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Transporte de animal de suporte emocional e os desafios enfrentados pelas companhias aéreas

O transporte de animais de suporte emocional no Brasil tem sido uma lacuna legal, revelando a urgência de uma regulamentação que equilibre direitos pessoais e coletivos.

5/9/2024

Conforme amplamente reconhecido, os animais de estimação oferecem uma variedade de benefícios para a saúde humana. Pesquisas indicam que a interação com esses animais resulta no aumento da produção e liberação de pelo menos dois "hormônios da felicidade": serotonina e dopamina. Essa interação com o animal também desempenha um papel significativo na redução dos níveis de estresse, fomenta a prática de atividades físicas, promove a socialização e contribui para o combate à depressão, entre outros aspectos positivos.

Para indivíduos que enfrentam transtornos psicológicos e/ou emocionais, a presença de um animal de estimação pode ser vital para ajudá-los a enfrentar os desafios que poderiam comprometer seu cotidiano, sendo esses animais conhecidos como "animais de suporte emocional". Em resumo, um animal é considerado de suporte emocional quando o tutor recebe um diagnóstico psiquiátrico de algum transtorno psicológico e a recomendação de incluir um animal em seu tratamento. Esse processo requer uma avaliação médica conduzida por um profissional de saúde mental, responsável por diagnosticar e emitir um laudo que comprove a necessidade do animal de apoio emocional.

Não é surpresa que cada vez mais estabelecimentos comerciais estejam adotando a política "pet friendly", permitindo que os tutores estejam acompanhados de seus animais de estimação em locais como comércios, bares, restaurantes, livrarias, entre outros. Contudo, é crucial analisar até que ponto a presença de animais é segura e saudável em determinados ambientes.

Algumas companhias aéreas, a fim de atender a essa demanda, iniciaram a oferta do serviço de transporte de animais de estimação dos passageiros, disponibilizando as opções de transporte na cabine e no porão.

No entanto, é importante destacar que não há atualmente no Brasil, legislação específica para o transporte de animais, assim cada companhia aérea estabelece suas normas, levando em consideração a complexidade das operações aeronáuticas e a necessidade de assegurar não apenas o deslocamento, mas também a saúde e a segurança tanto do animal quanto dos demais passageiros e da tripulação a bordo.

Apesar de o transporte aéreo de animais ser possível, a maioria das companhias aéreas não permite a modalidade de transporte identificada como “animal de suporte emocional” na cabine, pois isso poderia resultar em diversos inconvenientes.

Certamente, o avião é considerado seguro pela maioria dos veterinários, no entanto, o estresse dos animais em viagens de avião é uma preocupação significativa, pois o ambiente e as condições durante o transporte podem ser desafiadores para eles. A ansiedade do ambiente novo para o pet pode aumentar a frequência cardíaca, prejudicar a respiração e até fazer com que tenha uma síncope e, em casos extremos, levá-lo à morte.

Ora, há ainda outros óbices quanto ao transporte de animais indiscriminadamente na cabine da aeronave, menciona-se a afirmação realizada pelo pesquisador e médico canadense, doutor em epidemiologia, Matthew B. Stanbrook, em artigo publicado na Canadian Medical Association Journal, onde afirma que 1 em cada 10 pessoas no mundo tem alergia a animais e podem reagir com sintomas graves, tais como anafilaxia ou asma, e em um avião, em altitudes elevadas e isoladas do acesso aos cuidados médicos de emergência, as consequências podem ser muito mais perigosas.

Pode-se afirmar que animais com a função de suporte emocional geralmente não estão adequados para participar de viagens aéreas de forma livre na cabine, isso porque, em regra, são animais sem treinamento específico, sendo difícil para o tutor controlar comportamentos como latidos, miados, odores desagradáveis até mesmo agressividade, bem como, não há garantia de que o animal de estimação obedecerá ao tutor em situações adversas que podem ocorrer durante um voo.

Em contrapartida, os animais de serviços, os quais inclusive já possuem autorização legal para acompanhar seu tutor em transporte aéreo, se diferenciam por passarem por um treinamento especializado para executar tarefas específicas com o objetivo de ajudar ou facilitar a vida de indivíduos que possuem alguma forma de deficiência física.

