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Impossibilidade de suspensão da execução contra a parte devedora originária no incidente de desconsideração da personalidade jurídica

A desconsideração da personalidade jurídica deve suspender apenas questões específicas, permitindo a continuidade do processo, conforme o CPC.

20/9/2024

A desconsideração da personalidade jurídica, na sua modalidade incidental, prevê a suspensão do feito, conforme § 3º, do art. 134, do CPC.  

O que é passível de discussão é a abrangência de tal suspensão, conforme leciona José Miguel Medina : 

"De acordo com o § 3º, do art. 134, a instauração do incidente suspenderá o processo. Não nos parece acertado suspender-se todo o processo, em razão da instauração do incidente. Mais adequado cingir-se eventual suspensão à questão da desconsideração - nada impedindo a prática de outros atos executivos, por exemplo, no curso do procedimento". 

Igualmente, preceitua o enunciado 110, da II jornada de direito processual civil da justiça Federal que: “A instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica não suspenderá a tramitação do processo de execução e do cumprimento de sentença em face dos executados originários”

Ainda sobre a suspensão da marcha processual prevista § 3º, do art. 134, veja-se também o entendimento de Ruy Zoch Rodrigues : 

"...parece que a melhor exegese do § 3.º do art. 134 deva ser a de que o processo em que tem curso a questão principal só se suspende em vista do incidente se o tema incidental constituir condição para o prosseguimento. Fora disso, não. E tudo remete à possibilidade de autuação apartada, a fim de se garantir celeridade e melhor organização procedimental. Ainda sobre suspensão, a parte final do § 3.º do art. 134, que remete ao § 2.º, não significa que o mero posicionamento topográfico do incidente (na inicial) seja o elemento-chave para definir se o processo deve ser suspenso ou não. Até porque o § 2.º sequer trata de tema propriamente incidente, mas de hipóteses menos frequentes em que a desconsideração compõe a lide principal, ainda que acessoriamente. Inclusive ações reais ou reipersecutórias, nas quais, ao tempo da propositura, tendo-se já claro qual é o bem (ou conjunto de bens) apto à satisfação da parte autora, esse patrimônio se encontra desviado (ao sócio ou à sociedade). Nessas hipóteses, a desconsideração da personalidade jurídica é proposta na inicial e não suspende o andamento do processo, porque está ligada ao objeto principal".  

O objetivo traçado pelo art. 134, § 3º, do CPC, é evitar atos expropriatórios com relação aos devedores reconhecidos no incidente de desconsideração, já que o contraditório ainda não se instaurou, em razão da fase inicial do procedimento. É certo que isso não ocorre contra os antigos devedores, de sorte que a ação executiva deve prosseguir contra eles, sem qualquer restrição, vale destacar. 

Nesse sentido é a jurisprudência, recente, do TJSP: 

“Agravo de instrumento. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Suspensão do cumprimento de sentença com relação a todos os devedores. O comando do art. 134, §3º, do CPC deve ser interpretado de modo a viabilizar o prosseguimento da execução com relação aos devedores originários. Inexiste risco de indevida constrição patrimonial daquele que já responde pelo débito de forma definitiva. No mais, a execução faz-se no interesse do credor, pelo que deve ser garantida celeridade na tramitação processual. Decisão reformada. Recurso Provido”. (TJSP;  agravo de instrumento 2129878-07.2024.8.26.0000; relatora Rosangela Telles; 31ª câmara de direito privado; data do julgamento: 30/6/24). 

Igualmente: 

“Incidente de desconsideração da personalidade jurídica - suspensão da execução – pretendido pelos agravantes o reconhecimento da nulidade de todos os atos praticados na execução a partir de 10.5.2022, quando foi determinada a suspensão da execução, com amparo no art. 134, § 3º, do atual CPC – descabimento – incidente de desconsideração da personalidade jurídica que não tem o condão de exonerar os devedores originários do pagamento da dívida – Suspensão do processo executivo em relação aos devedores originários que não se legitima – precedentes do TJSP – agravo desprovido”.  (TJSP;  agravo de Instrumento 2189063-10.2023.8.26.0000; relator José Marcos Marrone; 23ª câmara de direito privado; data do julgamento: 17/6/24). 

Conclui-se que, então, em que pese o texto do § 3º, do art. 134, do CPC, preveja que “a instauração do incidente suspenderá o processo”, a interpretação lógica e sistemática da disposição deve ser no sentido de que a suspensão não se aplica aos devedores originários, em hipótese alguma, mas tão somente àqueles cuja personalidade jurídica se pretende desconsiderar por meio do incidente. 

__________

1 Advogado. Sócio do escritório Borges Pereira Advocacia. Cursou pós-graduação lato sensu em Direito Civil na Escola Paulista de Direito (EPD/SP). Cursou pós-graduação lato sensu em Direito Processual Civil na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM-SP). Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).

2 MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª Edição, Página 227.

3 RORIGUES, Ruy Zoch. In Novo Código de Processo Civil. Porto Alegre. OAB/RS, 2015. p. 145.

Antonio Marcos Borges da Silva Pereira
Advogado e fundador de Borges Pereira Advocacia. Especialista em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito. Especialista em Processo Civil pela PUC-SP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM). Membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP).

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