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Responsabilidade civil cirúrgica

Análise das circunstâncias e a responsabilidade associadas aos procedimentos cirúrgicos.

5/9/2024

Visa analisar as circunstâncias e a responsabilidade associadas aos procedimentos cirúrgicos que resultaram na paraplegia de João da Silva, diagnosticado com escoliose idiopática. Serão examinadas a natureza das responsabilidades dos médicos e dos hospitais, considerando diferentes contextos de relações profissionais, e as implicações legais e contratuais da celebração de um plano de saúde após o diagnóstico de uma doença. A análise baseia-se em fundamentos doutrinários, jurisprudenciais e nos princípios do direito.

Relatório

João da Silva, de 15 anos, foi diagnosticado com escoliose idiopática e submetido a uma cirurgia no Hospital Isaac Newton, sob a orientação do Dr. Guilherme Ostrondo de La Veiga. Após a cirurgia, constatou-se que a paraplegia era causada por fragmentos ósseos na medula espinhal. Este parecer examina: 1. A natureza da responsabilidade dos médicos e dos hospitais. 2. O impacto da relação profissional entre médicos e hospitais. 3. Cobertura e falta de plano de saúde caso seja diagnosticada infecção.

Fundamentação

Natureza jurídica da relação entre médico e paciente

A relação entre médico e paciente pode ser qualificada tanto como civil quanto consumerista. Quando a prestação de serviços médicos ocorre em ambiente hospitalar, sobretudo em instituições privadas, aplica-se a legislação consumerista (lei 8.078/90 - CDC), que visa proteger a parte vulnerável, ou seja, o paciente/consumidor. Esta abordagem é endossada pela doutrina majoritária e pela jurisprudência do STJ.

Relação de meio ou de resultado

No contexto médico, a obrigação é de meio e não de resultado. Isso significa que o médico se compromete a empregar todos os recursos possíveis e agir com diligência, perícia e prudência, mas não garante a cura ou o resultado esperado. Este entendimento é fundamental para a análise da responsabilidade médica e está respaldado pela doutrina e pela jurisprudência, como no REsp 1.355.564/SP.

Responsabilidade civil dos médicos

A responsabilidade civil dos médicos é subjetiva, fundamentada na culpa, conforme disposto no art. 186 do Código Civil: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito." Para a responsabilização, é necessário comprovar a culpa, o nexo causal entre a conduta e o dano, e o dano em si. Este entendimento é reforçado em decisões como o REsp 1.355.564/SP, que destaca a necessidade de prova da culpa para a responsabilização médica. Para demonstrar a culpa do médico, é necessário comprovar três elementos fundamentais:

Exemplos de prova de culpa:

No caso de João, um perito pode avaliar se a manipulação cirúrgica foi inadequada ou se houve falha técnica durante a operação.

Já em relação ao nexo causal: Para estabelecer o nexo causal, é essencial demonstrar que a paraplegia foi uma consequência direta das ações do médico durante a cirurgia. Isso pode ser feito através de exames de imagem e relatórios cirúrgicos que indiquem a presença de fragmentos ósseos na medula como resultado direto da manipulação médica.

Responsabilidade civil dos hospitais

A responsabilidade civil dos hospitais é objetiva, conforme o art. 14 do CDC: "O fornecedor de serviços responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços." Assim, os hospitais respondem objetivamente pelos danos causados aos pacientes, incluindo falhas na estrutura, nos equipamentos e na prestação de serviços auxiliares. A jurisprudência do STJ, como no REsp 802.832/SP, endossa essa visão, responsabilizando objetivamente os hospitais pelos danos decorrentes de suas atividades.

Relação entre médicos e hospitais

Médico integrante do corpo clínico do hospital

Quando o médico é parte integrante do corpo clínico do hospital, a responsabilidade do hospital é solidária, conforme o art. 932, inciso III, do Código Civil e o art. 14 do CDC. A responsabilidade solidária implica que o hospital responderá objetivamente pelos atos dos médicos de seu corpo clínico, independentemente da culpa do médico, desde que haja falha na prestação do serviço hospitalar. Este entendimento é corroborado pela doutrina e pela jurisprudência, incluindo decisões como o REsp 1.360.969/RS, onde se estabeleceu que o hospital responde objetivamente pelos atos dos médicos vinculados ao seu corpo clínico.

Médico não integrante do corpo clínico do hospital

Se o médico não faz parte do corpo clínico do hospital, a responsabilidade do hospital se limita aos serviços que presta diretamente, como a infraestrutura e a equipe auxiliar. Neste caso, o hospital não é responsável pelos atos exclusivamente médicos, salvo se houver falha na prestação dos serviços auxiliares ou na estrutura oferecida.

