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Primazia da licitação e “repescagem licitatória”

A lei Federal 14.133/21, apesar de avanços, omite questões importantes como a "repescagem licitatória" para novas propostas após desclassificação, contrariando o princípio da eficiência e da primazia da licitação.

13/8/2024

A lei federal 14.133/21, inobstante o inequívoco avanço civilizatório, cometeu alguns pecadilhos que merecem comentários e sugestões de maneira a contornarmos referidas omissões.

Episodicamente, algumas omissões em relação à lei anterior precisam ser preenchidas de maneira a manter as vantagens de gestão da lei revogada.

Existem omissões quanto aos requisitos dos convênios, omissão quanto à validade das propostas  e, ainda, quanto à singularidade do objeto da inexigibilidade.

Abordaremos, apenas a omissão quanto ao princípio da primazia da licitação que não tem previsão expressa sendo decorrência do princípio constitucional da eficiência. Assim a “repescagem licitatória” confirma a regra constitucional do dever de licitar e a dispensa como exceção a mencionado dever.

Repescagem licitatória

Pedimos licença para apontar um defeito na atual lei de licitações (lei federal 14.133/21) mais especificamente por não ter reproduzido a regra da “repescagem licitatória” prevendo concessão de prazo para apresentação de nova documentação ou concessão de novas propostas nos casos de, respectivamente, inabilitação ou desclassificação de todos os licitantes.

A regra da revogada lei estava em consonância com o princípio constitucional da eficiência e, ainda, de acordo com a primazia da licitação em detrimento de compras diretas e repetição de licitações.

A lei 14.133/21, porém, não prevê tal regra inobstante sua relevância e praticidade para o dia a dia dos setores de licitação.

Nesse diapasão previa a revogada lei:

“Art. 48

(...)

Parágrafo único – Quando todos os licitantes forem inabilitados ou todas as propostas forem desclassificadas, a administração poderá fixar aos licitantes o prazo de oito dias  úteis para a apresentação de nova documentação ou de outras propostas escoimadas das causas referidas neste artigo, facultada, no caso de convite, a redução deste prazo para três dias úteis”

A atual lei de licitações, bem como a lei das estatais, porém, não tem tal regra de inequívoca praticidade. Nesse diapasão já escreveram no respeitado site “portal sollicita” os autores Plínio Pires e Renila Bragagnoli1 em texto visionário:

6. Já em relação à lei das estatais (lei 13.303/16), não há uma orientação normativa de como o julgador deve proceder nos casos dessa natureza.

7. Aliás, a nova lei geral de licitações e contratos (lei 14.133/21) também não trouxe qualquer disposição a esse respeito.

8. Por conseguinte, restará aos editais de licitação a função de disciplinar essa questão, como um verdadeiro mecanismo de garantir a economicidade e a celeridade ao processo licitatório.

9. Nessa perspectiva, vale comentar uma situação real vivenciada numa empresa estatal municipal do Rio de Janeiro, cujo edital fazia a seguinte previsão:

‘“12.10. Na hipótese de desclassificação de todas as propostas, o Pregoeiro poderá fixar às licitantes o prazo de 8 dias úteis para apresentação de outras propostas, corrigida das causas de sua desclassificação”’

Nossa modesta proposta de colaboração aos colegas dos setores de licitações é a inclusão de tal regra no edital, em consonância com o princípio constitucional da eficiência.

Assim, é a possível redação de tal regra:

“xx.xx - Quando todos os licitantes forem inabilitados ou todas as propostas forem desclassificadas, a administração poderá fixar aos licitantes o prazo de dez dias úteis para a apresentação de nova documentação ou de outras propostas escoimadas das causas referidas neste item”

A ausência de tal previsão no edital NÃO autoriza a utilização de tal regra que foi expressamente revogada pela atual lei de licitações.

A inclusão no edital, porém, é perfeitamente possível e recomendável diante da utilidade que traz ao mundo das licitações.

Apesar da previsão de dispensa de licitação em tais hipóteses (art. 75, III, “a”) ousamos opinar que a mencionada dispensa deve ser, sempre que possível, evitada.

A dispensa de licitação não pode ser banalizada já que é uma exceção ao princípio da primazia licitatória decorrência direta do princípio da isonomia.

“Art. 75. É dispensável a licitação:

(...)

III - para contratação que mantenha todas as condições definidas em edital de licitação realizada há menos de 1 ano, quando se verificar que naquela licitação:

  1. não surgiram licitantes interessados ou não foram apresentadas propostas válidas;”

Assim, mais consentâneo com o princípio da primazia da licitação, a “repescagem” deve ser prevista de maneira a evitar-se o uso da dispensa e aplicar-se o princípio da eficiência na licitação.

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1 Disponível em:  https://portal.sollicita.com.br/Noticia/19729/escoimar-propostas-na-lei-das-estatais:-como-e-o-que-fazer%3F

Laércio José Loureiro dos Santos
Mestre em Direito pela PUCSP, Procurador Municipal e autor do Livro, "Inovações da Lei de Licitações e polêmicas licitatórias", 3ª Ed. Dialética, 2.024, versão em português e inglês.

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