Recentemente, no dia 10/7/24 foi aprovada pela Câmara dos Deputados e encaminhada para o Senado Federal a redação final do PLP - Projeto de Lei Complementar 68/24, que Institui o IBS - Imposto sobre Bens e Serviços, a CBS - Contribuição Social sobre Bens e Serviços e o IS - Imposto Seletivo e dá outras providências.
A reforma tributária tem causado debates acalorados em diversos setores da sociedade, exemplo disto são as 1.081 emendas já recebidas pelo Senado Federal. Um dos pontos mais polêmicos é a introdução do IS apelidado como "imposto do pecado", uma taxação sobre produtos considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente.
O principal objetivo do imposto seletivo é incentivar determinadas práticas e induzir comportamentos por meio do aumento do custo tributário dos produtos e serviços que afetam a saúde dos indivíduos e o meio ambiente, desestimulando o consumo desses bens e serviços. Porém, há receio de diversos setores produtivos acerca dessa tributação.
O § 1º do art. 406 do PLP 68/24 dispõe sobre as hipóteses de incidência do imposto e prevê os bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Esses bens e serviços estão descritos de acordo com o código do Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias (“NCM/SH”) no Anexo XVII do projeto.
Em resumo, foram selecionados: (i) Automóveis de passageiros e veículos para transporte de mercadorias, com peso não superior a 5 toneladas (exceto caminhões); (ii) Helicópteros, aviões e outros veículos aéreos, de peso não superior a 15.000kg; (iii) Iates, barcos e embarcações de recreio e transporte, bem como remos e canoas; (iv) Produtos fumígenos como cigarro, cigarrilha e charuto; (v) Bebidas alcoólicas em geral; (vi) Bebidas açucaradas, como águas gaseificadas (refrigerantes), adicionadas de açúcar e outras; (vii) Minérios de ferro, petróleo e gás natural; (viii) Fantasy Sport: jogos online de esporte profissional.
Estão imunes da incidência do imposto seletivo as operações com energia elétrica e com telecomunicações, (art. 411, inciso I, alínea “b”) bem como os serviços de transporte público coletivo de passageiros rodoviário e metroviário de caráter urbano, semiurbano e metropolitano (art. 411, inciso II, alínea “b”).
Ponto interessante do projeto são as disposições do art. 417, que trata das alíquotas aplicáveis aos veículos de transporte de passageiros ou de mercadorias, pois estas serão graduadas em relação a cada veículo conforme o enquadramento nos seguintes critérios: (i) potência do veículo; (ii) eficiência energética; (iii) desempenho assistivas à direção; (iv) reciclabilidade de materiais; (v) pegada de carbono; (vi) densidade tecnológica; (vii) emissão de dióxido de carbono (eficiência energético-ambiental), considerado o ciclo do poço à roda; (viii) reciclabilidade veicular; (ix) realização de etapas fabris no País; e (x) categoria do veículo.
Nota-se que embora a definição dessas alíquotas dependa da edição de lei ordinária, a previsão demonstra a intenção do legislador de desonerar os veículos que operam de modo mais sustentável. Certamente, os veículos híbridos, elétricos e movidos a etanol terão alíquotas reduzidas em detrimento dos veículos movidos a gasolina.
Nesse ponto específico, ao aplicar alíquotas mais elevadas sobre veículos movidos a combustíveis fósseis, como gasolina e diesel, haverá incentivo à transição para fontes de energia mais limpas e renováveis. Consequentemente, isso contribuirá para mitigar as mudanças climáticas em decorrência da diminuição nas emissões de gases de efeito estufa.
Foram apresentadas emendas pela Senadora Rosana Martinelli, nas quais pretende a exclusão do gás natural, pois segundo ela, é o principal insumo para a produção de fertilizantes e é um combustível mais limpo na transição para fontes de energia mais sustentáveis. Além disso, o Senador Jorge Seif propôs a exclusão do carvão mineral por ser utilizado no abastecimento de usinas termoelétricas.
