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Prisão em plenário do júri – STF e consequências do desfecho do julgamento do Tema 1.068

Quais serão os limites e consequências do princípio da soberania dos vereditos após o desfecho do julgamento do tema 1.068 do STF no nosso ordenamento jurídico e especialmente no rito do tribunal do júri?

17/9/2024

O STF referendou a constitucionalidade do art. 492, I, "e" do CPP, o qual autoriza a prisão automática e execução provisória da pena após condenação pelo Tribunal do Júri em sua segunda fase pelo conselho de sentença.

No julgamento do Tema de repercussão geral 1.068, ficou decidido por maioria que a soberania das decisões do Tribunal do Júri (ou júri popular), prevista na Constituição Federal, justifica a execução imediata da pena imposta. Dessa forma, condenados pelo júri popular podem ser presos imediatamente após a decisão e na própria sessão que foi julgado. E ainda, que é inconstitucional o trecho do dispositivo legal que prevê que essa prisão somente ocorreria se a pena aplicada fosse a partir de 15 anos de reclusão.

Com esse entendimento a Corte acaba contrariando seu próprio entendimento, que foi fixado no julgamento das ações diretas de constitucionalidade 43, 44 e 54, proferido em 7/11/19, em que decidiram pela prevalência da “Presunção de Inocência”, entendendo naquele momento que a tese que até ali prevalecente não estava em consonância com a Constituição Federal.

Ou seja, que logo após ou a partir de uma condenação ou confirmação de uma condenação em segundo grau de jurisdição havia se esgotado a presunção de inocência passando a se presumir o réu culpado, autorizando a prisão imediata mesmo ausente requisitos da prisão cautelar e sendo cabíveis ainda recursos e impugnações, a partir de então o STF passou a considerar esse entendimento equivocado e em desacordo com  o texto constitucional, firmando que, enquanto houvesse possibilidade de recurso e a condenação ainda não fosse definitiva prevalecia a presunção de inocência e não de culpa.

Temos que ressaltar também, que até aí não havia a previsão de execução e prisão imediata após condenação no rito do júri, o que veio com o pacote anticrime, posterior ao referendo das ADCs que não excluíam o rito do júri da necessidade de observância a presunção de inocência.

Após a vigência do pacote anticrime (23/1/20) que trouxe a previsão legal da prisão imediata derivada da condenação no júri se instaurou um verdadeiro debate, pois o tribunal popular passou a não estar mais submetido a vedação acima mencionada, ou seja, a lei criou uma distinção entre as pessoas condenadas no tribunal do júri e pessoas condenadas por um juiz de direito nos demais procedimentos penais com penas iguais ou maiores do que quinze anos de reclusão.

O que foi amplamente criticado, pois em todos os procedimentos processuais penais deveria prevalecer o entendimento que foi fixado pelo STF vedando a prisão automática antes do trânsito em julgado e imutabilidade da condenação, o que acabou gerando o tema de repercussão geral 1.068, visando harmonizar a aplicação de referido instituto nos procedimentos do júri, pois haviam decisões em sentido contrário a prisão e execução imediata da pena nesse rito que deveria observar o entendimento firmado pelo STF no âmbito das ADCs 43, 44 e 54.

Nesse sentido, HC 623.107 PA 2020/0.289.796-1, HC 793.944 MG 2022/0.405.856-4 e RHC 167291 MG 2022/0.205.921-0, todos julgados do STJ em contrariedade a prisão e execução imediata da pena no rito do júri e prevalência da presunção de inocência, ressalvados os casos de prisões cautelares a serem decretadas ou mantidas por ocasião da sentença condenatória.

Ocorre que, o STF com o julgamento e desfecho da repercussão geral em sentido contrário autorizou e deu validade ao art. 492, I, “e” do CPP, utilizando como razão de decidir da maioria que no tribunal do júri o princípio da soberania dos vereditos autoriza a prisão imediata, e que não são somente as condenações com penas de quinze anos pra cima que devem ser executadas imediatamente, mas sim todas, pois o trecho que condiciona a prisão a determinada quantia de pena estaria relativizando o alcance da soberania.

Entendemos que houve um equívoco, esse julgamento criou um precedente perigoso em nosso ordenamento jurídico, relativizou-se não só a presunção de inocência, mas diversos outros princípios a ela ligados e garantidores da segurança jurídica, isso pelo fato de que o princípio da soberania dos veredictos e da presunção de inocência possuem razões de ser e funções bem distintas que devem coexistir harmoniosamente sem qualquer inferência de um sobre a função do outro.

