Migalhas de Peso

Há algo de muito errado nas finanças do Governo Federal

O Brasil enfrenta uma dívida pública superior a um trilhão de reais, com crescente déficit fiscal e desconfiança do empresariado devido a medidas governamentais controversas, como a MP 1.202/23.

5/7/2024

O Brasil atingiu, segundo os jornais da semana passada, cifra superior a um trilhão de reais da dívida pública (R$ 1.000.000.000.000,00). O arcabouço fiscal faz água e as previsões para cima (déficit futuro) crescem, por enquanto com a promessa de que o superávit pretendido apenas ficará menor. Roberto Campos ironizava, no passado, que as promessas dos detentores do Poder comprometiam apenas as pessoas que as ouviam. No caso, os economistas do mercado, pois são realistas, sabem que dificilmente as promessas do governo Lula sobre o arcabouço serão mantidas.

O certo é que o governo não tem merecido a confiança do empresariado brasileiro, circulando nos jornais no início do mês uma nota de repúdio das 5 mais fortes confederações de empresários (agricultura, comércio e serviços, indústria, cooperativa e transporte) à negativa de créditos legítimos que as empresas tem de PIS/COFINS para compensar a desoneração da folha de serviços negociada com o Legislativo e desrespeitada com a MP 1.202/23, que o Congresso Nacional devolveu ao governo.

Desde o dia 12/6/24, o dólar oscila  entre 5,40 a 5,42 reais e a Bolsa caiu quase 2 pontos percentuais. Pesou neste cenário a fala do presidente que prometeu aumento de tributação e queda de juros, o que afetaria o único instrumento atual de combate à inflação, que é a política monetária.

Neste quadro, resolveu o governo, com a catástrofe climática do Rio Grande do Sul importar arroz. A Confederação Nacional da Agricultura, todavia, mostrou a desnecessidade da importação, pois mais de 4/5 da safra do Rio Grande do Sul já tinha sido colhida e o risco de desabastecimento é rigorosamente nenhum.

Transcrevo trecho do livro que escrevi com Samuel Hanan, que demonstra a importância do agronegócio para o Brasil e a equivocada visão governamental:

Agrobusiness Brasileiro (2023)

  1. 26 a 30% do PIB Brasil (+US$600 bilhões) (US$2.130 Bilhões);
  2. 49 a 50% das exportações brasileiras (US$166,55 bilhões);
  3. 150% do saldo da balança comercial (US$150 bilhões) - saldo Brasil: US$ 98,84 bilhões;
  4. 30% dos empregos formais;
  5. 40% da produção mundial de soja (complexo);
  6. 50% da produção mundial de açúcar;
  7. 30% da produção mundial de café;
  8. 80% da produção mundial de suco de laranja;
  9. 25% da produção mundial de carne bovina;
  10. 30% da produção mundial de carne de frango.

BRASIL-POTÊNCIA MUNDIAL DE PRODUÇÃO DE ALIMENTOS (BRASIL: 2,6% DA POPULAÇÃO MUNDIAL)

(Brasil – Que país é esse? – Editora Valer, pg. 41)

Ora, no momento em que o governo resolve comprar no exterior arroz que temos, à evidência prejudica empregos e empresas brasileiras que poderiam fornecer o produto.

A reação do setor do agronegócio tem sido, pois, coerente e imediata. Explicam, à exaustão, a desnecessidade da importação, mostrando que o governo gastaria dinheiro que não tem, levando em consideração sua dívida e, por outro lado, prejudicaria empregos de produtores e comerciantes de arroz que tradicionalmente atuam no país.

O governo, todavia, fez o primeiro leilão e empresas sem nenhuma tradição no mercado e sem força econômica suficiente ganharam, o que o obrigou a cancelá-lo, sobre pairar ainda a suspeita de ilicitude no pregão.

A grande questão que se coloca é a seguinte. Se não temos dinheiro para gastar num arcabouço fiscal cada vez mais inconfiável, se o governo não precisaria importar porque tem arroz suficiente para o Brasil, se nossa dívida chegou a mais de um trilhão de reais, por que importar arroz, vale dizer, queimar divisas para comprá-lo no exterior?

Não gostaria de lembrar Shakespeare, embora pertença à Academia William Shakespeare, mas que há algo de muito errado nas finanças do Governo Federal, não há dúvida de que há. 

Ives Gandra da Silva Martins
Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio/SP. Professor emérito da Universidade Mackenzie e das Escolas do Comando e Estado Maior do Exército (ECEME) e Superior de Guerra (ESG). Advogado e fundador da Advocacia Gandra Martins.

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