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Domicílio eleitoral: Vínculos e elegibilidade à luz do TSE

A flexibilidade do conceito de domicílio eleitoral no Brasil, em contraste com o Direito Civil, é analisada à luz das decisões do TSE, abordando a importância dos vínculos sociais e políticos.

26/8/2024

O conceito de domicílio eleitoral é um tema de relevância fundamental no Direito Eleitoral brasileiro, uma vez que influencia diretamente na determinação da circunscrição eleitoral em que o cidadão pode exercer seu direito de voto ou apresentar sua candidatura. A análise jurídica deste conceito torna-se ainda mais relevante em situações que envolvem questionamentos sobre a legitimidade de candidaturas e de mandatos eletivos.

Diferença entre domicílio civil e domicílio eleitoral

O domicílio, sob o prisma do Direito Civil, requer a conjugação de dois elementos essenciais: um de ordem objetiva (local físico, como residência) e outro de ordem subjetiva (vontade de permanecer definitivamente naquele local). Este conceito é distinto quando se observa o domicílio para fins eleitorais.

O TSE1 apresenta a conceituação de domicílio e de residência para fins eleitorais, diferenciando das definições para fins civis, in verbis:

(...) o domicílio eleitoral serve para organizar todo o conjunto de eleitores (o eleitorado), o que permite à Justiça Eleitoral organizar as eleições em todo o país. Nesse sentido, o domicílio civil demonstrou-se rígido demais para suprir as necessidades dos cidadãos, o que originou a necessidade de mudanças para atender às finalidades eleitorais.

(...)

O domicílio civil, para ser caracterizado, leva em conta dois requisitos: um objetivo e outro subjetivo. O primeiro diz respeito a circunstâncias que não são influenciadas pela vontade do indivíduo. Trata-se apenas do lugar propriamente dito, ou seja, é o local físico, a residência. O segundo requisito – subjetivo – envolve a vontade de permanecer de modo definitivo naquele lugar objetivamente indicado. Logo, é totalmente dependente da vontade, motivo pelo qual é chamado de subjetivo. Portanto, para que haja o domicílio civil, juntam-se o lugar com a vontade de permanecer definitivamente nele.

Essa vontade é o elemento essencial e decisivo para caracterizar o domicílio civil. De modo diverso ocorre no Direito Eleitoral, visto que há requisitos menos rigorosos. Na verdade, a necessidade de um vínculo subjetivo foi trocada pela necessidade de um vínculo especial. Veja que, com requisitos mais suaves, a probabilidade de escolher um domicílio é maior, pois, quando não se exige o vínculo subjetivo, pode acontecer de a mesma pessoa ter mais de um possível domicílio, posto que esse vínculo é o ânimo definitivo e manifesto de centralizar a vida, as necessidades e os negócios em um lugar. Em outras palavras, não é necessária a vontade de centralizar a vida em determinado lugar para considerá-lo um domicílio eleitoral. Basta o requisito objetivo conjugado com o vínculo especial.

Assim, o requisito objetivo, quando desligado do vínculo especial, não satisfaz os requisitos caracterizadores do domicílio eleitoral, porque “A simples comprovação fática objetiva da residência (casa, apartamento etc.) não preenche o sentido da norma legal.”. Logo, são aspectos complementares.

Jurisprudência e normas aplicáveis

O TSE, em diversas ocasiões, reafirmou a possibilidade de um indivíduo manter domicílio eleitoral em um município distinto daquele em que reside fisicamente, desde que exista um vínculo especial que justifique essa opção. A jurisprudência consolidada do Tribunal também sustenta que a simples comprovação de residência física não é suficiente para caracterizar o domicílio eleitoral, sendo necessário o complemento com o vínculo especial.

Cumpre-nos destacar, ainda, que a questão é pacífica nos julgados do TSE, colacionamos a ementa do Acórdão ARESPE de 16/11/00 (Processo RESPE 18.124): “A circunstância de o eleitor residir em determinado município não constitui obstáculo a que se candidate em outra localidade onde é inscrito e com a qual mantém vínculos (negócios, propriedades, atividades políticas)”.

