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A comprovação posterior do feriado local: a lei 14939/24 e a mudança da mudança para o retorno ao passado

Neste texto, pretendemos analisar quais os reflexos decorrentes da mudança do art. 1003, §6º, do CPC em relação ao entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça.

1/8/2024

Este ensaio pretende apresentar novos capítulos em relação ao sempre tormentoso tema ligado ao momento de comprovação de feriado local em sede recursal, desta feita com novas anotações em decorrência da mudança redacional do art. 1003, §6º, do CPC, proveniente da lei 14.939, de 30/7/24 (publicada em 31/7/24).

Em textos anteriores, já foram apresentadas diversas ponderações, dialogando com a intenção do legislador processual de 2015 e a interpretação que passou a ser dada pelo Superior Tribunal de Justiça e também pelo Supremo Tribunal Federal1-2. 

Vale sempre lembrar que o legislador de 2015 trouxe várias alterações no âmbito da teoria geral dos recursos e dos recursos em espécie. De todas elas, merece especial destaque o disposto no §único, do art. 932, do CPC. 

Este dispositivo é um claro reflexo das normas fundamentais relacionadas à primazia da resolução de mérito3 e da cooperação e, em suma, estabelece que, antes de considerar inadmissível o recurso, deverá o Relator abrir prazo de cinco dias para o recorrente tentar sanar o vício ou complementar a documentação exigível. 

Contudo, ao fazer a leitura conjunta dos arts. 932, parágrafo único e art. 1003, §6º, do CPC, os intérpretes passaram a enfrentar duas indagações práticas: o Relator deveria abrir prazo para comprovação da tempestividade do recurso antes de declarar sua inadmissibilidade, nos casos de feriados locais (aqui entendido como os feriados não nacionais, nos termos do previsto na Lei nº 662/1949, alterada pela Lei nº 10.607/20024, e na Lei nº 6.802/19805)? Como o STJ dirimiu a aparente contradição entre o disposto no art. 932, §único e art. 1003, §6º, do CPC/15? 

Uma coisa é certa: o art. 932, §único, do CPC, objetiva estimular o julgamento do mérito recursal, ou seja, consagra a possibilidade de correção de vícios sanáveis visando a apreciação do objeto pleiteado no apelo. 

Este perfil saneador e cooperativo do CPC também é consagrado nos arts. 139, IX e 1029, §3º, do CPC – técnicas procedimentais  visando estimular a apreciação do objeto recursal. 

Outrossim, levando em conta que este art. 932 encontra-se no título ordem dos processos dos tribunais, é aplicável a todos os recursos, incluindo os apelos especial e extraordinário6. Em última análise, é possível afirmar que os vícios recursais podem ser objeto de correção, sendo este dispositivo corolário às normas fundamentais de primazia de mérito (art. 4º, do CPC) e da cooperação (art. 6º, do CPC). 

Em relação aos recursos interpostos na vigência do CPC/73, superando posicionamento anterior, o STJ permite a comprovação da tempestividade do recurso após a sua interposição, especialmente após o resultado do AgRg no AREsp 137141 / SE (Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira – J. em 19/09/2012 – DJe 15/10/2012). 

No recente Edcl no AgInt no AREsp 1004198/SP (Rel. Min. Maria Isabel Gallotti – J. 01/07/2024 – DJe 03/07/2024), a 4ª Turma do STJ confirmou a possibilidade de comprovação posterior nos recursos interpostos sob a égide do CPC/73. 

Contudo, com a entrada em vigor do CPC/15, o tema passou a ser novamente apreciado pela Corte da Cidadania, especialmente diante da possível e eventual contradição textual entre o art. 932, §único e o art. 1003, §6º, do CPC.  Na prática, ocorreu a alteração da interpretação do STJ quanto ao CPC/73 que superou a restrição de comprovação posterior do feriado local, para restabelecer a necessidade de sua comprovação imediata. 

Portanto, seguindo o atual posicionamento, para os recursos interpostos na vigência do CPC/15, a redação orignal do art. 1003, §6º, do CPC, deve prevalecer, não sendo permitida a comprovação posterior da tempestividade. 

A Corte Especial do STJ, no  Agravo Interno no AREsp 957.821 (Rel. Min. Raul Araújo – J. 20/11/2017 – DJe 19/12/2017), concluiu que, após o início de vigência do atual CPC, não seria possível a comprovação da tempestividade em momento posterior à interposição do recurso. Recentes julgados confirmam essa restrição, como se observa nas seguintes passagens: 

“Na vigência do Código de Processo Civil de 2015, a ocorrência de feriado local ou de suspensão dos prazos processuais deve ser comprovada por meio de documento hábil no ato de interposição do recurso, não sendo possível fazê-lo posteriormente”. AgInt no AREsp 2375577 / RO – Re. Min. João Otávio de Noronha – 4ª T/STJ – J. 01/07/2024 - DJe 08/07/2024.

