Nos últimos meses, o Brasil tem presenciado várias crises empresariais de grande repercussão, resultando em diversos pedidos de RJ - recuperação judicial. Isso fez com que o instrumento ganhasse mais visibilidade e se tornasse mais conhecido da sociedade. A título de exemplo, menciona-se o pedido de Recuperação Judicial da Lojas Americanas, 123 Milhas, Polishop, Subway, Starbucks, Supermercados Dia, entre outras empresas famosas no varejo.
Tal fato chamou a atenção para uma reflexão a respeito da real situação financeira dessas empresas e da necessidade e viabilidade de uma Recuperação Judicial.
O que se percebe, a grosso modo, é que com o aumento dos pedidos de recuperação houve também um aumento nas alegações de fraudes e nas acusações criminais por parte dos credores.
Isso porque, percebeu-se que a estrutura da RJ que visa principalmente reestabelecer uma empresa em situação financeira negativa, mas com potencial de viabilidade elevado, poderia beneficiar uma empresa endividada de forma fraudulenta e em prejuízo de seus credores.
Levando em consideração o atual sistema, a recuperação judicial é um processo iniciado por requerimento do devedor ao Judiciário. Nesse requerimento, o devedor apresenta e demonstra sua situação contábil e financeira atual, evidenciando sua incapacidade de cumprir todas as obrigações assumidas. Assim, o devedor solicita, por meio da recuperação judicial, prazos e procedimentos mais favoráveis que lhe permitam adimplir suas obrigações e manter-se no mercado, cumprindo a função social da empresa de gerar serviços, produtos, renda e empregabilidade, antecipando-se ao pedido de falência que poderia ser realizado pelo credor.
Dessa forma, uma vez que admitida a RJ de determinada empresa, é apresentado o rol de credores e o plano para cumprimento dessa recuperação, que contará sempre com um enorme deságio, carência e um extenso plano de pagamento, a ser aprovado pelos credores.
Assim, a empresa tem tempo hábil para refazer o seu caixa, reestruturar suas atividades e pagar seus credores em suaves prestações, suspendendo as execuções ajuizadas contra a empresa devedora, bem como, quaisquer formas de retenção, arresto, penhora, busca e apreensão e constrição sobre os bens da devedora, se oriundas de demandas relacionadas aos créditos submetidos à RJ.
Tais medidas seguem a lógica de permitir que a empresa em crise retorne efetivamente a uma situação de estabilidade e segurança financeira, contábil e econômica. Assim, a empresa não deve ser tratada como uma ré a ser punida, mas como uma parte genuinamente interessada em sua própria recuperação.
Ocorre que, tal situação que deveria ser a exceção, tem sido aplicada em empresas que utilizam dessa possibilidade legal apenas para reduzir seu passivo bancário, ameaçando todo um sistema financeiro.
Uma empresa ainda em atividade, que tenha um passivo bancário (crédito quirografário) de R$ 10 milhões pode apresentar um plano de recuperação propondo pagar apenas R$ 3 milhões aquele credor.
Tal proposta não é ilegal, porém deveria ser aplicada tão somente em casos em que a empresa ainda seja viável, mas com as demonstrações contábeis realmente comprometidas, entre outros aspectos. Mas, na prática, vê-se que alguns empresários acabam adulterando seus livros contábeis e transferindo patrimônio de forma proposital, e até mesmo tomando o crédito, já construindo um cenário propício a uma RJ.
Ainda que não haja nada comprovado, vale a pena mencionar o caso da varejista Lojas Americanas, que após o pedido de RJ passou a ser acusada pelos credores e autoridades do cometimento de crimes falimentares premeditados. Diversas instituições financeiras, apresentaram nos autos do processo de recuperação judicial alegações de fraude cometida por sócios, administradores e contadores da empresa. O juiz da RJ determinou que as alegações de fraude e outros crimes devem ser investigadas em processos autônomos, com o objetivo de produzir provas e identificar os responsáveis. Isso visa permitir que o processo de recuperação judicial continue garantindo a preservação de um negócio que atende milhares de clientes, fornecedores e funcionários.
Nos casos de apuração de fraude, a lei 11.101/05 dispõe 11 tipos penais que caracterizam modalidades de fraude a credores tanto antes quanto no processo de recuperação judicial. Para que de fato ocorra a punição das condutas previstas, elas precisam, a partir de um nexo causal, demonstrar relação direta com a crise empresarial ocorrida.
Os crimes traçados pela supramencionada lei são todos de natureza dolosa, uma vez que não há previsão da modalidade culposa para os delitos falimentares.
A conclusão é que há muitos aspectos para serem analisados antes e durante a Recuperação Judicial de uma empresa, sendo obrigação não só do agente público tais analises, como dos próprios credores, para evitar que uma empresa gerida por administrador mal-intencionado destinados a obtenha os benefícios destinados à empresa que de fato merece ser reerguida, prejudicando seus trabalhadores, parceiros comerciais, instituições financeiras e até mesmo, o Poder Público.