"Eu me divorcio de você", repetiu três vezes a princesa de Dubai, Sheikha Mahra Bint Mohammed Bin Rashid Al Maktoum, em um post no Instagram. Esta declaração foi interpretada como a oficialização de seu divórcio com Mana Al Maktoum, seu agora ex-marido.
Sheikha Mahra Bint Mohammed Bin Rashid Al Maktoum, filha do primeiro-ministro dos Emirados Árabes Unidos, se casou em abril de 2023. Herdeira de uma das famílias mais ricas do Oriente Médio, Mahra teve cerimônia luxuosa, que contou com bolo de sete andares.
A prática do "triplo talaq" - ou triplo divórcio - permitia que homens em alguns países islâmicos se divorciassem rapidamente de suas esposas. Na última semana, a princesa adaptou esta tradição para anunciar publicamente o fim de seu casamento.
Na publicação, a filha do primeiro-ministro dos Emirados Árabes Unidos explicou que decidiu se separar porque seu marido, com quem se casou em 2023, estava "ocupado com outras companhias".
Tradição do triplo talaq
O "divórcio instantâneo" está previsto em uma corrente do Direito islâmico conhecida como Hanafi.
Em 2017, a Suprema Corte da Índia proibiu a prática. Segundo os magistrados do país, o triplo talaq viola o Corão (livro sagrado do Islão) e a Sharia (conjunto de leis derivados do Corão e outras fontes), não integrando a prática religiosa e indo contra a moralidade constitucional.
Antes da Índia, mais de 20 países com grandes populações muçulmanas já haviam banido o triplo talaq, de acordo com a BBC.
O processo é iniciado com a manifestação escrita enviada a um conselho de arbitragem, que notifica ambas as partes e designa dois membros da família para tentar a reconciliação durante 90 dias. Se a reconciliação falhar, o conselho emite o certificado de Talaq, formalizando o divórcio.
Após a pronúncia, há um período de três meses ou três ciclos menstruais, chamado "período de pureza", durante o qual a separação se consolida, exceto se a esposa engravidar. As mulheres têm menos poder, podendo dissolver o casamento sozinhas apenas se o marido tiver delegado tal poder a elas no contrato de casamento.
Uma pesquisa de 2015 do grupo BMMA - Bharatiya Muslim Mahila Andolan revelou que 59% das 117 mulheres muçulmanas divorciadas entrevistadas na Índia foram unilateralmente divorciadas pelo marido pela mera pronúncia da palavra "talaq" três vezes.
A pesquisa também descobriu que os homens frequentemente utilizam tecnologias modernas, como Skype, WhatsApp e Facebook, para pronunciar a separação.
Em janeiro de 2024, o Hindustan Times relatou um caso em que um homem de 23 anos pronunciou o triplo talaq pelo WhatsApp após ser questionado pela esposa sobre uma traição, e agora enfrenta investigação.
Talaq no Brasil
Em 2001, a novela de Gloria Perez, "O Clone", trouxe o triplo talaq ao público brasileiro quando o personagem Said, enfurecido com sua esposa Jade, pronunciou "talaq" três vezes, efetivamente divorciando-se dela.
A prática também foi tema no Judiciário nacional. Em 1978, o STF homologou uma sentença de divórcio concedida por legislação muçulmana no caso SE 2416 PQ.
Envolvia um paquistanês residente em Washington/EUA, que desejava se casar com uma cidadã brasileira residente no Paquistão, e solicitou ao Brasil a homologação de seu divórcio baseado no triplo talaq.
O ministro Carlos Thompson Flores, relator do caso, concedeu o pedido, amparado por parecer favorável do então PGR Haroldo Valadão em um caso anterior semelhante (sentença estrangeira 45 do Líbano).
"Se o direito brasileiro admite o reconhecimento de um divórcio decretado, sem fraude, em um Estado segundo suas leis, por seus tribunais, para seus nacionais, é um princípio, indiferente apurar se o divórcio ali é litigioso e por que causas, se por mútuo consentimento e em que forma e condições, ou se, na qual espécie, pela simples vontade de um dos cônjuges", afirmou o relator.
Em um caso anterior, em 1977, o STF negou por unanimidade a homologação de outro divórcio envolvendo triplo talaq (SE 2.373 do Egito). A Corte considerou que a manifestação unilateral do marido violava a ordem pública.
Já na decisão de 1977, os ministros consideraram a ordem pública material, avaliando o mérito da decisão para verificar se a sentença infringiria os direitos fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro.
No Brasil
No Brasil, publicações/posts não têm o "poder" de declarar um divórcio como acontece nos países adotam o triplo talak, mas declarações, fotos e vídeos podem ser uteis na justiça brasileira para definir a data de separação do ex-casal, especialmente importante quando o casal possui conta conjunta ou investimentos a serem partilhados ou dívidas em comum.
É por isso que alguns casais declaram nas redes sociais suas separações, exatamente para deixar claro a data da separação.