 2021, p. 139-158.

3 A expressão é enfatizada por Kazuo Watanabe, “Acesso à Justiça e sociedade moderna”, in Participação e processo, Coordenação de Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1988, p. 135, ao mencionar que “Em conclusão: a) o direito de acesso à Justiça é, fundamentalmente, direito de acesso à ordem jurídica justa; b) são dados elementares desse direito: (1) o direito à informação e perfeito conhecimento do direito substancial e à organização de pesquisa permanente a cargo de especialistas e orientada à aferição constante de adequação entre a ordem jurídica e a realidade sócio-econômica do País; (2) direito de acesso à Justiça adequadamente organizada e formada por juízes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de realização da ordem jurídica justa; (3) direito à preordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a efetividade tutela de direito; (4) direito à remoção de todos os obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo à Justiça com tais características”.

4 Cf. https://www.anoreg.org.br/site/censo-2022-993-das-criancas-com-ate-5-anos-tem-registro-de- nascimento-em-cartorio/, acesso em 18.09.2024.

5 Para a pesquisa completa, v. https://censo2022.ibge.gov.br/, acesso em 18.09.2024.

6 E foi pensando na defesa desses interesses que o Portal da Transparência foi criado em dezembro de 2018, dando amplo acesso à pesquisadores, gestores públicos e meios de comunicação, por ser fonte de informação concreta e imparcial, cf. , acesso em 18.09.2024.

7 O Operador Nacional do Registro Civil do Brasil (ON-RCPN) integra o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP), instituído pela Lei n. 14.832/2022 e regulamentado pelo Provimento n. 139/23 da Corregedoria Nacional de Justiça, que pretendem integrar tecnologicamente as Serventias Extrajudiciais, promover o intercâmbio de informações necessárias e gerenciar o sistema eletrônico em cooperação com a Corregedoria Nacional de Justiça e as Corregedorias Gerais da Justiça.

8 Nesse sentido, v. https://onrcpn.org.br/index.php/e-obito-cartorios-de-registro-civil-de-sao-paulo- lancam-plataforma-para-registro-de-obito-digital, acesso em 18.09.2024.

9 Cf.https://censo2022.ibge.gov.br/, acesso em 18.09.2024.

10 Para Luís Paulo Aliende Ribeiro, “estes profissionais oficiais ou profissionais públicos independentes formam, no exercício privado de função pública, uma figura ímpar, que, sem se confundir com nenhuma outra, tem algo dos profissionais liberais, um pouco dos funcionários e muito da concessão de serviços públicos” (grifo no original), in Regulação da função pública notarial e de registro, São Paulo, Saraiva, 2009, p. 93.

Erica Barbosa e Silva
Mestre e doutora em Direito Processual pela USP. Professora convidada de Processo Civil e Registros Públicos em cursos de pós-graduação lato sensu. Pesquisadora. Autora de diversos artigos e livros jurídicos. Membro do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) e do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual). Conciliadora. Oficial de Registro Civil em SP.

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