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Grupos econômicos irregulares e desconsideração da personalidade jurídica em execuções fiscais

A autonomia patrimonial protege sócios de dívidas da empresa, mas pode ser flexibilizada em casos de atos ilícitos, como previsto na súmula 435 do STJ.

9/7/2024

A regra da autonomia patrimonial da pessoa jurídica assegura a separação entre o patrimônio da entidade e o dos sócios, minimizando os riscos associados à atividade econômica e fomentando o empreendedorismo.

Essa separação propicia reflexos positivos para a sociedade, incluindo a geração de empregos, circulação econômica e arrecadação de tributos, configurando verdadeiro círculo virtuoso.1

Foi esse o contexto que levou o STJ a editar a súmula 430, que estabelece: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”.

Porém, deve-se flexibilizar a autonomia patrimonial em caso de atos ilícitos, inclusive para proteger os interesses do credor fiscal.

A súmula 4352 do STJ, por exemplo, autoriza o redirecionamento da execução fiscal em situações de dissolução irregular da sociedade, com fundamento no art. 135, III, do CTN3, que trata da responsabilidade dos sócios-gestores em caso de práticas irregulares.

A flexibilização da autonomia patrimonial também se aplica na presença de um grupo econômico irregular, o que frequentemente justifica a desconsideração da personalidade jurídica, conforme art. 50 do Código Civil.

O termo “grupo econômico irregular” (ou de fato) é utilizado para retratar a situação de várias empresas formalmente distintas, que na prática operam como uma única entidade empresarial. Nesse caso, todos os CNPJs envolvidos devem ser responsabilizados pelo passivo fiscal do devedor original.

As acusações que visam o reconhecimento de um grupo econômico de fato geralmente surgem em contextos como: segregação artificial das estruturas econômica e operacional; unidade de gestão, trabalho e patrimônio; administradores e contadores comuns; formação societária por indivíduos e seus familiares; e estrutura administrativa compartilhada.

Frequentemente, os grupos irregulares são acusados de utilizarem-se de holding patrimonial como veículo societário concebido para abrigar ativos imobiliários financiados pela riqueza gerada pelo contribuinte devedor.

Embora atos destinados a prejudicar o Fisco devam ter consequências severas, é crucial analisar detalhadamente as bases das acusações fiscais para assegurar que a responsabilização de "terceiros" esteja adequadamente fundamentada. Isso inclui uma avaliação cuidadosa das evidências que sugerem a existência de um grupo econômico irregular.

Indícios isolados não são suficientes para estabelecer que diferentes CNPJs constituem um "único organismo empresarial". Além disso, mesmo na presença de um grupo irregular, a responsabilização de terceiros deve ser proporcional aos bens irregularmente recebidos.

Portanto, na ausência de provas convincentes de um grupo econômico irregular, a autonomia patrimonial da pessoa jurídica deve ser preservada.

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1 A esse respeito, entendimento da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça: REsp n. 1.377.019/SP, relatora Ministra Assusete Magalhães, Primeira Seção, DJe de 29/11/2021.

2 Súmula 435: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”

3 Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de podêres ou infração de lei, contrato social ou estatutos: [...] III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

Aurélio Longo Guerzoni
Sócio do Guerzoni Advogados, com atuação em direito tributário desde 2008. É especialista (2013) e mestre (2020) em direito tributário pela FGV/SP.

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