Geralmente, os cães são escolhidos para esse papel devido à sua capacidade de aprendizado e comprometimento. Dentre os animais de serviço, destacam-se os cães-guia, que auxiliam pessoas com deficiência visual; os cães-ouvintes, que prestam assistência a indivíduos com deficiência ou surdez; os cães de alerta, capazes de reconhecer, pelo olfato, o início de crises como ansiedade, epilepsia ou hipoglicemia; e os cães de serviço, que colaboram com pessoas com deficiência orgânica ou motora, realizando tarefas como buscar objetos e abrir portas, entre outras.

Assim, tendo em vista que o transporte aéreo é destinado, principalmente, às pessoas humanas, evidente que a prioridade das companhias aéreas é que as pessoas tenham maior segurança e conforto durante o trajeto, que por muitas vezes, é de longa duração.

Desta maneira, considerando que tal modalidade de acompanhamento não é regulamentada, como por exemplo a do cão guia, os passageiros têm adquirido passagens aéreas e imediatamente ingressado com ações judiciais, pleiteando a liminar para obrigar que a Cia. Aérea autorize o acompanhamento do animal junto ao seu tutor durante o voo.

Os magistrados, por sua vez, têm divergido em seus entendimentos, alguns equiparando esses animais a cães de serviço, enquanto outros destacam a falta de treinamento específico, diferenciando-os.

Nesse contexto, é importante avaliar se é realmente necessário levar o animal de suporte emocional na cabine da aeronave, uma vez que as companhias aéreas geralmente oferecem a opção do transporte de animais no porão, o que é altamente recomendado, pois proporciona maior segurança ao pet dentro da caixa de transporte.

Ademais, pesquisas médicas reconhecem que medicamentos podem temporariamente substituir a presença do animal junto ao tutor durante o voo. Com recomendação do profissional médico, o passageiro pode utilizar essa opção para garantir seu próprio bem-estar e o dos demais passageiros. Isso, por sua vez, poderia resultar na redução de processos judiciais que buscam liminares para resolver questões relacionadas ao transporte de animais junto à si durante o voo.

Diante do aumento significativo de liminares concedidas para o embarque de animais sob a modalidade de suporte emocional, as companhias aéreas enfrentam diversos desafios operacionais. Um exemplo emblemático é a situação em que já existe a confirmação de três animais na cabine, atingindo o limite permitido. Nestes casos, quando se trata de demandas nos juizados especiais, as companhias aéreas encontram-se em uma posição delicada, visto que ficam praticamente sem margem de manobra. A impossibilidade de permitir o embarque, devido ao potencial risco à segurança do voo, as coloca em uma situação complexa, uma vez que não há recurso específico disponível para contestar decisões interlocutórias provenientes de juizados especiais.

Atualmente, existe um projeto de lei que está tramitando no congresso com o objetivo de aprovar a presença de animais de apoio emocional em locais coletivos e meios de transporte. Contudo, ressalta que, no caso de viagens de avião, caberá à companhia aérea analisar se a presença do animal não compromete a segurança do voo.

Em conclusão, o transporte de animais de suporte emocional tem desencadeado um debate jurídico significativo nos tribunais brasileiros. Embora a demanda por essa prática tenha crescido, especialmente em companhias aéreas, a ausência de regulamentação específica tem levado a divergências judiciais. A questão central reside na busca por equilíbrio entre as necessidades individuais dos tutores e a segurança e conforto coletivos dos passageiros.

Nesse contexto, é fundamental que se estabeleçam normas claras e específicas para o transporte de animais, proporcionando orientações para as companhias aéreas, tutores e passageiros. A criação de diretrizes regulatórias contribuirá para uma abordagem mais consistente e equitativa diante dessa questão complexa, assegurando o bem-estar de todos os envolvidos.

Enquanto a legislação não se solidifica, os tribunais continuarão a desempenhar um papel crucial na definição do equilíbrio adequado entre o direito individual e a segurança coletiva no transporte aéreo de animais de suporte emocional.

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Disponível em: https://www.cmaj.ca/content/182/5/421 - Mateus B. Stanbrook - https://caninablog.wordpress.com/2010/03/02/pets-na-cabine-do-aviao-um-risco-a-saude/

Disponível em: https://g1.globo.com/turismo-e-viagem/noticia/2021/10/20/vai-viajar-com-o-pet-veja-quais-cuidados-ter-no-aviao.ghtml

Eduarda de Godoy Lacerda
Graduada em Direito pela USJT, advogada no escritório /asbz, atuante na área de aviação.

Evellyn Martins Lima
Graduada em Direito pela UNIP, advogada no escritório Nantes Mello Advogados, atuante na área de aviação.

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