A soberania dos vereditos diz respeito e tem como função resguardar e proteger a deliberação do Conselho de sentença, proibindo que os tribunais superiores revisem e modifiquem seu mérito, que só pode ser alterado pelo próprio conselho de sentença  e em casos excepcionais de nulidades e contrariedade a prova dos autos onde a instância de revisão anulará àquela primeira sessão e determinará a realização de uma nova, e mesmo assim, sendo recurso exclusivo da defesa a nova deliberação estará delimitada aquilo que foi fixado na primeira, só podendo ser mantido aquilo e naqueles exatos limites ou reformar para melhor (in mellius), vedado que haja modificação in pejus (para pior) que só se admite em caso de recurso da acusação.

Já a presunção de inocência diz respeito à necessidade de esgotamento das vias recursais e que a condenação se torne definitiva para que alguém seja considerado culpado e aí sim tenha que pagar sua pena, sua principal função é resguardar o cidadão de efeitos de possíveis erros e injustiças da condenação, resguardando que possíveis inocentes não percam sua liberdade antes de definida a culpa definitivamente com maior segurança.

Com esse entendimento infelizmente o STF sacrificou a presunção de inocência e conferiu a soberania dos vereditos uma força de interferência ampliativa que não faz parte de sua razão de existência.

Além de ter ampliado a distinção traga pelo pacote anticrime que antes somente distinguia réus no processo do júri em relação a réus nos demais procedimentos apenados com 15 anos ou mais, agora todas as pessoas independentemente da quantidade de pena aplicada no rito do júri serão tratadas com mais severidade do que outros réus punidos nos demais procedimentos que se submetem a um juiz de direito e não ao conselho de sentença.

Esses réus terão que se recolher imediatamente à prisão e na própria audiência instrutória mesmo se estivessem respondendo por crime doloso contra a vida em liberdade, diferente de réus que respondem por outros crimes não dolosos contra a vida e não submetidos ao rito do tribunal popular que se estiverem em liberdade assim permanecerão enquanto houver recursos cabíveis e ausentes requisitos da prisão preventiva.

Para se ter uma ideia, um réu condenado por latrocínio ou por estupro seguido de morte que não são de competência do júri, e que também atentam contra a vida, se condenados e estiverem respondendo seus processos em liberdade assim permanecerão enquanto houver recursos cabíveis e não houverem por ocasião da sentença requisitos para prisão preventiva, enquanto um réu que igualmente estiver em liberdade, mas for condenado perante o júri popular não terá esse mesmo benefício.

Equiparados? Talvez o latrocínio e estupro seguido de morte sejam até mais graves e cabais ou ter a mesma proporção e gravidade dependendo do caso concreto e ainda a depender de como ocorreu o atentado direto contra a vida esse ter maior repercussão, tudo vai depender, o que não se ignora é que os demais contam com o plus e severidade por atingirem tanto a vida quanto o patrimônio e dignidade sexual das vítimas, mas mesmo assim processualmente tratados de forma diferente devido a existência da alínea “e” do inciso I do art. 492 do CPP.

Nesse sentido podemos estar diante de um grave rompimento do princípio da dignidade da pessoa humana e da isonomia na medida que o art. 5º da CRFB determina expressamente que “todos devem ser tratados de forma igual perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, inclusive se estiverem sendo processadas criminalmente (art. 5, LV da CRFB), seja brasileiro ou estrangeiro em solo nacional, sem fazer qualquer distinção à pessoas submetidas ao tribunal do júri” que devem ter respeitados todos os direitos e garantias assim como pessoas processadas em outros procedimentos.

Estamos também diante de uma interpretação in malam partem e uma reformatio judicial in pejus na medida que houve uma convalidação e ampliação da distinção criada pelo pacote anticrime de 2019 em contrariedade ao texto legal que só permitia até então a prisão automática da condenação a pena de reclusão que fosse fixada a partir de quinze anos. Ambas as situações são vedadas em nosso ordenamento jurídico em matéria penal e processual penal ante o dever de isonomia.

Em outras palavras, em um sistema realmente democrático havia a e ainda há a necessidade de fixação definitiva do entendimento das ADCs 43, 44 e 54 a todas as pessoas processadas criminalmente no Brasil independentemente a que rito esteja submetida.

