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O contencioso administrativo na reforma tributária

A EC 132/23 simplificou o sistema tributário com o IBS e a CBS. O PLP 108/24 regula o Comitê Gestor do IBS e uniformiza o processo administrativo tributário, mas aumenta o número de entes fiscalizadores.

2/8/2024

Desde a promulgação da Emenda Constitucional 132/23, que buscou a simplificação do sistema tributário nacional com a criação do IBS - Imposto sobre Bens e Serviços (competência estadual e municipal) e da CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços (competência federal), muito se tem discutido sobre os impactos dessas mudanças sobre as operações das empresas.

Um ponto que merece atenção e que consta dos PLs que hoje tramitam no legislativo (PLP 68/24 e PLP 108/24) é a regulamentação do contencioso administrativo dessa nova sistemática.

O PL Complementar – PLP 108/241, por exemplo, regulamenta o Comitê Gestor do IBS – CG-IBS (que será responsável por definir diretrizes e coordenar a administração e a atuação dos entes fazendários – estados, DF e municípios) e disciplina o processo administrativo tributário no âmbito do IBS. De maneira bastante positiva, o projeto uniformiza a norma processual administrativa de todos os estados e municípios do país, o que não acontecia no regramento anterior do ICMS e ISS, já que cada estado e cada município regulamentavam seu próprio processo administrativo, de forma independe (prazos, forma de intimação, tipos de recurso etc).

No tocante à fiscalização, um ponto merece atenção: em sendo o IBS um tributo de competência compartilhada (entre estados e municípios), nos termos do referido PLP 108/24, cada ente federativo poderá fiscalizar e lançar os valores relativos ao IBS, o que aumenta o número de entes fiscalizadores.

É fato que o projeto define que, nos casos em que houver dois ou mais entes federativos interessados na fiscalização (mesmo período, mesmo sujeito e mesmo fato gerador), o procedimento deverá acontecer de forma conjunta e integrada, cabendo ao Comitê Gestor regular a gestão dos trabalhos. No entanto, vale lembrar que o local do fato gerador do IBS é o do destino, portanto, no caso de uma empresa contribuinte que mantenha operações em todo o território nacional, esta poderá estar sujeita à fiscalização de todos os entes fazendários (municípios e estados) nas localidades que remeter suas mercadorias ou serviços.

Esse cenário exige um cuidado dobrado no cumprimento de obrigações, tanto principais, quanto acessórias, exatamente para evitar contenciosos em múltiplas localidades, o que certamente aumenta o custo de gestão dos processos administrativos e, eventualmente, judiciais.

Em que pese todo o esforço de regularidade, estará o contribuinte ainda sujeito a distintas interpretações acerca da legislação do IBS, o que também aumenta o risco de (não) conformidade, já que cada ente fiscalizador ou cada uma das 27 Câmaras de julgamento (compostas por membros do estado e municípios relacionados) poderão ter interpretações distintas sobre as regras do IBS. 

O PLP 108/24, acertadamente, cria Câmaras de uniformização no âmbito do Comitê Gestor para o IBS. Entretanto,  até que sejam fixados entendimentos vinculantes, os contribuintes terão que gerir esses múltiplos contenciosos, nas mais diversas localidades, sob as mais variadas interpretações. 

Vale ainda lembrar que o PLP 68/242, que regulamenta o IBS e a CBS, trouxe as mesmas regras gerais para estes tributos (fato gerador, sujeitos, local de tributação, etc.). Todavia, o contencioso administrativo desses tributos será feito de forma segregada, o primeiro no âmbito da Secretaria da Receita Federal (DRJ e CARF) e o segundo sob coordenação do Comitê Gestor, o que também poderá gerar divergência na interpretação dessas novas regras.

Sobre esse ponto, o PLP 68/24 cria Fóruns e Comitês para harmonizar as regras e entendimentos no tocante à CBS e ao IBS, mas sabemos que, se a fixação desses entendimentos não acontecer de forma rápida e eficiente, novamente teremos um ambiente de dúvidas e incertezas para os contribuintes, refletindo em cenários conflituosos, com infindáveis contenciosos, que é o que vemos hoje na relação entre fisco e contribuinte.

A tarefa não é fácil: para alcançar a almejada simplificação do sistema tributário, como pretendeu a Emenda Constitucional 132/23, respeitando a autonomia de cada ente federativo, é preciso também simplificar o contencioso administrativo tributário do IBS e da CBS. O momento é agora, a nova regulamentação precisa trazer soluções para os litígios de forma eficiente, ágil e integrada, para que não sejam repetidos os erros do passado, garantindo legalidade e segurança jurídica para toda a estrutura tributária.

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1 O PLP 108/2024 aguarda votação na Câmara dos Deputados

2 O PLP 68/2024 já foi aprovado na Cãmara dos Deputados e aguarda hoje apreciação no Senado Federal.

Thais Folgosi Françoso
Sócia do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados, responsável pelas áreas de contencioso tributário, procedimento administrativo tributário e compliance.

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