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Deságio e tributação – Uma visão a partir do plano de recuperação judicial

A adequada definição do passivo tributário terá papel fundamental no êxito da recuperação judicial e, sobretudo, na sobrevida do empreendimento.

24/7/2024

Uma das mais importantes inovações promovidas pela lei 14.112, de 2020, apesar desta não figurar entre os aspectos mais comentados da modificação, é o redesenho das hipóteses de incidência tributária sobre ganhos nos casos de planos de recuperação judicial, cuja aprovação pressuponha obtenção de deságio em relação à dívida.

A alteração legislativa dispõe justamente quanto à sobra patrimonial que, com a repactuação de obrigações prevendo diminuição da dívida para a reestruturação do empreendimento, repercute em uma modificação do resultado contábil da empresa, de modo que, ao final do período de apuração, há um novo resultado contábil do empreendimento.

À míngua da mencionada alteração legislativa, a incidência tributária recaia em relação ao registro contábil pretérito, anterior ao plano de recuperação aprovado, portanto, de modo a considerar resultado financeiro que não mais retratava a realidade do empreendimento e, assim, ao princípio da veracidade dos registros.

Assim, a alteração legislativa promoveu um redesenho da hipótese de incidência tributária nos casos de plano de recuperação judicial com previsão de deságio e seus respectivos ganhos financeiros, enquanto variável a influir na composição do resultado da empresa, atingindo especificamente nas exações que possuem a obtenção de lucro como fato gerador.

As mencionadas modificações podem ser sintetizadas no propósito de excluir da noção de receitas aquele resultado contábil decorrente do deságio do plano de recuperação judicial, decotando-o da base de cálculo da PIS/COFINS, bem como no afastamento das limitações das leis 8.981/95 e 9.065/95 na apuração do Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social do Lucro Líquido (CSLL) referente aos mesmos valores (art. 50-A da Lei 11.101, de 2005).

O mesmo ocorre quanto às contribuições do PIS/COFINS, cuja base de cálculo também fica modificada pela repactuação de deságio em plano de recuperação judicial (art. 50-A da Lei 11.101, de 2005).

Tais limitações, instituídas pelas leis 8.981/95 e 9.065/95 se referem às operações de ajuste, mediante adições ou exclusões presumidas, bem como mediante compensação de prejuízo, na determinação do lucro líquido ajustado, promovidas a partir do lucro real para fins de quantificação do tributo devido relativamente ao IR e à CSLL.

Nesse sentido, promoveu o legislador efetiva reconstrução das hipóteses de incidência tributária, ensejando um recálculo da obrigação tributária a partir da redefinição do resultado da empresa à luz do deságio pactuado em plano de recuperação judicial.

Não bastasse isso, a entrada em vigor da lei 14.112, de 2020, também estabeleceu que despesas assumidas no plano de recuperação são dedutíveis na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, desde que não tenham sido objeto de dedução anterior (art. 6º-B da lei 11.101, de 2005).

Assim, valores assumidos pelo próprio empreendimento na composição do plano de recuperação passam a ser dedutíveis do resultado, parâmetro de apuração do lucro líquido, de maneira que podem integrar os abatimentos inerentes à conformação da base de cálculo da CSLL.

Sobre o tema, a propósito, a Coordenação-Geral de Tributação, da Secretaria da Receita Federal, decidiu recentemente consulta sobre o tema1, oportunidade em que “a receita decorrente de renegociação de dívidas auferida por pessoa jurídica em processo de recuperação judicial não será computada na apuração da base de cálculo da Contribuição para o PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins)”, além de arrematar que “o ganho na renegociação de dívidas auferido por pessoa jurídica em processo de recuperação judicial deverá compor a base de cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)”.

Essas alterações legislativas exaltam, conquanto a nova redação do art. 50-A da lei 11.101, de 2005, preveja expressamente que o novo regime tributário em comento não dependa da sujeição da dívida à recuperação judicial e nem mesmo do “reconhecimento de seus efeitos nas demonstrações financeiras das sociedades”, a importância dos profissionais encarregados da reestruturação do empreendimento.

Com efeito, seja no redesenho das operações destinado à recomposição superavitária do fluxo de caixa e na escorreita composição de eventual dívida fiscal, seja na construção de uma proposta de plano de recuperação que seja interessante aos credores e suficiente ao devedor, a adequada definição do passivo tributário terá papel fundamental no êxito da recuperação judicial e, sobretudo, na sobrevida do empreendimento.

É este um enfoque que cada vez mais precisa ser observado pelos empreendimentos em reestruturação judicial de suas atividades, de modo a viabilizar um efetivo restabelecimento da atividade empresária.

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1 Disponível em http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=137607. Consulta em 10 de julho de 2024.

Taciani Acerbi Campagnaro Colnago Cabral
Advogada fundadora da ACCC Administração Judicial. Especialista (PUCMG) e mestre (FUMEC) em Direito Empresarial. Certificada como administradora judicial pelo IBAJUD e pelo TMA.

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