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As recentes alterações à lei 13.097/15 em prol da proteção dos terceiros de boa-fé contra a fraude à execução na compra de bens imóveis

Entenda como o procedimento de due dilligences e as recentíssimas alterações à lei 13.097/15 podem proteger os adquirentes de bens imóveis contra a fraude a execução.

31/7/2024

As due diligences são o alicerce da segurança em transações imobiliárias, especialmente nas de grande porte. Por meio deste estudo, é possível analisar a situação jurídica, financeira e física do imóvel em contraposição à capacidade econômica do vendedor, em um processo que abrange a obtenção de certidões negativas de ações judiciais, verificação de ônus reais, levantamento de débitos fiscais e a confirmação da titularidade do imóvel junto aos registros competentes.

Bem por isso, o comprador não pode olvidar da importância da due diligence quando da aquisição de imóveis, especialmente se almeja evitar surpresas indesejadas que possam surgir após a conclusão do negócio, decorrentes de riscos diversos inerentes à operação.

À exemplo destes riscos, destaca-se a pendência de processos judiciais contra o vendedor capazes de reduzir-lhe à insolvência. Nessa hipótese, poderá restar caracterizada a fraude à execução, resultando na ineficácia do negócio jurídico, nos moldes do art. 792, inc. IV, do CPC.1

Ocorre que, se contra o vendedor penderem ações judiciais em outros Estados que não o da sua residência, o comprador, mesmo que de boa-fé, pode ser surpreendido com a existência desses processos ainda que adotadas todas as precauções necessárias no procedimento de due diligence.

Poderíamos nos deparar, por exemplo, com a seguinte situação: um comprador emitiu todas as certidões de ações necessárias na compra do imóvel, incluindo as certidões negativas de ações judiciais no Estado de residência do vendedor e no Estado da localização do imóvel. No entanto, vem a tomar conhecimento de processos movidos contra o vendedor em outros Estados, diversos da localização do imóvel ou da residência do vendedor. Indaga-se: há risco de que a negociação seja considerada ineficaz por “fraude à execução”?

Ilustremos com um caso hipotético: Mélvio adquiriu o imóvel em que Tício residia, situado em um município do Estado de Santa Catarina. Previamente à celebração do negócio, Mélvio realizou uma due diligence, emitindo a matrícula atualizada do imóvel e diversas certidões, incluindo a certidão negativa de ônus e ações no Registro de Imóveis e as certidões negativas de ações judiciais de Tício no Estado de Santa Catarina. Mesmo adotando todas essas precauções, após a aquisição, Mélvio foi surpreendido pela existência de uma ação de cifras milionárias contra Tício, ajuizada pelo seu credor, Caio, no Estado de São Paulo. Caio busca a invalidação da transação. Razão lhe assiste?

Para o STJ, não.

Em março de 2009, o STJ editou a súmula 375, endossando a seguinte tese: "O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”2. A primeira parte da Súmula já deixava claro: ausente o registro de penhora ou arresto efetuado sobre o imóvel perante o Registro de Imóveis competente, não se pode supor que o adquirente do imóvel (Mélvio) agiu em conluio com Tício para fraudar a execução.

No dia 20 de agosto de 2014, o Tribunal reiterou esse entendimento ao solidificar que a boa-fé se presume; a má-fé se prova, no julgamento REsp 956.943/PR (Tema Repetitivo 243)3. Na decisão, o Tribunal estabeleceu que a configuração da fraude à execução depende da citação válida do executado na ação judicial ou da alienação/oneração de bens efetuada após a averbação/registro da penhora.

Portanto, o registro ou a averbação da constrição judicial às margens da matrícula do bem imóvel gera presunção absoluta de conhecimento de terceiros.

E não poderia ser diferente. Com o advento da lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos)4, a matrícula se tornou a base do sistema registral imobiliário brasileiro, permitindo a centralização de todas as informações pertinentes a um imóvel em um único documento. Daí porque não é incomum ouvir que a matrícula é a “certidão de nascimento” do imóvel.

O art. 54 da lei 13.097/155, por sua vez, consubstancia o princípio da concentração dos atos na matrícula, preceituando a centralização de todas as informações relevantes sobre o imóvel em um único documento. Esse princípio vem para garantir que negócios jurídicos que envolvem a constituição, transferência ou modificação de direitos reais sobre imóveis sejam eficazes apenas se os atos jurídicos precedentes estiverem devidamente registrados ou averbados na matrícula.

Nessa linha, o §2º do art. em comento, incluído pela lei 14.382, de 27/6/226, já especificava que a demonstração da boa-fé do terceiro adquirente na transferência de bens imóveis não pressupunha a apresentação de certidões negativas de ações judiciais, justamente porque, se inexiste registro ou averbação, é de se concluir pela conformidade das informações constantes na matrícula do bem.

Ademais, com a finalidade de garantir ainda mais segurança jurídica ao terceiro adquirente, destaca-se que houve a inclusão do seguinte dispositivo na lei 13.097/15 por intermédio da recentíssima lei 14.825, de 20/3/247:

Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações: [...]

V – averbação, mediante decisão judicial, de qualquer tipo de constrição judicial incidente sobre o imóvel ou sobre o patrimônio do titular do imóvel, inclusive a proveniente de ação de improbidade administrativa ou a oriunda de hipoteca judiciária.

