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Tributação federal das subvenções governamentais e a lei 14.789/23

A tributação das subvenções sempre foi alvo de inúmeras discussões entre os contribuintes e as Autoridades Administrativas e, recentemente, recebeu novo tratamento por meio da lei 14.789/23, que passou a prever que as receitas de subvenções para investimento devem a integrar a base de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS e da Cofins..

25/7/2024

O termo subvenção pode ser interpretado de diversas formas e, de maneira geral, pode ser entendido como subsídio, ajuda ou auxílio concedido pelo Poder Público à iniciativa privada.

No âmbito da lei 4.320/64, as subvenções podem ser consideradas como transferências correntes que visam a cobertura de despesas de custeio das entidades beneficiadas, subdividindo-se em subvenções sociais e econômicas.1

Nos termos do § 3º do art. 12 da citada lei, as subvenções sociais se destinam a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa, enquanto as subvenções econômicas se destinam a empresas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril.

O Pronunciamento Técnico CPC 07 (R1) define as subvenções governamentais como sendo “uma assistência governamental geralmente na forma de contribuição de natureza pecuniária, mas não só restrita a ela, concedida a uma entidade normalmente em troca do cumprimento passado ou futuro de certas condições relacionadas às atividades operacionais da entidade”.

Nesse contexto, as subvenções governamentais podem ser concedidas na forma de subsídio, doação ou incentivo fiscal e têm por objetivo primordial o aumento de investimentos e a movimentação da economia em determinado local.

A legislação tributária federal classifica as subvenções governamentais em subvenções para custeio, nas quais os recursos são destinados a pessoas jurídicas para auxiliá-las em suas despesas correntes e operações, e subvenções para investimentos, nas quais os recursos ficam vinculados à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

No caso das subvenções para custeio, o art. 44 da lei 4.506/64 estabelece que os valores transferidos integrarão a receita bruta operacional (ou lucro operacional) do subvencionado, devendo, portanto, serem computados no lucro líquido, para fins de determinação do lucro real.

Quanto às subvenções para investimento, o § 2º do art. 38 do decreto-lei 1.598/77 previa que os valores recebidos não seriam computados na determinação do lucro real para fins de incidência do IRPJ e da CSLL, desde que fossem concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e registrados como reserva de capital.

Posteriormente, foi editado o art. 30 da lei 12.973, que passou a prever que para que as subvenções para investimento possam ser distinguidas das subvenções para custeio, elas devem ter sido concedidas (i) pelo poder público; e (ii) como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

Além disso, os valores recebidos de subvenções para custeio integram a base de cálculo do PIS e da Cofins, enquanto os valores recebidos de subvenções para investimento, até a publicação da lei 14.789/23, não integravam a base de cálculo das referidas contribuições, nos termos do inciso X do art. 3º das leis 10.637/02 e 10.833/03.

Desde a publicação do referido decreto-lei 1.598/77, iniciaram-se diversas discussões entre os contribuintes e o Fisco a respeito da tipificação das subvenções – se de investimento ou custeio –, e a partir de então a Receita Federal passou a editar Pareceres Normativos, Instruções Normativas e Soluções de Consultas buscando restringir o alcance da citada norma.

No ano de 1978 foram editados os PN - Pareceres Normativos 2/78 e 112/78, da CST - Coordenação Geral do Sistema de Tributação, que trouxeram novas condições para que as subvenções pudessem ser consideradas como de investimento, entre as quais, citam-se: a) a intenção do subvencionador de destiná-las para investimento; b) a efetiva e específica aplicação da subvenção, pelo beneficiário, nos investimentos previstos na implantação ou expansão do empreendimento econômico projetado; e c) o beneficiário da subvenção ser a pessoa jurídica titular do empreendimento econômico.

Posteriormente, a RFB passou a interpretar a norma de maneira ainda mais restrita, entendendo que deveria haver concomitância e absoluta correspondência entre a percepção da vantagem e a aplicação dos recursos recebidos, conforme se verifica da resposta à consulta abaixo colacionada2:

“ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

EMENTA: SUBVENÇÕES PARA INVESTIMENTOS. CARACTERIZAÇÃO. As subvenções para investimentos, que podem ser excluídas da apuração do lucro real são aquelas que recebidas do Poder Público, sejam efetiva e especificamente aplicadas pelo beneficiário nos investimentos previstos na implantação ou expansão do empreendimento econômico projetado. Desta forma, incentivos fiscais recebidos como compensação por inversões fixas previamente realizadas pelo beneficiário, não são passíveis de enquadramento como subvenção para investimento, na ótica de imposto de renda, por não atenderem à condição de concomitância e de absoluta correspondência entre a percepção da vantagem e a aplicação dos recursos.”

Com o objetivo de solucionar as referidas controvérsias, foi editada a LC 160/17, que incluiu o § 4º no art. 30 da lei 12.973/14, passando a prever que todos os benefícios fiscais relativos ao ICMS deveriam ser considerados subvenção para investimento, independentemente da observância de qualquer outro requisito ou condição não previsto expressamente no próprio art. 30.

A partir dessa alteração legislativa, a Receita Federal, inicialmente, editou Soluções de Consulta concordando com a exclusão dos incentivos fiscais do ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, como se depreende da Solução de Consulta Cosit 15/20:

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ

SUBVENÇÃO PARA INVESTIMENTO. CRÉDITO DE ICMS. ESTORNO.

