Dentre as perguntas mais frequentes feitas para mim estão as relacionadas com o resultado do leilão: Será que haverá muita disputa entre os interessados e, por quanto que um determinado bem em leilão será arrematado? Como se eu tivesse exatamente como prever, aliás, você, caro leitor, sei que tem também tem essa mesma curiosidade!
Realmente é impossível antecipar com exatidão o valor que o bem será arrematado pois, são muitas variáveis que entram em jogo, dentre elas posso destacar: a quantidade de pessoas habilitadas para participar do leilão, o perfil das pessoas interessadas em arrematar (investidoras ou com intenção de uso próprio, por exemplo), o valor de mercado do bem, a situação documental (por exemplo: leilão de direitos sobre o imóvel), o lance mínimo estabelecido nos termos do edital do leilão, entre outros fatores.
A par de todas essas variáveis que influenciam os lances no leilão, fato é que a pessoa interessada em arrematar tem o controle do limite do quanto ofertar nos lances que irá realizar – respeitadas as condições do edital e, também a realidade dos lances ofertados – mas o que isso quer dizer? Significa que a oferta do lance é uma opção voluntária a ser realizada e, como uma opção deve ser exercida de acordo com a estratégia prévia financeira estabelecida para o leilão em específico.
Parece óbvio, não é? Mas na prática muitas vezes não é assim que é evidenciado, o que pode levar ao arremate de um bem por um valor maior do que realmente era o objetivo do arrematante pagar em relação ao valor do bem.
Nesse ponto, me recordei do primeiro leilão em que participei – tinha acabado de me formar em direito – fui em um centro espírita em que uma pessoa pintava quadros diante de inúmeras pessoas e, ao final, os quadros eram vendidos em disputa dos interessados, fiquei muito interessado em um par de quadros que formavam uma obra única, uma paisagem de floresta à noite, pintado com tons de azul, cinza e preto. Meu interesse foi tamanho que disputei lance a lance aquele quadro, inclusive com valores superiores à minha capacidade na época – que nem era muita – durante a disputa pedi dinheiro emprestado com a pessoa que lá me levou caso fosse o vencedor, mas acabei sucumbindo e não arrematei.
Fiquei muito chateado por não ter comprado, tanto que passados todos esses anos ainda me recordo com detalhes daquele momento e da sensação que tive ao ser envolvido por aquele leilão, claro que muito por conta da minha imaturidade, será?
Você deve estar até achando graça desse acontecimento – eu também – hoje, após todos esses anos que direcionei minha atividade para a área dos leilões, inicialmente advogando para arrematantes, arrematando também e, agora nos últimos anos atuando como Leiloeiro Público, afirmo que se a oferta de lances não estiver alicerçada em uma estratégia financeira estabelecida especificamente para aquela oportunidade em leilão, o resultado pode ser a chamada “maldição do vencedor”.
Como assim? No ano de 2020 o prêmio Nobel de Economia teve como vencedores os acadêmicos americanos Paul Milgrom e Robert Wilson que desenvolveram um trabalho sobre a teoria dos leilões e novos formatos do processo que beneficiariam compradores e vendedores em várias áreas.1
No desenvolvimento desse trabalho buscaram explicar como as pessoas que participam de leilões procuram evitar pagar mais do que o produto vale – maldição do vencedor – para assim otimizar os ganhos com a arrematação. Mas o que uma teoria tem de relevante para com o cenário real dos leilões de imóveis?
Diferentemente de vários dos objetos de estudo no trabalho premiado – por exemplo leilão de áreas de exploração de petróleo em que não é possível ter a certeza do volume do que está sendo adquirido – o mercado imobiliário tem um fator de previsibilidade de valor que age em benefício da pessoa interessada em arrematar, para que faça um bom planejamento e estabeleça até qual valor pode oferecer durante o leilão.
Hoje, um pouco antes de eu começar a escrever este artigo fiz um leilão judicial de imóvel, em decorrência de débitos condominiais – aliás a ideia de escrevê-lo partiu da sua realização – a dinâmica de sua realização é interessante para ser analisada, então vamos tomá-lo de exemplo: Casa no litoral de São Paulo avaliada em R$ 272.000,00, bem próximo à praia, em uma localização interessante. Apesar de ser um imóvel pequeno o leilão despertou a visitação de mais de 1.208 pessoas e a habilitação para participar do leilão de 12 pessoas.
