Migalhas de Peso

É possível indenização por rompimento de noivado?

O noivado é um compromisso firmado entre os noivos que pretendem se casar, todavia, nem sempre ocorrerá o casamento. É necessário compreender se é possível indenização por danos materiais e, principalmente, morais.

3/9/2024

O noivado se apresenta como uma preparação para o casamento, ou seja, é um período entre o pedido de noivado até o casamento.

No noivado, os nubentes organizam a festa de casamento, que é um evento fundamental em que são feitos os convites, a escolha do espaço para a festa, cardápio, vestimenta dos nubentes e tudo mais que possa interessá-los.

Antigamente, a família da noiva dava o dote de casamento. Hoje em dia, as pessoas usam o anel de noivado, que simboliza o compromisso dos nubentes entre si e o desejo de casar. A palavra desejo concerne a ausência de algo, visto que, se um sujeito não possui um bem móvel que queira, por exemplo, o desejo é visível. Sendo assim, o desejo dos noivos é o casamento, que se trata de uma expectativa real.

Apesar de o casamento ser o desejo dos noivos, é possível que o casamento não aconteça, ocorrendo o rompimento do noivado. Caso ocorra dano material, o noivo deverá ser indenizado pelos gastos realizados em virtude do casamento (aluguel do salão, fotógrafo, aluguel ou compra do vestido e entre outros gastos). A respeito do dano moral, vejamos uma decisão do egrégio TJ/DF:

APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E PROCESSO CIVIL. NOIVADO. ROMPIMENTO DA PROMESSA DE CASAMENTO. LIBERDADE PESSOAL INAFASTÁVEL. PREPARATIVOS. CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO. COMPRA DE ELETRODOMÉSTICOS. DANOS MATERIAIS. REPARAÇÃO DEVIDA. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. DANOS EXPERIMENTADOS PELO NUBENTE DESISTENTE. CAUSALIDADE. INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AJUIZAMENTO DE AÇÃO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA REFORMADA. 1. O rompimento da promessa de casamento deve ser analisada por meio do instituto da responsabilidade civil, diante do princípio da boa-fé objetiva. 2. A desistência em relação ao compromisso assumido no noivado, por si só, não configura ato ilícito indenizável, pois se encontra na esfera da liberdade pessoal inafastável, pois não pode haver matrimônio sem a livre vontade manifestada pelos nubentes. 3. Nos termos dos arts. 186 e 187 do Código Civil, no entanto, se a decisão de rompimento “violar direito e causar dano a outrem” ou exceder “manifestamente os limites impostos pelos bons costumes” gerando danos a outrem, deve ser vista como ato ilícito, sujeitando-se aos efeitos do art. 927 do Código Civil. 4. Os valores gastos com os preparativos da cerimônia e do futuro lar do casal devem ser devidamente compartilhados entre as partes, sendo inafastável o devido ressarcimento. 5. Resulta da evolução doutrinária concernente à boa fé objetiva a inadmissibilidade de comportamento contraditório (venire contra factum proprium). Assim, tendo o réu dado causa a não realização do casamento, ainda que agindo no exercício da autonomia de sua vontade, não é compatível com essa situação jurídica o requerimento, em sede de reconvenção, de reparação pelos gastos realizados na expectativa de concretização do matrimônio. 6. Ainda que se reconheça o sentimento de dor e constrangimento dos autores diante do rompimento do noivado, bem como a subsequente declaração pública do réu de que se encontra em um novo relacionamento, as circunstâncias reinentes não configuram ofensa à esfera extrapatrimonial dos demandantes, aptas a gerar indenização por danos morais. 7. O mero ajuizamento de ação não gera o dever de indenizar por dano moral, tratando-se de prerrogativa assegurada pela Constituição Federal (art. 5º, inc. XXXV). 8. Apelação dos autores e do réu conhecidas e parcialmente providas. (Acórdão n.1042257, 20160310169860APC, relator: ALVARO CIARLINI 3ª turma cível, Data de Julgamento: 23/8/17, Publicado no DJE: 5/9/17. Pág.: 160/169). (grifos meus).

Data vênia, apesar do que foi dito na respeitável decisão, quando duas pessoas decidem noivar, assumem um compromisso diante da sociedade, visto que, o noivado é uma escolha pública dos nubentes. No caso do anel (simbolismo relevante), é demonstrado o desejo de os nubentes se casarem. Sendo assim, o noivado pode ser visto como um contrato de promessa de casamento. A respeito do terceiro ponto da decisão, nota-se que o abuso de direito ou descumprimento dos bons costumes realmente ocasiona danos morais.

A preparação do casamento reforça o desejo dos nubentes, ou seja, o nubente está tão focado no seu desejo de se casar que, caso ocorra o rompimento do noivado, ele terá sofrido dano extrapatrimonial, contanto que ocorra abuso de direito ou desrespeito à boa-fé objetiva. Ninguém noiva para romper o noivado. É necessário analisar o caso concreto com cautela porque um dos nubentes pode romper o noivado devido ao descumprimento da fidelidade, “verbi gratia”.

A doutrina se divide a respeito do rompimento do noivado, vejamos o que diz Flávio Tartuce sobre o tema:

“Entre os que são favoráveis à indenização nessas situações, cite-se Inácio de Carvalho Neto, que lembra o fato de que o nosso "Código, ao contrário dos Códigos alemão, italiano, espanhol, peruano e canônico, não regula sequer os efeitos do descumprimento da promessa". Porém, para o mesmo autor, "isto não impede que se possa falar em obrigação de indenizar nestes casos, com base na regra geral da responsabilidade civil. Como afirma Yussef Cahali, optou-se por deixar a responsabilidade civil pelo rompimento da promessa sujeita à regra geral do ato ilícito" (Responsabilidade civil no direito de família. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2004. p. 401). Na esteira das lições transcritas, entendo ser plenamente possível a indenização de danos morais em decorrência da quebra da promessa de casamento futuro por um dos noivos1”.