A jurisprudência do TSE esclarece que, para fins eleitorais, não é exigido o vínculo subjetivo de centralizar a vida e as atividades em um único lugar. Em vez disso, é necessário que haja um "vínculo especial" com o local, o que permite a coexistência de mais de um domicílio eleitoral.

O TSE consolidou há muito tempo a jurisprudência de que "o conceito de domicílio eleitoral é mais elástico do que no Direito Civil e se satisfaz com a demonstração de vínculos políticos, econômicos, sociais ou familiares" (Ac. de 22.11.18 no RHC 060.063.459, rel. min. Admar Gonzaga).

Ademais, "a jurisprudência desta Corte se fixou no sentido de que a demonstração do vínculo político é suficiente, por si só, para atrair o domicílio eleitoral, cujo conceito é mais elástico que o domicílio no Direito Civil" (Ac. de 8.4.14 no REspe 8.551, rel. min. Luciana Lóssio).

Ainda, em decisão relativa às eleições de 2012, foi reafirmado que "na linha da jurisprudência do TSE, o conceito de domicílio eleitoral é mais elástico do que no Direito Civil e se satisfaz com a demonstração de vínculos políticos, econômicos, sociais ou familiares" (Ac. de 18.2.2014 no REspe 37.481, rel. min. Marco Aurélio, red. designado min. Dias Toffoli).

O Tribunal também já decidiu que "o conceito de domicílio no Direito Eleitoral é mais elástico do que no Direito Civil e satisfaz-se com a demonstração de vínculo político, social ou afetivo" (Ac. de 5.2.13 no AgR-AI 7.286, rel. min. Nancy Andrighi).

Em relação aos magistrados que desejam concorrer a eleições, o TSE determinou que "o domicílio eleitoral na circunscrição se conforma como condição de elegibilidade personalíssima, entendida como 'requisito essencial para que se possa ser candidato e, pois, exercer a cidadania passiva'" (Ac. de 3.4.12 na Cta 3.364, rel. min. Cármen Lúcia).

Por fim, o Tribunal esclareceu que "para o Código Eleitoral, domicílio é o lugar em que a pessoa mantém vínculos políticos, sociais e econômicos. A residência é a materialização desses atributos. Em tal circunstância, constatada a antiguidade desses vínculos, quebra-se a rigidez da exigência contida no art. 55, III" (Ac. de 2.10.04 no AgRgAg 4.769, rel. min. Humberto Gomes de Barros; no mesmo sentido o Ac. de 4.11.04 no REspe 23.721, rel. min. Humberto Gomes de Barros).

A definição mais flexível de domicílio eleitoral é projetada para atender às necessidades eleitorais, facilitando o exercício do direito ao voto e a candidatura em localidades onde o indivíduo mantém algum tipo de vínculo, seja ele residencial, profissional, ou de outra natureza relevante.

Conclusão

Conclui-se que, em situações em que há questionamento sobre o domicílio eleitoral, a análise deve considerar não apenas a residência física, mas também os vínculos especiais que o indivíduo mantém com o município de sua candidatura e no exercício do mandato eletivo. A jurisprudência do TSE é clara ao estabelecer que o conceito de domicílio eleitoral é mais elástico do que no Direito Civil, sendo suficiente a demonstração de vínculos políticos, econômicos, sociais ou familiares para caracterizá-lo. Decisões como as dos Acórdãos do TSE de 22.11.18 (RHC 060063459) e de 8.4.2014 (REspe 8.551), entre outros, reforçam que não é necessária a residência física para configurar o domicílio eleitoral, bastando a comprovação de vínculos especiais com o município. Dessa forma, a legislação eleitoral vigente, alinhada à jurisprudência do TSE, permite a coexistência de mais de um domicílio eleitoral, desde que devidamente justificado pelos vínculos mantidos.

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1 Disponível em: https://www.tse.jus.br/institucional/escola-judiciaria-eleitoral/publicacoes/revistas-da-eje/artigos/revista-eletronica-eje-n.-5-ano-3/domicilio-eleitoral

Michele Achcar Colla de Oliveira
Doutora em Educação (PUCCAMP), Mestre em Direito, Especialista em Direito Empresarial e Gestão Estratégica de Negócios. Sócia do escritório Michele Achcar Colla de Oliveira Sociedade de Advogados.

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