“Uma vez não comprovado, no momento da interposição do recurso, por documento idôneo, a suspensão de prazo processual ou de feriado local, mantém-se a intempestividade reconhecida na decisão agravada”. AgInt no AREsp 2482099 / SP – 1ª T/STJ – Rel. Min. Gurgel de Faria – J. 24/06/2024 - DJe 03/07/2024.

“O art. 1.003, § 6.º, do Código de Processo Civil, determina que o recorrente comprovará a ocorrência de suspensão dos prazos por ato normativo local no momento da interposição do recurso, não havendo previsão de cumprimento posterior da referida exigência”. AgInt no RMS 73274 / PE – 2ª T/STJ – Re. Min. Teodori Silva Santos – J. 24/06/2024 - DJe 28/06/2024.

“Segundo o entendimento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, o art. 1.003, § 6º, do CPC/2015 estabelece que o recorrente comprovará a ocorrência de suspensão processual, feriado local ou de sua prorrogação no ato de interposição do recurso, o que impossibilita a regularização posterior”.  AgInt no AREsp 2563042 / MT – a T/STJ – Rel. Min. Herman Benjamin – J. 24/06/2024 - DJe 28/06/2024. 

Ainda no STJ, na QO no REsp 1813684, a Corte Especial permitiu a comprovação posterior apenas nos casos de segunda-feira de carnaval de recursos interpostos anteriormente à tese lá fixada (com modução de efeitos). Em relação aos demais feriados não nacionais, em recursos interpostos antes ou após o resultado do REsp, manteve-se a obrigatoriedade de comprovação na data de interposição do apelo. 

O STF também vem compreendendo que o feriado local deve ser comprovado na data da interposição do recurso (ARE 1282600 AgR - Tribunal Pleno – Rel. Min. Luiz Fux – J. 20/10/2020 - DJe 20/11/2020; ARE 1470983 AgR – Tribunal Pleno – Rel. Min. Luis Roberto Barroso – J. 21/02/2024 - DJe 29/02/2024). 

Quanto ao tema aqui discutido, importante destacar que novo capítulo está sendo construído, em razão da mudança legislativa advinda da Lei 14.939/2024. Vale a pena ratificar o que já foi mencionado em texto anterior: 

“Entendo que este posicionamento formalista está em sentido contrário à primazia de mérito e à cláusula geral recursal – art. 932, §único, do CPC, bem como aos arts. 4º, 139, IX e 1029, §3º, do CPC. A intempestividade é totalmente diferente da comprovação da tempestividade. O formalismo elevado deveria dar lugar à primazia de mérito e conduzir a uma nova oportunidade para o recorrente tentar demonstrar a comprovação deste requisito de admissibilidade”7. 

Com efeito, existem três fundamentos que  justificam a possibilidade de comprovação posterior do feriado local, à semelhança do posicionamento adotado pelo STJ em relação aos recursos interpostos na vigência da legislação processual anterior: a) o art. 932, §único, do CPC, deve ser aplicado a todos os recursos, tendo em vista que se encontra no capítulo II- ordem dos processos no Tribunal; b) a cooperação e primazia de mérito são normas fundamentais aplicáveis a todos os recursos; c) a demonstração da tempestividade não trará a correção do vício da intempestividade, mas apenas visa atendee às normas fundamentais aqui discutidas; d) devem ser consagradas a boa-fé do recorrente e a segurança jurídica, especialmente após a certificação positiva da tempestividade advinda da admissão de seu recurso pelas instãncas locais (art. 1030, V, do CPC). 

As idas e vindas deste assunto ganhou um novo e (talvez) definitivo capítulo no final do mês de julho/2024. A Lei 14.939, de 30.07.2024, alterou o art. 1003, §6º, do CPC, para consagrar a seguinte redação:

“§ 6º O recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso, e, se não o fizer, o tribunal determinará a correção do vício formal, ou poderá desconsiderá-lo caso a informação já conste do processo eletrônico.” 

A movimentação do processo legislativo, visando salvaguardar o necessário diálogo com as normas fundamentais e demais dispositivos do CPC, merece efusivos aplausos. 

A formalidade excessiva deve ser combatida para, pelo menos é o que se espera, superar em definitivo esse entendimento restritivo,  provocando nova mudança de entendimento jurisprudencial, para restabelecer posicionamento anterior ao CPC/73. Em suma: a mudança deve retornar ao passado e consagrar a possibilidade de comprovação posterior do feriado local. 