O egrégio TJ/MG julgou um caso interessante, demonstrando que o rompimento do noivado que ocorreu de forma extraordinária configura dano moral, vejamos a respeitável decisão para melhor compreensão:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS C.C. EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO - SENTENÇA ULTRA PETITA - RUPTURA DE NOIVADO - ENGANAÇÃO - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - IMÓVEL FINANCIADO - INTERESSE DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO PREJUDICADA. É defeso ao juiz proferir sentença decidindo além do pedido inicial, sob pena de nulidade parcial da sentença. A ruptura do noivado, embora cause sofrimento e angústia ao nubente, por si só, não gera o dever de indenizar, pois, não havendo mais o vínculo afetivo, não faz sentido que o casal dê prosseguimento ao relacionamento. Todavia, se o rompimento do noivado ocorreu de forma extraordinária, em virtude de enganação, por meio de promessas falsas e mentiras desprezíveis, causando dor e humilhação na noiva abandonada, configuram-se os danos morais. A extinção do condomínio constitui direito potestativo dos condôminos, mas, se nenhuma das partes concordar em adjudicá-lo, o art. 1.322 do Código Civil estabelece que o bem deve ser vendido e a renda repartida. Se nenhum dos condôminos demonstra interesse em adjudicar o bem, impõe-se a alienação do imóvel a estranho, dividindo-se o produto da venda às partes, na proporção daquilo que cada um pagou. Se o imóvel está financiado pela Caixa Econômica Federal, em eventual extinção do condomínio, deve a instituição financeira, credora hipotecária, participar do feito, o que remete a competência para a Justiça Federal. (TJ/MG - AC: 10701120310019001 MG, relator: Rogério Medeiros, Data de Julgamento: 16/6/16, Data de Publicação: 24/6/16). (grifos meus)

Com base no julgado acima, caso não exista mais vínculo afetivo entre os nubentes, não poderá ser exigida indenização por danos morais, todavia, caso o rompimento do noivado ocorra devido traição ou estelionato sentimental, por exemplo, será possível a indenização citada.

O estelionato amoroso ocorre quando um parceiro usa o relacionamento objetivando de forma unilateral vantagens à custa do outro, como no caso de presentes2. O referido estelionato pode ocasionar indenização por danos morais, visto que, existe um dano psicológico sofrido pela pessoa enganada. O estelionatário continua o relacionamento até conseguir o que tanto deseja. Não se pode olvidar que este deve ter a intenção de enganar a vítima, além de existir uma situação de abuso.

Um sujeito não pode ser obrigado a se casar, por isso o dano moral será evidente quando ocorrer abuso de direito ou descumprimento da boa-fé objetiva, visto que, “comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (art. 187 do CC/02).

O motivo relevante desobriga a realização do casamento porque não se espera que um sujeito que foi enganado, traído e vítima de estelionato afetivo continue com o desejo de se casar com a pessoa que lhe ocasionou um dano extrapatrimonial.

O que se pretende demonstrar é que o rompimento injusto do noivado possibilita que o prejudicado requeira indenização pelos danos materiais e morais. Maria Helena Diniz ensina que o reconhecimento de responsabilidade exige que a promessa de casamento tenha sido feita pelos noivos; que a recusa de cumprir a promessa seja por parte do noivo arrependido; que haja ausência de motivo justo e que exista dano devido às repercussões psicológicas, pecuniária e morais3.

Em virtude do que foi mencionado, conclui-se que é possível requerer indenização por danos materiais e morais em virtude do rompimento do noivado. No caso dos danos morais, exige-se motivo injusto, dano psicológico e moral. Como dito anteriormente, aquele que rompe o noivado devido motivo injusto e prejudica moralmente a outra pessoa tem o dever de indenizar, contanto que o sujeito prejudicado acione o Poder Judiciário. O motivo justo não ocasiona indenização, como no caso de traição.

-----------------------

1 TARTUCE, Flávio. Responsabilidade civil por quebra de promessa de casamento. Acesso em 01/01/2022. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/familia-esucessoes/266027/responsabilidade-civil-por-quebra-de-promessa-de-casamento

2 GOES, Evelise. Estelionato afetivo você sabe o que é?. Jusbrasil. Acesso em 01/01/2022. Disponível em: https://custodiogoes.jusbrasil.com.br/artigos/736051605/estelionato-afetivo-voce-sabe-oque-e

3 Alencar Frederico. A responsabilidade civil pelo rompimento do noivado. Acesso em 01/01/2022. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-41/aresponsabilidade-civil-pelo-rompimento-do-noivado/#_ftn12

Lázaro Lima Souza
Graduado em Direito pelas FMU, advogado, pesquisador, escritor de artigos, palestrante e membro das Comissões Direito Civil e de Direito Tributário da OAB/SP

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Transição no Saneamento: Do monopólio ao oligopólio e o papel dos órgãos de controle

14/11/2024

Análise das modalidades de aumento do capital social: Conceitos e aplicações

14/11/2024

A nova resolução do CFM e os desafios da atuação dos profissionais de saúde

14/11/2024

Decisão do STJ abre caminho para regularização de imóveis comerciais no Distrito Federal

14/11/2024

Eficiência e celeridade: Como a produção antecipada de provas contribui para a resolução de conflitos

14/11/2024