Durante esse leilão foram ofertados 55 lances desde o valor inicial estabelecido em R$ 141.000,00, até o lance vencedor no valor de R$ 252.000,00, sendo que a disputa dos últimos 14 lances foi entre apenas duas pessoas. Tenho a certeza, que você caro leitor, de acordo com sua percepção e experiência sobre a aquisição de imóveis em leilão, já formou uma primeira análise a respeito dessa arrematação, talvez até tenha, também, formulado qual o valor máximo de seu lance para esta oportunidade em leilão.
Digo por oportuno que, como não sei o interesse que motivou o arrematante neste leilão que serviu de exemplo, nem as análises que ele promoveu, não tenho como afirmar que neste caso ocorreu a maldição do vencedor, sendo muito provável que o interesse do mesmo foi para uso próprio do imóvel.
Justamente esse o ponto que destaco neste artigo. Como definir o valor do lance máximo ao participar do leilão para evitar a “maldição do vencedor”? A resposta vale milhões!
Por primeiro a otimização da participação em leilão de imóveis é o resultado de duas análises que se complementam e se interrelacionam: a análise jurídica e a análise financeira da oportunidade em leilão, sendo esta última a mais latente neste artigo.
A análise jurídica se relaciona, principalmente, a viabilidade jurídica do leilão, ou seja, se tudo o quanto necessário para a validade do leilão – judicial ou extrajudicial – foi realizada, tome-se por exemplo nos leilões judiciais se todas as regras para a realização do leilão – intimações e publicações dos editais – foram realizadas.
Alguns pontos da análise jurídica também se relacionam com a efetividade do leilão, quando, por exemplo, se extraí da interpretação jurídica do edital a relação entre os débitos do imóvel e a responsabilidade do arrematante, fato que influenciará até mesmo a participação no leilão do interessado ou mesmo o limite de valor que irá ofertar.
Já a análise financeira abarca diversos levantamentos de dados e fatores que influenciam o quanto vale a pena pagar pelo imóvel que está em leilão, ou seja, aliado ao resultado da análise jurídica será estabelecido o valor de lance máximo a ser ofertado no leilão pela pessoa interessada.
Mas afinal, que dados e fatores são esses?
São inúmeros e variáveis os dados e fatores que são analisados de acordo com as características do imóvel que está em leilão, destaco neste artigo – sem a pretensão de esgotar o tema – os principais, vejamos:
Claro que qualquer pessoa quer pagar o menor valor possível no imóvel que está em leilão, assim, o primeiro fator é subjetivo e está relacionado ao interesse que motiva a pessoa em querer arrematar o imóvel. Nesse tempo que atuo no ramo de leilões identifiquei alguns perfis de pessoas que buscam arrematar imóveis, são eles: a) aquelas que buscam imóvel para uso próprio; b) as pessoas que buscam para lucrar com a venda do imóvel; c) aquelas que querem o imóvel para extrair frutos do mesmo com a locação e d) querem adquirir o imóvel para ter patrimônio para saldar dívidas.
Interesses distintos geram percepções distintas sobre o valor que se pode pagar no imóvel. Veja o exemplo: Se um apartamento no condomínio onde quero morar for a leilão, meu interesse para arrematar para uso próprio fará com que o meu limite de maior lance seja superior à pessoa que tem interesse em lucrar com a venda do imóvel após arrematado.
A subjetividade desse interesse faz com que dentre aquelas pessoas habilitadas para participar do leilão não seja possível distinguir entre a pessoa do investidor em leilões e a pessoa que quer o imóvel para uso próprio, mas no decorrer do leilão pela análise dos lances ofertados é possível ter a ideia do interesse que as move.