Tenho apenas uma ressalva quanto a palavra “tribunal”, ao invés de “ Relator” –  (como consta no art. 932, §único, do CPC).  De toda sorte, nos termos da nova redação, independentemente da data da interposição do recurso, os regramentos são estes: a) a comprovação do feriado deve ser na data da interposição do recurso; b) deverá ser determinada a correção de tal vício formal caso não tenha sido comprovado, ou mesmo dispensada a diligência, se já constar nos autos eletrônicos a informação. 

Nem seria necessária a mudança redacional para a adoção de tais provid~encias no caso concreto, tendo em vista que decorrem da incidência das normas fundamentais mencionadas e do próprio art. 932, §único, do CPC. 

De toda sorte, este é o novo capítulo do debate ligado à comprovação do feriado local, que a alteração legislativa provoca.

Nas idas e vindas que provocou o assunto entre o CPC/73, a mudança de entendimento em 2012 (AgRg no AREsp 137141 / SE - Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira – J. em 19/09/2012 – Dje 15/10/2012), o resultado da QO no REsp. 1.813.684/SP e a interpretação posterior do STJ e também do STF, é absolutamente relevante ressaltar que a modificação do CPC ocorrida em julho/2024 deverá provocar a imediata alteração no posicionamento restritivo dos tribunais, consagrando um retorno ao passado e atendendo ao necessário diálogo entre o art. 932, §único do CPC e a mudança do art. 1003, §6º, do Código. 

A rigor, pensamos que nunca ocorreu contradição entre estes dois dispositivos do CPC. A comprovação da tempestividade (que é diferente da intempestividade) é, e sempre foi, vício sanável e plenamente superável durante o andamento do feito, com olhos voltados para viabilizar a apreciação do mérito recursal. 

De toda sorte, a lei 14.939, de 30/7/24  irá provocar a mudança da mudança interpretativa da jurisprudência para o retorno ao passado, o que é motivo de grande comemoração.

Viva a primazia de mérito. Viva a cooperação. Viva o CPC.

_____________

1 ARAÚJO, José Henrique Mouta. O feriado local e sua comprovação: importância da questão de ordem no Resp 1.813.684/STJ. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/328495/o-feriado-local-e-sua-comprovacao--importancia-da-questao-de-ordem-no-resp-1-813-684-stj. Acesso em 31.07.2024.

2 ARAÚJO, José Henrique Mouta. Feriado local e a afetação do tema segunda-feira de carnaval: primazia de mérito e o posicionamento do STJ. Disponível em  https://emporiododireito.com.br/leitura/feriado-local-e-afetacao-do-tema-segunda-feira-de-carnaval-primazia-de-merito-e-o-posicionamento-do-stj. Acesso em 31.07.2024.

3 Dentre os vários dispositivos do CPC/15 que consagram a primazia de mérito, é possível destacar: 4º, 485, §7º, 488, art. 139, IX, 282, §2º, 317, 321, 932, parágrafo único, 1007, §§4º e 5º, 1029, §3º.

4 “ Art. 1o São feriados nacionais os dias 1o de janeiro, 21 de abril, 1o de maio, 7 de setembro, 2 de novembro, 15 de novembro e 25 de dezembro”.(Redação dada pela Lei nº 10.607, de 19.12.2002).

5 “ Art. 1º É declarado feriado nacional o dia 12 de outubro, para culto público e oficial a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil”.

6 O Enunciado 593 do FPPC consagra: “(arts. 932, parágrafo único; 1.030) Antes de inadmitir o recurso especial ou recurso extraordinário, cabe ao presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido conceder o prazo de cinco dias ao recorrente para que seja sanado o vício ou complementada a documentação exigível, nos termos do parágrafo único do art. 932”.

7 ARAÚJO, José Henrique Mouta. O feriado local e sua comprovação: importância da questão de ordem no Resp 1.813.684/STJ. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/328495/o-feriado-local-e-sua-comprovacao--importancia-da-questao-de-ordem-no-resp-1-813-684-stj. Acesso em 31.07.2024.

José Henrique Mouta
Mestre e Doutor (UFPA), com estágio em pós-doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor do IDP (DF) e Cesupa (PA). Procurador do Estado do Pará e advogado.

Vinicius Silva Lemos
Pós-Doutorando em Processo Civil pela UERJ. Doutor em Processo Civil pela UNICAP. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF. Professor Adjunto da UFAC. Presidente do IDPR. Advogado.

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