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Princípio da intervenção mínima nos contratos na jurisprudência do TJ/SP

O artigo analisa decisões do TJ/SP sobre o princípio da intervenção mínima nos contratos, destacando o impacto do Código Civil de 2019.

5/7/2024

1. INTRODUÇÃO: Escopo e Metodologia

Este trabalho traz levantamento de julgados do TJ/SP envolvendo o princípio da intervenção mínima nos contratos, que passou a ter previsão expressa no Código Civil a partir da lei 13.874, de 20/9/19.

A norma-base do estudo é o art. 421, parágrafo único, do Código Civil:

Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. (Incluído pela lei 13.874/19)

A pesquisa utilizou os seguintes argumentos de pesquisa no campo “ementa” do site do TJ/SP: “421” “único” “intervenção”. O levantamento foi concluído no dia 4/9/23 com 196 acórdãos. Os grupos temáticos que apresentaram a partir de 5 julgados são os seguintes:

Essa amostragem soma 169 acórdãos, ou 86% dos casos identificados nos critérios de pesquisa das ementas. Dada sua relevância amostral, o trabalho ficou concentrado nesse universo de decisões.

Os grupos acima têm em comum que, ou na totalidade dos respectivos casos, ou na quase totalidade, os contratos foram preservados com base no princípio da intervenção mínima, exceção feita aos julgados sobre planos de saúde. Indica-se a seguir um julgado de cada grupo para ilustrar a aplicação desse princípio.

 2. ANÁLISE

Os grupos temáticos acima têm a seguinte representação gráfica:

O grupo mais representativo, de Revisional de Contratos Bancários, apresenta uma peculiaridade: 81% dos acórdãos, ou seja, 73 casos, têm como relator o desembargador Tavares de Almeida. Por essa razão, o desembargador foi convidado a responder à seguinte pergunta:

Em quem medida a previsão legal do princípio da intervenção mínima nos contratos tem resultado, na jurisprudência paulista, em maior prestígio ao pacta sunt servanda, mesmo nas relações de consumo?

A resposta foi a seguinte:

Creio que a análise da intervenção mínima nas relações privadas, sob a ótica da relação de consumo, deve preservar o princípio pacta sunt servanda, salvo se aferido desequilíbrio desproporcional entre as partes. Necessária a atenção casuística. Impõe-se ainda a observância ao direito de informação e à complexidade dos termos da avença. A decisão deve pender para o hipossuficiente, quando acentuado o prejuízo.

3. DISCUSSÃO

Os casos de Revisional de Contratos Bancários chamam atenção por se tratar de tema com forte correlação com o CDC, o que levaria à inferência de que parcela relevante dos julgados concluiria pela revisão das avenças.

Porém, em apenas 4 casos desse grupo o TJ/SP alterou o pactuado. Nos demais, houve aplicação do princípio da intervenção mínima nos contratos para preservar o negócio jurídico. Isso revela que, na jurisprudência paulista, não há oposição entre referido princípio e as relações de consumo, restando claro que estas não excluem aquele.

Outra observação interessante diz respeito a compra e venda e locação de imóveis. As lides concentram-se em discussão sobre índices de correção monetária, em muitos casos por decorrência dos impactos da pandemia de Covid-19. Tal qual no tema dos contratos bancários, também aqui o princípio da intervenção mínima foi utilizado para manter as disposições contratuais intactas. Dos 24 julgados sobre locação, houve revisão em apenas 2, e dos 16 de compra e venda imobiliária, em apenas 1.

A amostragem de julgados indica também que o princípio da intervenção mínima nos contratos permeou o debate sobre abusividade de cláusulas contratuais. Afora situações mais extremadas, cláusulas relacionadas a índices, sanções, formas de pagamento e procedimentos de extinção de contratos têm sido preservadas, mesmo nas relações de consumo. O juízo sobre abusividade está sendo ponderado à luz do pacta sunt servanda, com menor intervenção judicial nas avenças.

4. CONCLUSÃO

A referência expressa ao princípio da intervenção mínima nos contratos no artigo 421, parágrafo único, do Código Civil, vem sendo reproduzida nas decisões do TJ/SP para evitar e/ou moderar a interferência judicial nas disposições contratuais.

Alegações das partes pura e simplesmente sobre abusividade de determinadas cláusulas não têm sido admitidas para revisão dos negócios jurídicos, mesmo na esfera das relações de consumo.

É possível concluir, portanto, que a alteração promovida pela lei de liberdade econômica no Código Civil já tem o efeito prático de fortalecer o clássico princípio do pacta sunt servanda, ainda que em situações-limite como o contexto da pandemia de Covid-19.

Kleber Luiz Zanchim
Graduado e Doutor pela Faculdade de Direito da USP. Pós-Doutor pela Faculdade de Economia e Administração da USP. Professor do Insper. Sócio de SABZ Advogados.

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