Estabelecido qual o interesse da pessoa em arrematar o imóvel – quer seja você no intuito de arrematar, quer seja você atuando como advogada(o) da pessoa interessada em arrematar, o próximo passo da análise financeira é a colheita de dados que irão também ser importantes para embasar o valor do lance máximo a ser ofertado. Destacamos os seguintes dados:
a) Valor de mercado do imóvel – FATOR PREVISIBILIDADE importante que seja feita uma pesquisa em imóveis semelhantes da região para saber qual o valor de mercado que estão sendo oferecidos – sabendo-se que no mercado tradicional a oferta é feita por valor que pode ser objeto de negociação – assim é possível ser identificado um dos pontos mais importantes para fazer uma boa arrematação, visto que com a previsibilidade do mercado imobiliário determina-se o valor aproximado de mercado do imóvel em leilão, que será usado como parâmetro na análise financeira;
b) Custos fixos da arrematação – alguns custos decorrentes da arrematação também são previsíveis e calculados, assim, os custos fixos da arrematação como: a comissão do(a) leiloeiro(a) – 5%; custas de expedição do título translativo da propriedade (carta de arrematação se judicial ou escritura de venda e compra se extrajudicial); ITBI – Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – imposto municipal que varia entre 2% a 3% do valor da arrematação ou do valor venal do imóvel, o que for maior2; custo com o registro do título aquisitivo no Cartório de Registro de Imóvel; o valor da assessoria jurídica que irá ser prestada para a regularização documental e da posse do imóvel;
A depender do interesse que motivou a participação no leilão, por exemplo, aquela pessoa que quer investir em imóveis de leilão para lucrar na venda, outros custos fixos devem ser levados em consideração, como a projeção do imposto de renda sobre o ganho de capital quando da realização da venda, assim, como todos os custos próprios da venda entre particulares no mercado tradicional que evolvem o custo das certidões e documentos, bem como a comissão da imobiliária ou corretora de imóveis que venha a intermediar a venda e de eventual assessoria jurídica nessa venda.
c) Custos variáveis da arrematação – diz-se variáveis pela sua necessidade ou não a depender do caso concreto e, mesmo sendo necessários não é possível estabelecer com exatidão o seu custo, assim temos: os custos para a concretização da imissão na posse3; gastos com manutenção, reformas ou melhorias a serem realizadas no imóvel; projeção de despesas recorrentes tais como IPTU e condomínio após a arrematação4;
Cumpre destacar que a análise jurídica realizada pode gerar outros custos a serem gastos com a arrematação, por exemplo: a necessidade de abertura de matrícula; quando a arrematação é de direitos sobre o imóvel devem ser verificados os gastos com regularização da documentação para registro da carta de arrematação; regularização da construção perante órgãos públicos e a averbação da construção na matrícula do imóvel, eventual responsabilidade do arrematante por débitos de natureza “propter rem”, entre outros.
Note caro leitor, que a democratização do acesso às oportunidades de leilões eletrônicos diariamente realizados pela internet gerou a facilidade de participação, contudo, tal amplitude não pode ser motivo para a ausência de análises para a participação no leilão, tanto a análise jurídica como também a análise financeira se mostram imprescindíveis para uma arrematação consciente, buscando assim afastar a “maldição do vencedor”.
Conclusão:
Sem ter a pretensão de esgotar o tema, mas sim de te provocar à reflexão, a principal conclusão é a de que se você é a pessoa interessada em arrematar procure uma assessoria especializada para te amparar na análise jurídica e te auxiliar na análise financeira da oportunidade em leilão e, se você é advogada(o) busque aprimorar o seu conhecimento para atuar nesta área que é extremamente lucrativa para a advocacia.
1 Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/paul-milgrom-e-robert-wilson-sao-os-ganhadores-do-nobel-de-economia/
2 Nesse ponto deve ter cuidado com a base de cálculo estabelecida por alguns municípios, por exemplo São Paulo crio o chamado valor venal de referência para servir de base de cálculo para o ITBI, critério este muito discutido nos tribunais.
3 Custos que dependem da forma com que é feita a desocupação do imóvel, podendo envolver eventual acordo entre o possuidor e o arrematante, bem como caso seja necessária a sua realização forçada despesas com diligência de oficial de justiça e os custos do depositário judicial, que dependem de localização, tamanho do imóvel e tipos e quantidades de bens a serem retirados.
4 Na medida em que a partir da arrematação as obrigações de natureza “propter rem”, com base na jurisprudência dominante, passam a ser de responsabilidade do arrematante, independente da imissão na posse ser realizada, apesar de ser possível a cobrança desses valores de quem exerce a posse do imóvel, nem sempre é viável a sua realização.