Cobertura do plano de saúde pós-diagnóstico

Cobertura de gastos da cirurgia

Se o plano de saúde foi contratado após o diagnóstico, ele não é obrigado a cobrir doenças pré-existentes, conforme a lei 9.656/98. A legislação prevê mecanismos de proteção tanto para o consumidor quanto para a operadora do plano de saúde, estabelecendo limites e prazos específicos.

Prazo de carência

O prazo de carência para doenças pré-existentes pode ser de até 24 meses, conforme o art. 11 e o art. 12, inciso V, c da lei 9.656/98.

Ônus da prova

A operadora do plano de saúde tem o ônus de comprovar que a doença é préexistente, conforme a súmula 609 do STJ, que estabelece que a alegação de doença pré-existente deve ser comprovada pela operadora do plano.

Casos de urgência

Em casos de urgência ou emergência, o plano deve garantir atendimento imediato após 24 horas da contratação, conforme o art. 12, inciso V, c da lei 9.656/98. Este dispositivo busca proteger o paciente em situações críticas, garantindo acesso ao atendimento necessário sem esperar os prazos regulares de carência.

Análise detalhada de casos específicos

Para aprofundar a análise, é fundamental examinar casos específicos que tratam de responsabilidade civil em contexto médico-hospitalar.

A seguir, são apresentados exemplos de decisões judiciais que ilustram a aplicação dos princípios discutidos.

Caso 1: Responsabilidade objetiva do hospital caso REsp 1.355.564/SP: Neste caso, o STJ determinou que o hospital é responsável objetivamente por danos causados pela falha na prestação de serviços auxiliares, como manutenção de equipamentos e estrutura hospitalar. A decisão reforça a interpretação de que a responsabilidade do hospital não depende da comprovação de culpa, mas sim da demonstração do nexo causal entre o dano e a falha na prestação dos serviços.

Caso 2: Responsabilidade subjetiva do médico caso REsp 1.360.969/RS: O STJ confirmou que a responsabilidade do médico é subjetiva e depende da comprovação de culpa. O tribunal destacou a importância de avaliar se o médico agiu com diligência, perícia e prudência durante o atendimento ao paciente. A decisão enfatiza que a obrigação do médico é de meio, não de resultado, e que a responsabilização só ocorre se houver prova de negligência, imprudência ou imperícia.

Caso 3: Cobertura de plano de saúde e doenças pré-existentes caso súmula 609 do STJ: A súmula estabelece que a operadora do plano de saúde tem o ônus de comprovar que a doença é pré-existente à contratação do plano. Esse entendimento protege o consumidor ao impedir que as operadoras recusem indevidamente a cobertura sob alegação de preexistência sem a devida comprovação. A súmula é uma ferramenta importante na defesa dos direitos do consumidor em disputas contra operadoras de planos de saúde.

Discussão sobre defesas dos médicos e hospitais

Uma análise completa do tema também deve considerar as possíveis defesas que médicos e hospitais podem apresentar em casos de responsabilidade civil. Essas defesas podem incluir:

Defesa de médicos

  1. Ausência de culpa: O médico pode argumentar que agiu com a diligência, perícia e prudência exigidas pela profissão, e que a complicação ocorrida (como a paraplegia no caso de João) foi uma consequência imprevisível e inevitável do procedimento cirúrgico. Este argumento pode ser respaldado por laudos periciais e depoimentos de especialistas. Defesa: O médico pode argumentar que agiu com a diligência, perícia e prudência exigidas, e que a paraplegia foi uma complicação imprevisível e inevitável. Provas: Laudos médicos demonstrando que o procedimento foi conduzido conforme as melhores práticas médicas e que a complicação estava dentro dos riscos inerentes à cirurgia.
  2. Consentimento informado: Os médicos frequentemente se defendem alegando que o paciente foi devidamente informado sobre os riscos inerentes ao procedimento e consentiu livremente após receber todas as informações necessárias. O consentimento informado deve ser documentado e assinado pelo paciente. Defesa: O médico pode alegar que informou adequadamente o paciente e seus pais sobre os riscos envolvidos na cirurgia e que eles consentiram com o procedimento. Provas: Documentação do consentimento informado assinado pelo paciente e seus responsáveis legais, detalhando os riscos e benefícios da cirurgia.
  3. Causa multifatorial: A defesa pode argumentar que a lesão ou complicação teve causas multifatoriais, não relacionadas exclusivamente à conduta do médico. Por exemplo, a paraplegia poderia ser atribuída a uma condição médica preexistente ou a uma resposta fisiológica inesperada do paciente. Defesa: Argumentar que a paraplegia resultou de múltiplos fatores, não exclusivamente atribuíveis à conduta médica. Provas: Evidências de que a paraplegia poderia ter sido causada por fatores como condições preexistentes ou respostas fisiológicas inesperadas do paciente.

