A crescente adoção de carros elétricos no Brasil apresenta desafios significativos para as concessionárias de energia elétrica do país. Embora os veículos elétricos ofereçam uma alternativa promissora aos combustíveis fósseis, a transição para a era da mobilidade sustentável traz consigo uma série de questões que precisam ser enfrentadas pelas empresas responsáveis pelo fornecimento de energia.
Um dos principais desafios é a necessidade de expandir e modernizar a infraestrutura elétrica para suportar o aumento da demanda de energia. Tais modificações demandam investimentos significativos, tanto financeiros quanto em novas tecnologias e equipamentos, além de análise cuidadosa da capacidade da rede elétrica para evitar sobrecargas e interrupções no fornecimento de energia.
Por exemplo, os pontos de recarga para veículos elétricos precisam ser instalados em locais estratégicos, como postos de combustível, estacionamentos públicos, condomínios, supermercados e residências, o que contrasta com o atual cenário do país, em que há regiões que ainda aguardam pela Universalização dos Serviços Públicos de Energia Elétrica, prevista na lei 10.438/02.
Para que haja a evolução tecnológica de forma eficaz, será necessária uma atuação conjunta das concessionárias de energia elétrica e do Poder Público, visando ao avanço na implantação e no aperfeiçoamento do sistema, bem como ao aumento da confiabilidade e estabilidade para atender à iminente alta na demanda de consumo de energia.
Estima-se que a frota elétrica no Brasil, que atualmente corresponde a 78.000 veículos elétricos, atinja 100.000 veículos até janeiro de 2025, de acordo com a ABVE - Associação Brasileira de Veículos Elétricos1. Além dos desafios econômicos e operacionais, as concessionárias precisam lidar com questões relacionadas à segurança e à conformidade regulatória para adequação legal e jurídica da ampliação e aperfeiçoamento da rede.
A Resolução 1.000/21 da ANEEL2 - Agência Nacional de Energia Elétrica adiciona uma camada extra de complexidade e confiabilidade a esse cenário, pois estabelece diretrizes específicas para a conexão de veículos elétricos à rede elétrica, incluindo padrões de segurança e proteção contra sobrecargas.
Já para o consumidor, a mesma Resolução prevê, em seu art. 550, a obrigatoriedade de comunicação prévia à distribuidora de energia em caso de necessidade de conexão nova, aumento ou redução de carga, ou alteração do nível de tensão. Ainda, conforme o art. 553 da Resolução, as estações de recarga devem observar as normas e padrões estabelecidos pela distribuidora e órgãos oficiais.
As normas existentes devem ser atendidas tanto pelas concessionárias quanto pelos usuários do sistema, a fim de que não se distribua de forma inadequada as responsabilidades durante a execução dos projetos de ampliação e aperfeiçoamento do sistema, voltados à atenção da demanda causada pelos veículos elétricos.
Em complemento às novidades legislativas e à inovação tecnológica, surgem novas questões que merecem o amparo do Judiciário, como, por exemplo, a obrigação ou não do condomínio em instalar tomadas elétricas em vagas de garagem ou se essa obrigação deve ser transferida ao próprio interessado.
Sobre o tema, as mais recentes decisões dos Tribunais e Turmas Recursais de São Paulo, Rio de Janeiro e da Região Sul têm decidido desfavoravelmente aos consumidores, reafirmando a necessidade de determinação expressa em Convenção ou aprovação em Assembleia, conforme preconiza o Código Civil. No entanto, ainda não há consenso entre os órgãos julgadores.
Outro debate acarretado pelos avanços trazidos pela eletrificação é quanto à responsabilidade civil em casos de incidentes nas redes elétricas dentro das residências e condomínios, o que somente será definido com a jurisprudência e a atuação educativa das concessionárias junto à população e órgãos de fiscalização.
Se de um lado existem lacunas legislativas e divergências jurisprudenciais, sabe-se que as concessionárias devem garantir que todas as instalações estejam em conformidade com a legislação, e que os usuários de veículos elétricos tenham acesso à informação e a uma infraestrutura segura e confiável.