A lei 14.825/24 vem para ratificar o que há anos era pacificado na jurisprudência do STJ: o reconhecimento da fraude à execução depende da averbação de qualquer constrição judicial no bem alienado.

Dada a maior vinculatividade da legislação em detrimento dos precedentes, obrigando todos os juízes e tribunais (inclusive o STJ), podemos concluir que as novas alterações à lei 13.097/15 constituem um marco paradigmático para o direito brasileiro no tocante à proteção aos terceiros de boa-fé.

Essa alteração legislativa, contudo, não retira a relevância de se apurar as certidões no procedimento de due dilligences. Isso porque, ainda que haja a presunção de boa-fé do terceiro adquirente, o art. 792, inc. IV, do CPC não exige a averbação da existência de processo com potencial de insolvência para a caracterização da fraude8, sobretudo por se tratar de um conceito jurídico indeterminado, que deve ser aferido casuisticamente pelo juiz. Esse cenário traz insegurança jurídica, pois há uma brecha legislativa para a materialização de fraude à execução em cada caso concreto.

De mais a mais, a jurisprudência nacional tem considerado como sinal de boa-fé do terceiro adquirente a solicitação de certidões dos alienantes nos distribuidores judiciais antes da aquisição.9

Assim, para não sofrer os efeitos da fraude de execução, o terceiro adquirente precisa estar preparado para demonstrar que não tinha, na data da aquisição do imóvel, conhecimento das demandas judiciais capazes de levar o devedor à insolvência, ou, pelo menos, que tomou as precauções necessárias para atestar essa circunstância.

Isso não significa dizer que o terceiro adquirente precise consultar todos os distribuidores judiciais do Brasil para viabilizar a aquisição do imóvel. É necessário bom senso. Aqui, vale menção a pertinente trecho do voto da Ministra Nancy Andrighi, mencionado no julgamento do REsp 956.94310:

Por outro lado, convém ressalvar que, dada a multiplicidade de comarcas existentes em nosso país, nem sempre ao comprador é possível – nem viável – a identificação de todas as ações ajuizadas contra o devedor. Tomando por base o comportamento do homem médio, zeloso e diligente no trato dos seus negócios, bem como a praxe na celebração de contratos de venda e compra de imóveis, é de se esperar que o adquirente efetue, no mínimo, pesquisa nos distribuidores das comarcas de localização do bem e de residência do alienante.  [...].  Ciente dessa circunstância, não se está aqui sugerindo o estabelecimento de uma presunção absoluta contra o terceiro adquirente, mas de lhe impor o ônus de demonstrar a existência de um cenário fático a partir do qual seja razoável inferir que não havia como ter conhecimento da insolvência do alienante ou da existência de ações contra ele ajuizadas.

Portanto, é imprescindível que o terceiro adquirente demonstre ter cumprido seu dever de cautela, obtendo, pelo menos, certidões nas comarcas de localização do bem e de residência do alienante.

Ciente disso, agora Mélvio pode respirar aliviado, certo de que suas diligências não foram em vão e que a nova legislação protege seus investimentos, evitando surpresas judiciais desagradáveis. Afinal, como nos ensinou Cícero, "Salus populi suprema lex esto" (a segurança do povo deve ser a lei suprema), e com a segurança jurídica reforçada, os bons negócios devem prevalecer.

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1 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 19 jul. 2024.

2 STJ. Súmula nº 375. Disponível em: https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2013_33_capSumula375.pdf. Acesso em: 19 jul. 2024.

3 STJ. Tema Repetitivo 243. https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=243&cod_tema_final=243. Acesso em: 19 jul. 2024.

4 BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015compilada.htm. Acesso em: 22 jul. 2024.

5 BRASIL. Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13097.htm. Acesso em: 22 jul. 2024.

6 BRASIL. Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/l14382.htm. Acesso em: 22 jul. 2024.

7 BRASIL. Lei nº 14.825, de 20 de março de 2024. Altera a Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015, para garantir a eficácia dos negócios jurídicos relativos a imóveis em cuja matrícula inexista averbação, mediante decisão judicial, de qualquer tipo de constrição judicial. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/l14825.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2014.825%2C%20DE%2020,qualquer%20tipo%20de%20constri%C3%A7%C3%A3o%20judicial. Acesso em: 22 jul. 2024.

8 Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução: […]; IV - quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência […].

9 Confira, por exemplo: TJSP, Apelação Cível 1000222-91.2018.8.26.0301; Relator (a): José Aparício Coelho Prado Neto; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro de Jarinu - Vara Única; Data do Julgamento: 31/08/2023; Data de Registro: 31/08/2023.

10 STJ, REsp: 956943 PR 2007/0124251-8, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 20/08/2014, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 01/12/2014.

Adriel Mafra Limas
Bacharelando do 10º Período de Direito (UNIVALI). Assessor jurídico no escritório JVLN Advogados Associados.

Kariny Zanella Demessiano
Advogada associada do escritório JVLN Advogados Associados. Especialista em Direito Imobiliário (CERS). Especialista em Direito Contratual (CERS).

Laudelino João da Veiga Netto
Advogado e sócio do escritório JVLN Advogados Associados. Mestre em Ciência Jurídica (UNIVALI). Especialista em Direito Tributário (FGV). Especialista em Direito Imobiliário (CESUSC).

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