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A usucapião e a retificação de matrículas de imóveis confinantes com imóveis presumidamente da União

O artigo analisa questões jurídicas de usucapião e retificação de imóveis adjacentes a áreas da União, abordando a insegurança jurídica e a necessidade de comprovação do domínio da União para impedir esses processos.

22/8/2024

Introdução
A falta de demarcação precisa das linhas de preamar médio e das linhas médias das enchentes ordinárias gera significativa insegurança jurídica em áreas costeiras e ribeirinhas do Brasil. Esse problema afeta diretamente a regularização fundiária e a segurança jurídica dos proprietários de imóveis confinantes com áreas que a União declara de forma presumida ou provisória ter o domínio.

O Decreto-lei 9.760/46, em seus arts. 9º a 14º, prevê o procedimento de demarcação dos terrenos de marinha e dos seus acrescidos. Apesar da identificação presumida de áreas pertencentes à União Federal estar prevista nos arts. 61 e seguintes do decreto, o processo demarcatório é aspecto fundamental a ser considerado, pois a ausência desse procedimento pode gerar insegurança jurídica e incertezas quanto à delimitação exata das áreas de terreno de marinha.

A jurisprudência tem se manifestado de maneira consistente no sentido de que uma vez que não há a devida demarcação, a usucapião daquela área em que não há domínio comprovado da União poderá ser concluída, uma vez que o terreno ainda não está especificado nem incorporado ao patrimônio da União Federal.

É importante ressaltar que a realização do procedimento de demarcação é ônus da administração pública, conforme estabelecido no próprio decreto-Lei nº 9.760/46. A falta de interesse da União Federal na realização desse procedimento não pode ser um obstáculo para o reconhecimento da usucapião em favor dos particulares de boa fé. Embora existam dificuldades para conclusão do processo demarcatório, não há justificativa para a omissão da SPU em realizar todos os procedimentos necessários. A União tem o dever de proteger seu patrimônio, que é indisponível e não deve estar sujeito a disputas privadas.

Assim, realizada a demarcação da LPM e LMEO, dos terrenos de marinha e dos terrenos marginais, mediante o procedimento administrativo, o terreno demarcado deve ser registrado no competente registro de imóveis como preconiza o art. 2º, parágrafo único da lei 9.636, de 1998. Deve-se abrir matrícula da área demarcada, com todos os elementos de que trata o art. 176, § 1º, I e II, números 1, 2 e 3, letra “a” ou “b”, e número 4, letra b, da lei no 6.015/73, atendendo-se ao princípio da especialidade objetiva, com a descrição completa do imóvel e subjetiva, com a identificação do titular do direito, no caso, a União, e, ato contínuo o registro ou averbação da ocupação ou aforamento.

Por fim, o Decreto-lei 2.398 de 1987 estabelece no seu art. 3º, §2º que os cartórios de notas e registro de imóveis, sob pena de responsabilidade dos seus respectivos titulares, não lavrarão nem registrarão escrituras relativas a bens imóveis de propriedade da União, ou que contenham, ainda que parcialmente, área de seu domínio sem certidão autorizativa da  SPU - Secretaria do Patrimônio da União.

Entretanto, em áreas não demarcadas, não é incomum que a própria SPU se manifeste de forma diversa em cada consulta de domínio realizada em seu portal patrimôniodetodos.gov.br em áreas cujo devido procedimento demarcatório previsto no decreto-lei 9.760/46 não fora ainda realizado. A SPU utiliza LPM e LMEO presumidas ou provisórias. Dessa forma, é impossível concluir com clareza onde iniciam e onde terminam os domínios da União, o que obviamente tem repercussão direta nos procedimentos administrativos de retificação de matrícula e de usucapião. 

Victor Ponte
Advogado formado pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, com especialização pela ESMAFE RS, mestre pela Universidade de Lisboa, autor do e-book "Regularização de Imóveis em Terrenos de Marinha"

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