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A adaptação do direito penal às novas realidades digitais: Desafios e respostas legislativas

O direito precisa evoluir para enfrentar crimes digitais. A Lei Carolina Dieckmann/2012 criminalizou invasões informáticas e foi atualizada pela Lei 14.155/2021 para penas mais severas. Novas leis abordam cyberbullying e stalking, refletindo a necessidade de adaptar a legislação ao avanço tecnológico e ao uso de criptoativos em crimes.

24/8/2024

O direito deve acompanhar as transformações sociais e culturais. No contexto dos crimes digitais, essa adaptação torna-se essencial e urgente para enfrentar as novas realidades impostas pela tecnologia. No Brasil, uma das primeiras respostas marcantes a esses delitos foi a Lei Carolina Dieckmann (12.737/12), sancionada em 2012, após um caso amplamente divulgado em que hackers invadiram o computador da atriz Carolina Dieckmann, acessaram suas informações e tentaram extorqui-la, exigindo pagamento para não divulgar suas fotos íntimas.

Essa lei criminalizou a invasão de dispositivos informáticos para obter, adulterar ou destruir dados alheios ou implantar arquivos maliciosos com a intenção de obter vantagem (art. 154-A, do CP). No entanto, as penas inicialmente previstas foram consideradas brandas, o que levou à promulgação da lei 14.155 de 21, que aumentou as penalidades para 1 a 4 anos de prisão e multa. Se a invasão resultar na obtenção de comunicações eletrônicas privadas, a pena pode variar entre 2 a 5 anos, além de multa.

Seguindo essa tendência, outras leis foram aprovadas para endurecer a punição de crimes cometidos no ambiente cibernético. A lei 14.155/21 agravou significativamente as penas para crimes patrimoniais, como estelionato e furto, enquanto a lei 13.964/19 aumentou as penas para delitos contra a honra cometidos através de redes de computadores. Mais recentemente, novas figuras penais foram criadas para abordar assédios nas redes sociais, como os crimes de stalking (lei 14.132/21) e cyberbullying (lei 14.811/24).

Essas mudanças evidenciam a intenção do legislador de aplicar penas mais rigorosas para crimes digitais, como se vê no tratamento diferenciado entre o bullying 'tradicional', punido com multa, e o cyberbullying, que pode resultar em dois a quatro anos de reclusão.

À medida que novas tecnologias e práticas digitais emergem, os desafios legais também se intensificam. Entre esses desafios, o crescimento do uso de criptoativos se destaca como uma questão crítica. Esses ativos, que oferecem benefícios como a descentralização e o acesso global, também se tornaram uma ferramenta poderosa para atividades ilícitas, como a lavagem de dinheiro, exigindo que o direito penal evolua para enfrentar essas novas realidades.

No Brasil, os esforços para combater crimes envolvendo criptoativos foram intensificados com a entrada em vigor do marco legal dos criptoativos, estabelecido pela lei 14.478, de dezembro/22, que entrou em vigor em junho/23. Esse marco regulatório trouxe inovações ao Código Penal, incluindo a criação de um novo tipo penal de estelionato, que prevê reclusão de 4 a 8 anos e multa para quem organiza, gere, oferece ou distribui carteiras ou intermedeia operações envolvendo ativos virtuais com o intuito de obter vantagem ilícita.

Além disso, a lei de lavagem de dinheiro foi alterada para incluir crimes cometidos com a utilização de ativos virtuais entre aqueles com agravantes de 1/3 a 2/3 da pena de reclusão, quando praticados de forma reiterada. Embora o Congresso Nacional siga a tendência de aumentar significativamente as penas para delitos virtuais, os autores deste artigo veem essa abordagem com ressalvas. Acredita-se que a ênfase exagerada em punições severas pode não ser a solução mais eficaz. Em vez disso, defende-se a adoção de estratégias mais equilibradas, que aliem a adaptação do sistema jurídico às complexidades da era digital com medidas de prevenção e educação, evitando assim respostas punitivas desproporcionais.

Nesse contexto, uma abordagem mais eficaz pode ser vista na iniciativa do governo de regulamentar o mercado de criptomoedas. Conforme relatado recentemente1, o governo pretende lançar ainda este ano um programa de conformidade fiscal para empresas do setor. A ideia é incentivar que as exchanges estabeleçam suas sedes no Brasil, o que é atualmente raro, facilitando assim o controle sobre a cadeia de operação dos ativos.

Portanto, ao enfrentar os desafios dos crimes digitais, é crucial adotar uma abordagem sistêmica e coordenada, envolvendo todos os atores do sistema de justiça. Para garantir um processamento eficaz dessas demandas, é essencial que o Poder Legislativo, as autoridades de investigação, o poder judiciário e os advogados se mantenham atualizados, acompanhando o ritmo das inovações tecnológicas e trabalhando com uma estrutura legal sólida e alinhada às práticas e mudanças culturais da sociedade.

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1 Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/08/19/cripto-conforme-governo-vai-aumentar-controle-de-transacoes-com-criptomoedas.ghtml – Acesso em 19/08/2024.  

Thúlio Guilherme Nogueira
Advogado criminalista, sócio fundador do DNA Penal - Drummond e Nogueira Advocacia. Mestre em Direito Processual e Especialista em Direito Penal Econômico. Autor.

João Pedro Drummond
Sócio do escritório Carlos Eduardo Machado Advogados.

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