O governo tem papel igualmente protagonista neste avanço, devendo conceder incentivos para que a transição energética e descarbonização da frota brasileira acompanhem a evolução do mercado, para equiparar aos benefícios concedidos às indústrias automobilísticas.
Isso inclui a coparticipação operacional, a exemplo da criação dos “carregadores públicos”, que consistem em pontos de carga e recarga para os veículos elétricos, somando 4.230 unidades no país, de acordo com a Bright Consulting3. Esses pontos não estão distribuídos de forma igual no país, eis que apenas São Paulo, capital, possui 1.121 carregadores, exigindo a implantação ao longo de toda a rota da malha viária nacional, o que também demanda servidões, desapropriações e investimentos na infraestrutura do interior.
A orientação jurídica desempenha papel fundamental no auxílio às concessionárias de energia para atender não só às necessidades tributárias e regulatórias, mas também às ambientais e operacionais, viabilizando a execução dos empreendimentos e ajustes necessários para as ampliações e aperfeiçoamentos necessários para atender à demanda.
Deve-se atuar no sentido de auxiliar as concessionárias no entendimento e na conformidade com as regulamentações específicas relacionadas aos pontos de recarga de veículos elétricos, e isso inclui normas de segurança, requisitos de instalação e operação, padrões de qualidade e certificação, entre outros aspectos.
O domínio do conhecimento das obrigações legais permite que as concessionárias evitem possíveis penalidades e litígios, além de garantir a segurança e a satisfação dos usuários dos pontos de recarga, evitando, além do colapso do sistema, futuras judicializações.
Outro pilar da assessoria jurídica às concessionárias deve ser a mitigação de riscos legais e a proteção dos seus interesses em disputas contratuais com fornecedores de equipamentos ou problemas de responsabilidade civil relacionados a danos causados por falhas na infraestrutura elétrica. A atuação deve ser rápida e eficaz, minimizando impactos financeiros e repercussões para a empresa, o que aumentará a retenção e a captação de recursos.
O apoio é valioso para influenciar de forma positiva a legislação, contribuindo com conhecimento técnico necessário à elaboração de normas e leis que complementarão o sistema legal que regula o fornecimento de energia para o ramo automobilístico, incluindo questões tributárias, que refletem no sistema tarifário.
Ao garantir o cumprimento das regulamentações, mitigar riscos legais, proteger os interesses da empresa e fornecer insights estratégicos, a assessoria contribuirá significativamente para o sucesso das operações e para a transição para um sistema de mobilidade mais sustentável e eficiente.
A atuação sólida e segura nos ambientes regulatório e operacional permitirá às concessionárias a necessária expansão e modernização da infraestrutura elétrica ante ao aumento da frota de veículos elétricos, bem como o alcance das metas de descarbonização e a Net Zero 2050, compromissos assumidos pelo Brasil também na comunidade internacional.
1 ABRIL, Editora. Guia Quatro Rodas. Atualizado em 04/04/2024 às 10h37, publicado em 03/04/2024 às 17h00. Disponível em: https://quatrorodas.abril.com.br/carros-eletricos/brasil-tem-um-carregador-publico-19-carros-eletricos-e-isso-pode-piorar.Acesso em 19/05/2024;
2 BRASIL. ANEEL. Res. N. 1.000 de 7/12/2021. Estabelece as Regras de Prestação do Serviço Público de Distribuição de Energia Elétrica; revoga as Resoluções Normativas ANEEL nº 414, de 9 de setembro de 2010; nº 470, de 13 de dezembro de 2011; nº 901, de 8 de dezembro de 2020 e dá outras providências. Disponível em: https://www2.aneel.gov.br/cedoc/ren20211000.pdf. Acesso em: 19/06/2024;
3 VoltBras. Publicado em 10/05/2024 às 09h12. Disponível em: https://sobrerodas.com.br/noticia/1563962/empresa-especialista-em-software-para-carregadores-eletricos-impulsiona-a-tecnologia-ocpp. Acesso em 19/05/2024;