Defesa de hospitais

  1. Ausência de nexo causal: O hospital pode alegar que não há nexo causal entre a sua conduta e o dano sofrido pelo paciente. Para isso, deve demonstrar que todos os serviços e equipamentos estavam em conformidade com as normas técnicas e de segurança. Defesa: O hospital pode argumentar que a paraplegia não foi resultado de falhas na estrutura ou nos serviços prestados pelo hospital. Provas: Relatórios de manutenção de equipamentos, registros de treinamentos da equipe, e protocolos seguidos durante a internação e cirurgia.
  2. Terceirização de serviços: Em alguns casos, o hospital pode alegar que a responsabilidade pelos danos é de terceiros que prestaram serviços dentro de suas instalações (por exemplo, uma equipe de anestesia terceirizada). No entanto, essa defesa pode ser limitada pela responsabilidade objetiva prevista no CDC. Defesa: O hospital pode alegar que todos os serviços prestados estavam de acordo com os padrões de qualidade e segurança exigidos. Provas: Documentos comprovando que os equipamentos estavam em perfeito estado de funcionamento e que todos os procedimentos operacionais padrão foram seguidos.
  3. Prova de adequação dos serviços: O hospital pode apresentar provas de que seus serviços foram prestados de acordo com os padrões de qualidade e segurança exigidos. Isso pode incluir manutenção regular de equipamentos, treinamento contínuo da equipe e cumprimento de protocolos de segurança. Defesa: Alegar que os serviços específicos que resultaram no dano foram prestados por terceiros contratados, como uma equipe de anestesia terceirizada. Provas: Contratos e registros de prestação de serviços por terceiros, demonstrando que a responsabilidade direta não recai sobre o hospital.

Conclusão

Com base nos fatos, na legislação e na jurisprudência relevante, João da Silva tem fundamentos sólidos para processar médicos e hospitais, desde que se comprove a relação de causalidade e a culpa dos profissionais envolvidos. A responsabilidade do médico é subjetiva e depende da comprovação de culpa, enquanto a responsabilidade do hospital é objetiva e independe de culpa, especialmente se o médico fizer parte do corpo clínico do hospital. Curso de Especialização em Direito Médico e Bioética Trabalho de Conclusão de Curso Se o plano de saúde for contratado após o diagnóstico, a cobertura poderá ser limitada, sujeita a carências e à necessidade de comprovação da preexistência da doença. Em casos de urgência, a cobertura deve ser garantida após 24 horas da contratação do plano, protegendo o paciente em situações críticas. A análise minuciosa da legislação, doutrina e jurisprudência permite concluir que, havendo falha na prestação de serviços médicos ou hospitalares, existem fundamentos legais para a responsabilização, assegurando os direitos do paciente conforme os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção ao consumidor. As defesas dos profissionais e das instituições de saúde podem incluir a ausência de culpa, a prova de consentimento informado e a demonstração de que todos os serviços e estruturas estavam adequados. Esta análise minuciosa garante que as partes envolvidas estejam cientes de seus direitos e deveres, promovendo a justiça e a proteção do consumidor no âmbito da saúde.

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BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF, 2002. • BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF, 1990.

BRASIL. Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Brasília, DF, 1998.

STJ. Súmula nº 609. O ônus de comprovar que a doença é preexistente à adesão ao plano de saúde é da operadora.

STJ. Recurso Especial 802.832/SP. Relator: Min. Aldir Passarinho Junior. Data de Julgamento: 24/10/2006. Curso de Especialização em Direito Médico e Bioética Trabalho de Conclusão de Curso

STJ. Recurso Especial 1.355.564/SP. Relator: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Data de Julgamento: 27/08/2013.

STJ. Recurso Especial 1.360.969/RS. Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Data de Julgamento: 12/03/2014

Leonan Bergamim
Direito e Processo do Trabalho - Damásio; Direito e Processo Civil - Damásio; Direito Empresarial - IBMEC; Direito Médico e Bioética - PUCMinas; MBA Executivo em Direito - FGV.

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