Comum de 1930 a 1945, a exploração de jogos, apostas e cassinos para fins de entretenimento era permitida no Brasil. Por força do Decreto-Lei 9.215, de 30 de abril de 1946, jogos e apostas foram banidos, sendo enquadrados como contravenção penal. Em 2018, por meio da lei 13.756, houve a autorização para se explorar os jogos esportivos no Brasil, pelo modelo de apostas de quotas fixas. Essa Lei dependia de regulamentação, que surgiu apenas no final de 2023, com a sanção da lei 14.790/23. Importante observar que a nova norma não apenas regulamentou as apostas esportivas por quotas fixas como, também, estendeu a autorização dada pela Lei nº 13.756/2018 aos jogos online.
Nesse intervalo entre 2018 e 2023, muitas empresas passaram a explorar apostas esportivas no Brasil da forma que bem lhes interessava já que, embora autorizadas, ainda não havia regulamentação sobre o tema. A lei 14.790/23 visa regulamentar a autorização então existente, oferecendo um marco legal mais robusto para as operações de apostas esportivas, tanto online, quanto em estabelecimentos físicos, bem como buscando proteger os apostadores, que, como é fácil concluir, é o consumidor desse novo segmento econômico que se desenha.
As apostas esportivas têm mostrado crescimento exponencial e, segundo estimativas, o mercado global atingirá US$ 127,3 bilhões até 2027. No Brasil, a paixão nacional pelo futebol e a grande população de 214 milhões de habitantes criam um ambiente propício para a expansão das apostas. A regulamentação não apenas promete aumentar a arrecadação de impostos, que serão destinados a áreas como saúde e educação, mas também visa coibir a atuação de sites ilegais, proporcionando um ambiente mais seguro para os apostadores.
Essa recente regulamentação das apostas esportivas no Brasil, trouxe à tona uma série de questões complexas e desafiadoras para diversos ramos do direito (societário, tributário, bancário), e, em especial, o direito do consumidor. Nesse sentido, a nova norma consigna, pelo seu art. 27, expressamente que “são assegurados aos apostadores [consumidores] todos os direitos dos consumidores previstos na Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor)”.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) tem como objetivo principal a tutela dos direitos básicos do consumidor, como a proteção da vida, saúde e segurança, a informação adequada, a liberdade de escolha, a qualidade dos produtos e serviços, além da efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais.
As apostas esportivas e jogos online, por sua vez, podem ser enquadrados como um serviço. Sendo assim, as operadoras de apostas e todos os participantes envolvidos neste segmento são considerados prestadores de serviços e também fornecedores — portanto, sujeitos às disposições do CDC.
Primeiro ponto a ser observado é que as apostas esportivas e os jogos online somente podem ser explorados por empresas regularmente constituídas no Brasil, que tenham sede e administração no território nacional, e que atendam aos requisitos impostos pelo Ministério da Fazenda, que ficou como responsável pela atividade em nosso país. Essa exigência se faz necessária para garantir que o consumidor (apostador) identifique seus fornecedores (operadores de casas de apostas) e tenha a quem se socorrer em caso de dúvidas ou eventuais divergências.
Outra questão importante diz respeito ao público-alvo das apostas esportivas e jogos online. A lei exige que as plataformas verifiquem a identidade dos apostadores, garantindo a segurança e a conformidade com as normas de prevenção à lavagem de dinheiro e ao jogo doentio. Ainda, a lei 14.790/23 prevê que apenas cidadãos acima de 18 anos podem participar das apostas, sendo vedado qualquer tipo de publicidade voltada para crianças e adolescentes.
A lei também determina que as empresas devem criar serviços de atendimento ao consumidor e ouvidoria, permitindo que os apostadores tirem dúvidas e registrem reclamações de maneira eficaz. Isso é crucial para resolver problemas rapidamente e garantir que os direitos dos consumidores sejam respeitados.
Questões afetas à publicidade de apostas esportivas e jogos online são o tema mais sensível para as casas de apostas. Além de ser exclusiva a um público-alvo maior de idade, a publicidade de apostas deve fornecer informações claras e completas sobre as regras do jogo, os riscos envolvidos, as probabilidades de ganho e as condições de utilização dos serviços. Além disso, a publicidade das apostas esportivas deve ser responsável e não induzir o consumidor a erro, tampouco prometer ganhos fáceis ou utilizar argumentos apelativos, sob pena de ser considerada abusiva e violar o CDC.
Outra preocupação trazida pelo legislador diz respeito a medidas para evitar o vício em jogos (ludopatia). Torna-se obrigatória para os operadores de apostas a implementação de sistemas eficazes para monitorar a atividade do apostador, buscando identificar prejuízos ou danos potenciais ao consumidor. Ou seja, os operadores de apostas esportivas têm o dever de monitorar o padrão de consumo dos apostadores e dar suporte para prevenir e tratar a ludopatia, como a oferta de ferramentas de autoexclusão e a realização de campanhas de conscientização.
Nesse sentido, vimos com bons olhos iniciativas como a do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), que editou o anexo X do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, com regras a respeito de ofertas de apostas. É imprescindível neste momento, em que o segmento de apostas esportivas está se estruturando, o diálogo entre os operadores de apostas e as autoridades governamentais com vistas à autorregulação e criação de boas práticas publicitárias, garantindo assim o jogo responsável e a minimização de casos de ludopatia.
Muito embora o segmento de apostas esportivas e jogos online seja regulamentado e fiscalizado pelo Ministério da Fazenda, por intermédio da Secretaria de Prêmios e Apostas criada em janeiro de 2024, as empresas operadoras de apostas não podem deixar de observar que a defesa do consumidor é um dever do Estado garantido pela Constituição Federal. Assim, não obstante os recém-regulamentados procedimentos de fiscalização e inspeção das atividades do setor pela SPA, os órgãos de defesa do consumidor (Senacon, Procons, Ministério Público) desempenham um papel crucial na proteção dos direitos dos apostadores, podendo receber reclamações, mediar conflitos, fiscalizar as operadoras, aplicar sanções e propor ações coletivas, quando necessário.
O tema de apostas é sempre cercado de questionamentos de ordem ética e moral, mas tem se mostrado, quando bem administrado, uma forma de entretenimento interessante e um instrumento arrecadador de impostos.
A lei 14.790/23 representa um avanço importante na regulamentação das apostas esportivas e jogos online no Brasil, permitindo assim a criação de um segmento econômico ainda imensurável para a economia brasileira. Por outro lado, as empresas que pretendem operar o sistema de apostas no Brasil não podem descuidar de observar todas as regras voltadas para a proteção dos consumidores, sob o risco de serem penalizadas pelas autoridades de defesa do consumidor.