Juridicamente falando o novo entendimento inova e confere a soberania dos vereditos uma amplitude principiológica para além daquela que justifica sua existência, ou seja, deixa de apenas ser um fator, um princípio com carga constitucional de assegurar o resultado da votação dos jurados passando a refletir no estado de liberdade e de presunção de inocência do acusado enquanto não houver sentença condenatória transitada em julgado.

A indagação que fica de tudo isso é sobre como ficarão os réus que praticaram os fatos anteriormente ao novo entendimento e também aqueles que estão sendo processados que tiveram ou terão suas penas aplicadas em patamar menor que o previsto pelo art. 492 do CPP?

A soberania dos vereditos também justificará eventual relativização do princípio penal constitucional previsto no art. 5º, XL da CRFB e art. 2º do CP referente a proibição da retroatividade do entendimento judicial prejudicial e mais severo aos réus no rito do tribunal do júri?

Temos que ressaltar que a norma do art. 492, I, “e” do CPP é norma processual mista, com conteúdo de direito processual e também de direito material penal na medida que atinge o direito de liberdade e da presunção de inocência do sentenciado e assim só pode ser aplicada a partir de sua vigência e qualquer entendimento que venha a torna-lo mais severo segue a mesma lógica.

Na verdade, podemos estar diante de um verdadeiro cenário de insegurança jurídica, contrariando outro princípio fundamental (art. 5º, inciso XXXVI da CRFB), na medida que eventuais pessoas condenadas injustamente no júri serão presas imediatamente, sofrendo efeitos negativos do cárcere indevidamente enquanto há recursos cabíveis e posteriormente em caso de anulação e nova sessão reconhecida sua inocência só então terá direito a liberdade.

Ou seja, ignora-se que os jurados possam assim como os juízes de direito errar em suas conclusões, por serem seres humanos estão sujeitos as mesmas complexidades e fatores psicológicos que podem levar ao erro, inclusive de decidirem com base em suas crenças pessoais, emoções, conhecimento de mundo ou inclinações (vieses) intencionalmente ou não e em sentido contrário a prova dos autos ou ao direito, o que faz necessário a observância do princípio da presunção de inocência.

Norma ou entendimento que possibilite e aumente a probabilidade de prisões injustas não traz qualquer segurança que é uma das principais funções do princípio da presunção de inocência, ou seja, esse princípio visa o esgotamento de recursos que tem como finalidade exatamente avaliar se não houve erro e necessidade de correção para então aplicar a pena com maior credibilidade.

Contrário fosse, se o legislador não tivesse previsto a possibilidade de falhas na decisão do conselho de sentença a decisão poderia ser considerada um fim em si mesma e não teria previsto recursos no júri, ou seja, aí sim estaria afastada a necessidade de observar que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” e justificaria prender imediatamente pois não teria a análise do respaldo e segurança (nem que seja mínima) daquela decisão que se tornaria definitiva e imutável desde o momento que fosse proferida.

Outra insegurança é o fato do STF não ter fixado se retroagirá ou não a ampliação erga omnes de que todos os condenados no júri independentemente da quantidade de pena terão suas prisões e execuções automáticas decretadas na sessão plenária, tal situação deixa ao alvedrio dos juízes presidentes e dos tribunais de justiça a incumbência de decidir sobre isso causando grande insegurança, uma vez que poderão haver juízes determinando que réus que praticaram os fatos anteriormente ao novo entendimento e também aqueles que estão sendo processados que tiveram ou terão suas penas aplicadas em patamar menor que o previsto pelo art. 492 do CPP com recursos cabíveis ou em andamento se recolham imediatamente à prisão e outros juízes entendendo que o novo padrão não retroagirá.

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1 PORTAL STF. Condenados por júri popular podem ser presos imediatamente após o julgamento, decide STF. Disponível em: https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/condenados-por-juri-popular-podem-ser-presos-imediatamente-apos-o-julgamento-decide-stf/ . Acesso: 14/09/2024.

2 MIGALHAS QUENTES. STF publica decisões do julgamento que proibiu prisão em 2ª instância. Disponível: https://www.migalhas.com.br/quentes/336441/stf-publica-decisoes-do-julgamento-que-proibiu-prisao-em-2--instancia. Acesso: 14/09/2024.

Flávio Viana
Advogado Criminalista. Pós Graduado em Direito e Processo Penal. Especializando em Tribunal do Júri e Execução Penal. Membro da 20ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP.

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