Recentemente, na contramão de todo o esforço legislativo feito nos últimos anos para desburocratizar e baratear operações de crédito com garantia imobiliária, o CNJ, através do provimento 172 de 5/6/24 (“provimento CNJ 172”), alterou o CNN/CN/CNJ a fim de incluir o art. 440-AN determinando que a permissão legal para celebração de alienação fiduciária de imóvel por instrumento particular é restrita a entidades autorizadas a operar no âmbito do SFI - Sistema de Financiamento Imobiliário, incluindo as cooperativas de crédito, as administradoras de consórcio de imóveis e entidades integrantes do SFH.
A mencionada permissão legal encontra-se no art. 38 da lei 9.514/97, que, ao regular a alienação fiduciária de imóveis, determina que sua instrumentalização pode se dar por escritura pública ou por instrumento particular com força de escritura pública. Vale notar que a lei não estabeleceu qualquer restrição subjetiva para a formalização da referida garantia via instrumento particular, razão pela qual, há mais de 25 anos, ela vem sendo a forma eleita por aqueles que contratam tal tipo de garantia para as mais variadas operações, não apenas no mercado imobiliário, mas em qualquer tipo de contrato no qual seja necessária a constituição de uma garantia imobiliária sob a forma de alienação fiduciária.
Sob o argumento de uma pretensa segurança jurídica que a escritura pública poderia trazer aos contratos de alienação fiduciária de imóveis, como se já não bastasse o necessário crivo do registro de imóveis competente, o CNJ entendeu que apenas as entidades autorizadas a operar no SFI podem se valer do instrumento particular com força de escritura pública, haja vista que tais entidades pertencem a um microssistema jurídico protegido por outros diplomas legais que permitem, inclusive, a celebração de contrato de compra e venda de imóveis financiados também por instrumento particular, como exceção à regra geral do art. 108 do CC que exige a forma de escritura pública como requisito de validade para os atos constitutivos, translativos ou modificativos de direitos reais sobre imóveis.
O objetivo do CNJ foi padronizar o entendimento sobre a forma exigida para contratação da garantia de alienação fiduciária de bem imóvel, tendo em vista a divergência existente entre os mais diversos tribunais de justiça do Brasil sobre a matéria. O paradigma para tal decisão, inclusive, foi a decisão do CNJ no processo de controle administrativo 0000145-56.2018.2.00.0000, que reconheceu a validade do art. 954 do provimento 93/20 do TJMG com a mesma interpretação do mencionado provimento CNJ 172.
Não é difícil imaginar o mar de dúvidas e incertezas que inundou o mercado imobiliário com a edição do provimento CNJ 172, razão pela qual entidades do setor entraram com recurso administrativo perante o CNJ a fim de, ao menos, estabelecer alguns limites para a nova interpretação dada ao art. 38 da lei 9.514/97, que deverá ser observada por todos os cartórios em território nacional.
Diante disso, o CNJ proferiu nova decisão em 15/7/24 e, através do provimento CNJ 175, reconheceu expressamente que as companhias securitizadoras, os agentes fiduciários e outros entes sujeitos à regulamentação da CVM ou BC relativa a atos de transmissão de recebíveis imobiliários lastreados em operações de crédito no âmbito do SFI também poderão utilizar o instrumento particular para a constituição de alienação fiduciária de imóveis no contexto das operações de securitização de recebíveis imobiliários.
Por fim, mas não menos importante, o provimento CNJ 175 acertadamente reconheceu a regularidade de todos os instrumentos particulares envolvendo alienação fiduciária de imóveis e atos conexos celebrados por sujeitos de direitos não integrantes do SFI antes de 11/6/24, data da entrada em vigor do provimento CNJ 172.
A nova interpretação dada pelo CNJ quanto ao requisito de forma que os contratos de alienação fiduciária de imóveis devem adotar certamente trará impactos ao mercado imobiliário, encarecendo ainda mais o acesso a imóveis para aqueles que não têm crédito no âmbito do SFI.