Ocorre que, apesar de polêmico, a incidência do imposto seletivo no petróleo e gás natural encontra respaldo na literatura ambientalista, visto que além de serem recursos naturais não renováveis, são combustíveis fósseis que causam danos ao meio ambiente. Nesse sentido, dados da Climate Trade, divulgados em 2023, demonstraram que a principal indústria que emite gases de efeito estufa é o setor de energia, sendo este o mais poluente do mundo, que utiliza fontes de carvão, petróleo e gás natural1.
Em relação a tributação de produtos fumígenos, de bebidas alcoólicas e de bebidas açucaradas, já era previsível para diversos especialistas a incidência do IS sobre esses produtos. Contudo, em uma análise das emendas apresentadas ao Senado Federal, nota-se a intenção dos senadores Fernando Farias, Laércio Oliveira, Marcos Rogério e Rosana Martinelli em retirar a incidência do imposto sobre as bebidas açucaradas.
No entendimento dos senadores, a taxação de bebidas açucaradas impactará o bolso dos consumidores e renda dos comerciantes informais, de modo que é necessário resguardar a atividade econômica e o mercado consumidor. O principal argumento utilizado, o qual faz total sentido, é que não há correlação direta entre o consumo de tais produtos e o crescimento da obesidade no Brasil, pois segundo dados da POF - Pesquisa de Orçamentos Familiares/IBGE, as bebidas açucaradas representam apenas 1,7% da ingestão calórica média do brasileiro.
Outro ponto polêmico da proposta é a taxação de aeronaves, sobretudo as aeronaves de pulverização. Os senadores Jorge Seif, Astronauta Marcos Pontes e Rosana Martinelli pretendem afastar a incidência do imposto sobre aeronaves de pulverização, pois são essenciais para a agricultura brasileira e são fundamentais para a mecanização do campo. A tributação sobre as aeronaves de pulverização representa grande incômodo para o agronegócio.
Em linhas gerais, a proposta apresentada pela Câmara dos Deputados não destoa do que já vem sendo discutido por ambientalistas. Segundo dados da The Eco Experts os setores industriais que mais prejudicam o meio ambiente é o setor de energia, que atualmente é a indústria mais poluente do mundo (15,83 bilhões de toneladas de emissões de GEE anuais), o transporte (8,43 bilhões de toneladas anuais) e a construção industrial (6,3 bilhões de toneladas anuais)2.
Porém, ainda podem ocorrer muitas mudanças no texto pelo Senado Federal e a eficácia do imposto seletivo dependerá de muitos estudos técnicos, da avaliação periódica da sua efetividade e do impacto econômico causado. Esse acompanhamento, inclusive, é discutido no âmbito do PLP 29/24, haja vista que no art. 10 e seus incisos prevê a observação pelo Poder Público, de mecanismos de estudos prévios, monitoramento, acompanhamento e avaliação de resultados para garantir a efetividade do IS.
O ponto da proposta que mais chamou atenção foi a incidência do IS em jogos de Fantasy Sport, esportes eletrônicos virtuais, como exemplo podemos citar o Cartola FC, jogo bastante conhecido no Brasil e que depende da performance de times e atletas do mundo real. A oneração desse setor desvirtua o caráter extrafiscal do tributo e representa, na verdade, a intenção de arrecadação financeira do Estado, isto porque, não existem estudos que demonstrem que esses jogos eletrônicos são prejudiciais para a saúde.
Veja-se que, o imposto seletivo pode desempenhar um papel significativo na proteção à saúde e ao meio ambiente, incentivando práticas saudáveis, sustentáveis e desencorajando atividades prejudiciais. Porém, será necessária muita cautela do Senado Federal para evitar que as disposições desvirtuem os objetivos do imposto seletivo.
Portanto, o debate continuará no Senado Federal, sendo importante que todos os envolvidos projetem o imposto seletivo cuidadosamente, a fim de que se considere o impacto socioeconômico dessa política pública e evite ônus excessivo para os setores produtivos importantes que giram a economia do país e aos consumidores.
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1 CLIMATE TRADE. The World’s most polluting industries. Disponível em: https://climatetrade.com/the-worlds-most-polluting-industries/.Acesso em 14 ago. 2024.
2 THE ECO EXPERTS. The top 7 most polluting industries in 2024. Disponível em: https://www.theecoexperts.co.uk/blog/top-7-most-polluting-industries. Acesso em 14 ago. 2024.