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A reforma tributária e os desafios do setor elétrico brasileiro

EC 132/23 reforma tributária no Brasil com IBS e CBS para simplificar e tornar mais eficiente a tributação sobre o consumo, reduzindo disputas judiciais e custos de compliance.

2/7/2024

A tributação incidente sobre o consumo no Brasil é notoriamente complexa, regressiva, ineficiente e disfuncional, gerando altos índices de disputas judiciais e custos de compliance. Essa situação contribui para a falta de clareza, prejudica a atividade econômica e cria obstáculos para investimentos no setor produtivo do país.

A promulgação da EC 132/23 marca um momento de transformação no cenário tributário brasileiro. A reforma tributária proveniente da aprovação da PEC 45/2019 insere no nosso Sistema Constitucional Tributário dois novos tributos -  o IBS - Imposto sobre Bens e Serviços e da CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços - buscando simplificar e tornar mais eficiente a tributação sobre o consumo no Brasil, atualmente sujeita a cinco tributos de diferentes competências federativas e múltiplas hipóteses de incidência1.

Com a recente apresentação do PLP 68/24 na Câmara dos Deputados, que visa a regulamentar as novas regras previstas na Constituição, surge a necessidade de avaliar os impactos da reforma tributária para os diversos setores da cadeia de consumo, entre eles o setor elétrico.Parte superior do formulário

Composto por diferentes segmentos, desde a geração até o consumo final, passando pela transmissão, distribuição e comercialização, o setor elétrico desempenha um papel fundamental no desenvolvimento do país, sendo um dos mais importantes e estratégicos setores de infraestrutura. Segundo dados divulgados pelo IBGE, a energia elétrica contribuiu positivamente para os resultados do PIB do terceiro trimestre de 2023, tendo as atividades de eletricidade, gás, água, esgoto e gestão de resíduos registrado crescimento de 5,8% na comparação com o mesmo período de 2022.

Dada à sua importância para a economia nacional e para garantir a qualidade de vida da população em geral – a essencialidade da energia elétrica foi, inclusive, reconhecida pela LC 194/22 –, eventual redução da tarifa de energia elétrica traz resultados extremamente positivos para a sociedade, como o aumento da circulação de riqueza2, além de diminuição da inadimplência e do furto de energia.

Com efeito, a tributação da energia elétrica tem impacto direto na formação do preço cobrado do consumidor, uma vez que a carga consolidada de tributos (ICMS, PIS e Cofins) e encargos setoriais representa mais de 40% do valor da tarifa energia elétrica, de acordo com estudo feito pela Acende Brasil em parceria com a Pwc. Por esse motivo, a aprovação da reforma tributária tem levantado uma série de discussões e preocupações no setor elétrico.

Especificamente quanto aos potenciais impactos para o setor elétrico, alguns pontos merecem destaque. O primeiro deles diz respeito à criação do Imposto Seletivo federal, que terá como objetivo desencorajar o consumo de bens e serviços que possam acarretar danos à saúde ou ao meio ambiente, seja por meio da produção, comercialização, importação ou extração desses bens.

Embora a Emenda Constitucional tenha excluído expressamente da incidência do Imposto Seletivo as transações envolvendo energia elétrica, o mesmo poderá incidir nas operações com petróleo, gás e combustíveis fósseis, podendo implicar em aumento dos custos das termelétricas que se utilizam desses insumos, com impactos no preço para o consumidor final.

Outra questão importante diz respeito à possível incidência do IBS e da CBS sobre os encargos setoriais, sobre a TUST - Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão e sobre a TUSD - Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição. Isso porque o PLP 68/24 estabelece que quaisquer valores pagos a título de tributos e preços públicos serão incluídos na base de cálculo do imposto e da contribuição. Ou seja, a menos que haja alguma disposição em contrário no texto aprovado, os encargos setoriais e as tarifas pelo uso do sistema elétrico irão integrar a base de cálculo dos novos tributos, seguindo a mesma linha de raciocínio da recente decisão do STJ no julgamento do Tema 986.

Nesse ponto, cabe destacar que a incidência do IBS e da CBS sobre a TUSD e a TUST pode implicar em bitributação. Isso ocorre porque as transmissoras e distribuidoras de energia elétrica já tributam integralmente suas receitas, incluindo os valores recebidos dos consumidores finais referentes à TUSD e à TUST. Assim, aplicar o IBS e a CBS diretamente sobre essas tarifas resultaria em um duplo pagamento de impostos sobre a mesma base de receita.

Outra importante alteração introduzida pela reforma tributária diz respeito ao REIDI - Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura, benefício bastante utilizado pelo setor elétrico. Embora o REIDI tenha sido mantido pelo PLP 68/24, o benefício poderá sofrer alterações, dentre as quais se destaca o possível fim da co-habilitação de pessoas jurídicas que aufiram receitas decorrentes da execução por empreitada de obras de construção civil, contratadas diretamente pela beneficiária do REIDI.

Como pontos positivos da reforma, destaca-se a determinação de que os novos tributos sigam uma alíquota padrão definida pelo Senado Federal para todos os bens e serviços e sejam fixados por legislação específica de cada ente federativo. Essa mudança traz reflexos positivos para o setor, reduzindo as complexidades operacionais atualmente enfrentadas, uma vez que atualmente cada ente federado define a sua alíquota de ICMS (observado o princípio da seletividade em função da essencialidade definida no Tema 745 da Repercussão Geral e na LC 194/22), gerando altos custos de conformidade fiscal.

Ainda sobre as mudanças positivas introduzidas pelo texto de regulamentação, há a previsão de que a incidência do IBS e da CBS se dará “por fora” (isto é, os tributos não comporão sua própria base de cálculo), representando uma alteração fundamental em relação aos modelos anteriores, que contribuirá para a busca da não cumulatividade plena.

Por fim, outro ponto positivo é a devolução obrigatória do IBS nas operações de fornecimento de energia elétrica ao consumidor de baixa renda, conhecida como "cashback," como uma medida específica para reduzir desigualdades de renda. O PLP estipula que, no momento da cobrança das operações de fornecimento de energia elétrica, a devolução será de 50% para a CBS e 20% para o IBS, cabendo aqui ressaltar a importância de a devolução dos valores ocorrer sem burocracia, na própria conta de energia elétrica.   

Durante o período de transição, é possível que surjam incertezas relacionadas à interpretação e aplicação das recentes normas tributárias. Torna-se importante acompanhar os próximos desdobramentos, especialmente considerando a necessidade de se avançar ainda mais nas questões relacionadas às novas tecnologias e aos aspectos da transição energética.

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1 IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISSQN.

2 Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que uma redução de 10% no valor da tarifa impacta diretamente no aumento do Produto Interno Bruto (PIB) em 0,45% por ano, no mínimo. Link da matéria:

https://portalantigo.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=39296

Bárbara Machado Rodrigues Morais
Advogada do escritório Rolim, Goulart, Cardoso Advogados. Graduanda em Ciências Contábeis pela Universidade FUMEC. Pós-graduada em Direito da Energia pelo Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN). Pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Pós-graduada em Direito Tributário pela Faculdade Damásio. Graduada em Direito pela Faculdades Milton Campos.

Aline Ferreira Fonseca
Advogada do escritório Rolim, Goulart, Cardoso Advogados. Pós-graduanda em Direito do Agronegócio pela Instituição Legale Educacional. Pós-graduada em Direito Tributário pela Escola Brasileira de Direito. Graduada em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva.

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