O Direito do Trabalho é um direito inacabado por sua própria natureza e acostumado a lidar com a imprevisibilidade, o que levou Jean-Emmanuel Ray a publicar, em 2010, livro denominado “Droit du Travail – Droit Vivant”, (Editions Liaisons, 19ª ed.).
De todos os ramos do direito, talvez o laboral seja o que mais demanda sua reinvenção, sua adequação e adaptação às necessidades que são fruto das alterações sociais produzidas, seja pelas crises que nos surpreendem, seja pelas transformações técnicas, ou ainda pelas alterações no modelo de comportamento social com novas formas de contratação por meio de pessoa jurídica, de prestação de serviços à distância, trabalho prestado por meio de aplicativo, apenas para citar algumas situações, demonstrando que a atuação na preservação da espinha dorsal, formadora do direito do trabalho, está cada dia mais difícil.
O Direito do Trabalho nasceu para controlar a crise gerada pelo desenvolvimento de indústrias e seus efeitos nas vidas humanas, seguindo até hoje na missão de se ajustar às condições sociais. Mais recentemente, enfrentamos a pandemia, situação inusitada para o mundo inteiro e, ainda assim, sobrevivemos de modo criativo e transformador, preservando o novo normal com naturalidade.
Talvez, este momento, da terceira década do século 21, seja o mais desafiador e jamais enfrentado desde as primeiras medidas de proteção no campo das relações trabalhistas.
De fato, no início da formação do Direito do Trabalho, dado que o direito civil se mostrava incapaz de equilibrar a desigualdade econômica das partes, as primeiras normas de proteção destinavam-se a criar limites na exploração das pessoas, tais como o tempo de utilização da força de trabalho, períodos de descanso e, ainda, imposição de algumas medidas de proteção contra os infortúnios da atividade laboral.
E, desta forma e nesta toada, construiu-se um arcabouço legislativo, desorganizado no primeiro momento, de proteção do trabalho submetido à prestação de serviços à qual viria a se denominar, mais adiante, vínculo de emprego, com todas as características a que foi submetido o trabalho humano.
A Organização Internacional do Trabalho, criada no final da 1ª guerra mundial, no Tratado de Versalhes, igualmente preocupada com a ampliação e respeito aos direitos em nível internacional e na busca de equilíbrio de tratamento de direitos trabalhistas entre os países, passou a emitir, com aprovação dos países que a ela estão vinculados, convenções e recomendações internacionais, cujos efeitos são, reconhecidamente, relevantes porque balizam o mínimo indispensável para o respeito à dignidade humana para aqueles trabalhadores submetidos à condição de empregado.
Estabeleceram-se garantias mínimas em todos os campos das relações de trabalho. Assim, no âmbito individual os direitos básicos como salário mínimo, jornada de trabalho, férias, trabalho do menor e da mulher, assistência médica, generalização dos seguros sociais, para atingir a seguridade social, com amparo do trabalhador na incapacidade laboral por doença ou na velhice. Tais propostas foram logo aceitas em nível internacional e não enfrentaram dificuldades no reconhecimento da necessidade de sua implantação nos direitos internos pelos respectivos países.
Já, no plano coletivo, o reconhecimento do sindicato como portador da vontade dos representados não foi aceito com tranquilidade e até hoje se discute, observadas certas diferenças, o direito à liberdade sindical ou mesmo a legitimidade de o sindicato interferir na manifestação individual dos trabalhadores.
Então, pode-se, em síntese, considerar que o século 21 recebeu o direito do trabalho estruturado em dois pontos básicos: o primeiro o das garantias individuais, centrado no conservadorismo da proteção exclusiva do trabalhador empregado e, o segundo, o do reconhecimento no plano coletivo de entidades sindicais legítimas e capazes de atuar em nome dos representados.
Ocorre, todavia, que a sociedade evoluiu em costumes, em tecnologia com a internet, com a robótica e, também, no comportamento social, criando padrão de convivência diverso daquele das gerações anteriores. A oportunidade trazida pelos meios de comunicação teria permitido, presume-se, a busca de melhor qualidade de vida, privilegiando a liberdade na execução dos serviços e a autonomia nas relações contratuais. Ser empregado, com reconhecimento de direitos trabalhistas, talvez não seja o desejo de grande parte dos jovens que procuram trabalho.
Percebe-se, com todas as transformações tecnológicas ocorridas, forte influência no conteúdo das relações trabalhistas. O smartphone se transformou na extensão natural do ambiente da empresa, permitindo ao empregador acionar o empregado em qualquer momento e local. A prestação de serviços por meio de aplicativo eliminou a presença física do empregador no controle direto do contrato e contribui para alimentar dúvidas na discussão de vínculo de emprego, dificultando a extensão de direitos trabalhistas forjados exclusivamente para proteger o trabalho, do empregado assalariado.
Pois então, essa onda de mudança nas relações de trabalho como resultado do desenvolvimento tecnológico tende a produzir, necessariamente, novo avanço do Direito do Trabalho, com ampliação de seu campo de aplicação, voltando-se também para situações de trabalho em geral e não de emprego apenas, de tal forma que, sem abandonar o caráter protecionista de garantias mínimas, mostre-se sem fronteiras, flexível e inacabado a fim de que possa amparar e evoluir para o enfrentamento de novas situações trabalhistas.