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39 anos da lei de ação civil pública: Os desafios para a promoção mais efetiva da tutela coletiva

A lei 7.347/85, marco da redemocratização, protege interesses coletivos e difusos, mas enfrenta desafios na efetividade judicial após quase 40 anos de vigência.

26/7/2024

Em julho/24, a lei 7.347/85, conhecida como lei da ação civil pública, completa 39 anos de vigência. Promulgada em 1985, a lei constituiu-se como importante marco do movimento de redemocratização da sociedade brasileira.

Com o seu escopo ampliado por diversos diplomas posteriores, como o CDC e a Constituição Federal, a lei da ação civil pública passou a ser o instrumento apto à tutela de interesses difusos ou coletivos, tais como o meio ambiente, a ordem econômica, os direitos do consumidor e o patrimônio cultural.

O intuito da criação da lei foi o de dar luz aos direitos metaindividuais, até então tutelados de forma secundária, e de, com isso, viabilizar o acesso à justiça e a promoção de uma prestação jurisdicional mais efetiva à coletividade, ao evitar a prolação de decisões contraditórios e o congestionamento dos tribunais.

Contudo, passados quase 40 anos de vigência da lei da ação civil pública, a prática forense demonstrou que, apesar dos significativos avanços alcançados, parte dos objetivos visados pela lei não foram atingidos com a eficácia inicialmente esperada.

De acordo com dados divulgados pelo CNJ1, atualmente, há cerca de 150 mil ações civis públicas pendentes de julgamento, com uma taxa de congestionamento 20% superior à média geral das demais demandas. Para efeitos comparativos, significa dizer que há, em tramitação, uma ação civil pública para cada 1.350 brasileiros2.

Ainda, segundo dados do CACOL - Cadastro Nacional de Ações Coletivas, as ações coletivas, em sua maioria, têm como objeto discussões atinentes a Direito Administrativo, Direito Trabalhista, Direito Ambiental, Direito da Saúde e Direito das Relações de Consumo.

Especificamente no que concerne às demandas envolvendo as relações de consumo, há, aproximadamente, 11 mil ações civis públicas em trâmite atualmente. Ou seja, considerando as cerca de 9,3 milhões de demandas individuais sobre o tema pendentes de julgamento, verifica-se que existe uma ação civil pública de consumo para cada 891 ações individuais.

Tais dados revelam que o objetivo da edição da lei da ação civil pública de reduzir do contingente de demandas individuais não foi atingido em sua plenitude. Ao contrário disso, levantamentos apontam que, nos últimos 4 anos, houve aumento da quantidade de ações individuais nos cinco temas mais litigados na área consumerista (indenização por dano moral, indenização por dano material, inclusão indevida em cadastro de inadimplentes, empréstimo consignado e práticas abusivas).

Tal situação é agravada pela morosidade na conclusão das demandas coletivas. Muito embora as ações civis públicas versem a respeito de temáticas com relevantes impactos socioeconômicos, não é incomum que essas tramitem por décadas a fio. Notório é o exemplo das demandas propostas nas décadas de 1980 e 1990, para discussão dos prejuízos decorrentes dos planos econômicos, e as quais, passados mais de 30 anos, ainda pendem de um desfecho definitivo.

A problemática em questão acaba por implicar a falta de efetividade dos pronunciamentos judiciais coletivos, os quais, em razão do lapso temporal, tornam-se obsoletos, produzindo efeitos práticos com pouca utilidade.

Não só a coletividade resta prejudicada com a mora, como também as pessoas jurídicas acionadas judicialmente. Além de terem que arcar, por um longo período, com as pesadas despesas inerentes a um processo judicial, muitas vezes as empresas são condenadas em obrigações referentes a questões já superadas ou de cumprimento impraticável à luz da realidade atual.

Exemplo disso são as ações civis públicas propostas no ano de 2020, visando à imposição da adoção de medidas de combate à pandemia do COVID-19. Apesar do seu nobre objetivo, muitas dessas demandas estão sendo julgadas apenas agora, em 2024, quando o tema por elas abarcado sequer detém relevância, dado o fim da crise sanitária.

Em vista dessa situação preocupante, há em trâmite três projetos de lei3, propostos com o objetivo de transformar, de maneira profunda, a Lei de Ação Civil Pública. Com o intuito de contornarem a sobrecarga do Judiciário e de assegurarem a representatividade adequada da coletividade, tais projetos preveem novos mecanismos, desde o controle de legitimidade do autor da ação durante todo o processo, até formas alternativas de execução do julgado final.

Apesar da necessidade de atualização do processo coletivo, os 39 anos da Lei da Ação Civil Pública remetem à comemoração de um diploma processual jurídico vanguardista, que deu destaque à necessária tutela dos direitos da coletividade, como forma de garantir a ampliação do acesso à justiça. Não obstante os desafios ainda existentes, a data deve ser relembrada para que a sociedade siga se empenhando em esforços para a construção de uma tutela coletiva cada vez mais efetiva e responsável.

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1 Números extraídos do Portal de Estatísticas do Conselho Nacional de Justiça, com dados atualizados até 30 de abril de 2024. Disponível em: https://justica-em-numeros.cnj.jus.br/painel-estatisticas/. Acesso em: 15.jun.2024.

2 Segundo os dados mais atualizados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui 203.080.756 habitantes. Dados disponíveis em: https://censo2022.ibge.gov.br/panorama/?utm_source=ibge&utm_medium=home&utm_campaign=portal. Acesso em: 15.jun.2024.

3 Projetos de Lei nº 4.441/2020, 4.778/2020 e 1.641/2021

Luciana Bazan
Sócia nas áreas de Contencioso Cível e Direito do Consumidor de TozziniFreire Advogados.

Bruna Thoma Ricardo Ferrari
Advogada nas áreas de Contencioso Cível e Direito do Consumidor de TozziniFreire Advogados.

Luís Felipe Heiji Iano de Moraes
Advogado nas áreas de Contencioso Cível e Direito do Consumidor de TozziniFreire Advogados.

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