O valor correspondente ao crédito outorgado de ICMS pelo Estado de São Paulo, com base no art. 41 do Anexo III do Regulamento do ICMS, aprovado pelo decreto 45.490, de 30/11/00 c/c a Portaria CAT 35, de 26/5/17, é uma receita que pode ser excluída da base de cálculo do IRPJ, por ser legalmente considerado uma subvenção para investimento, desde que observados os requisitos estabelecidos na legislação de regência.

O valor do crédito de ICMS tomado na entrada no insumo e estornado para obtenção da benesse fiscal não pode ser considerado como custo ou despesa para fins de apuração da base de cálculo do IRPJ. Assim, se este valor for deduzido na apuração do lucro líquido, deverá ser adicionado na determinação do lucro real do período correspondente.

Dispositivos legais: lei 12.973/14, arts. 30 e 50; LC 160/17, art. 10; decreto 9.580/18, arts. 301 e 302; Instrução Normativa RFB 1.700/17, arts. 62, 68, 131 e 198; Parecer CST 112/78 e Pronunciamentos Técnicos CPC 00 (R1) e 07 (R1).

[...]

Posteriormente, a Receita Federal passou a adotar novos entendimentos restritivos, e editou Soluções de Consulta impondo empecilhos para a classificação dos benefícios fiscais como subvenção para investimento, tal como se observa da SC Cosit 15/22 e da SC DISIT/SRRF07 7.001/23, que exigiam que o benefício tivesse sido concedido como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos.

Após inúmeras demandas judiciais discutindo a questão, a controvérsia chegou ao STJ, que decidiu, em fevereiro/18, no julgamento do EREsp 1.517.492, que os créditos presumidos de ICMS não integram a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, independentemente de ser subvenção para custeio ou investimento.

O fundamento utilizado foi o de que a tributação dos créditos presumidos de ICMS pelo IRPJ e pela CSLL viola o Pacto Federativo, visto que implica na possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou.

Além disso, a Corte Superior entendeu que os valores recebidos a título de crédito presumido de ICMS não representam receita, nem lucro do contribuinte, de modo que não há materialidade a ser tributada pelo IRPJ e pela CSLL.

Posteriormente, analisando a extensão do referido entendimento a outros benefícios fiscais, o STJ decidiu, em julgamento de recurso repetitivo (Tema 1.182), que os benefícios fiscais de ICMS, tais como isenção, redução de base de cálculo e diferimento poderão ser descontados da base de cálculo do IRPJ e CSLL, desde que atendidos os requisitos legais do art. 10 da LC 160/17 e do art. 30 da lei 12.973/14.

Além disso, entendeu-se que não há necessidade de demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, bem como que a Receita Federal pode proceder ao lançamento do IRPJ e CSLL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico.

O fundamento utilizado foi o de que os benefícios fiscais de ICMS, tais como isenção, diferimento e redução de base de cálculo, diferenciam-se do crédito presumido, uma vez que para aqueles benefícios ocorre o chamado efeito de recuperação, no qual há um diferimento na incidência do imposto, uma vez que o valor dos benefícios fiscais é recuperado pelo Fisco através da aplicação de incidência mais elevada nas operações posteriores, diante da ausência da possibilidade de apuração de crédito de imposto destacado na nota fiscal.

Em 29/12/23 foi editada a lei 14.789, que revogou o art. 30 da lei 12.973/14, o § 2º do art. 38 do decreto-lei 1.598/77 e os incisos X do § 3º do art. 1º da lei 10.637/02 e IX do § 3º do art. 1º da lei 10.833/03, de modo que a partir de 2024, as receitas de subvenções para investimento passaram a integrar a base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins.

A referida lei ainda prevê que as pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real que receberem subvenção governamental para implantar ou expandir empreendimento econômico poderão apurar crédito fiscal de subvenção para investimento.

Nos termos dos arts. 6º e 8º da lei 14.789/23, o crédito fiscal será equivalente a 25% das receitas de subvenção para investimento, desde que essas receitas: (i) sejam relacionadas às despesas de depreciação, amortização ou exaustão ou de locação ou arrendamento de bens de capital, relativas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico; e (ii) tenham sido computadas na base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

A lei prevê que o crédito fiscal poderá ser objeto de compensação com débitos próprios ou ressarcimento em dinheiro, no prazo de 24 meses.

Para fazer jus ao crédito fiscal, a empresa deverá se habilitar perante a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e preencher os requisitos previstos no art. 4º da lei 14.789/23.

Por fim, entendemos que a citada lei pode ser objeto de questionamento judicial, seja porque a tributação dos benefícios fiscais de ICMS pelo IRPJ e CSLL fere o Pacto Federativo, seja porque tais valores não representam receita, renda ou lucro das empresas, ou, ainda, porque há a necessidade de edição de lei complementar para dirimir sobre conflitos de competência.

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1 HERLIN, Alexandre. O processo de privatização e os reflexos tributários das subvenções governamentais. Revista de Direito Tributário Contemporâneo, Brasil, v. 26/2020, n. 202012495, p. 165-183, set. 2020.

2 SRRF da 7ª RF, Solução de Consulta 251/2004.

Vitória Rodovalho
Advogada no GHBP Advogados. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET.

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