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Obrigação contraída durante a primeira recuperação judicial: Não sujeição do crédito à segunda recuperação judicial da recuperanda

Com os pedidos de recuperação judicial batendo recordes em 2024, é importante debater questões ainda não tratadas pela lei ou jurisprudência, como a situação do crédito na segunda recuperação judicial do credor de obrigação contraída na primeira recuperação: esse crédito deve ser sujeito ou não aos efeitos da recuperação judicial?

28/6/2024

De acordo com o Indicador de falências e recuperação judicial da Serasa Experian, abril de 2024 registrou 184 pedidos de recuperação judicial, o terceiro maior número desde o início da série histórica da Serasa Experian, em junho de 2005. Esse número só fica atrás de setembro de 2016 (244) e março de 2018 (190)1.

Este aumento reflete o alto endividamento das empresas brasileiras que, nos quatro primeiros meses de 2024, registraram um acréscimo de 80% nos pedidos de recuperação judicial em comparação ao mesmo período do ano anterior, com 685 pedidos contra 382 em 2023. Vale ressaltar que o ano de 2023 já havia mostrado um aumento significativo de 68,7% em relação a 20222.

Entre as empresas que requereram sua recuperação judicial, algumas o fizeram pela segunda vez, como é o caso recentíssimo da Odebrech3, que ajuizou seu segundo pedido em 27.6.24, com um passivo declarado de R$ 90.024.353.876,49, bem como da Oi4 e da OSX5.

Nos casos de haver um segundo pedido de recuperação judicial, surgem questões interessantes e sobre as quais não tem havido muito debate até o momento, considerando que o tema foi pouco enfrentado pela jurisprudência. Uma delas envolve os credores que têm seus créditos constituídos em razão de obrigações contraídas pelo devedor durante a primeira recuperação judicial.

Conforme dispõe o art. 67, caput, da lei 11.101/056, em caso de decretação de falência, os créditos decorrentes de obrigações contratuais contraídas no curso de uma recuperação judicial serão considerados extraconcursais. Essa disposição visa incentivar a concessão de crédito às empresas que estão em recuperação judicial, diante do impacto negativo que o pedido – e a consequente exposição, inclusive em juízo, de sua crise financeira – acarreta à sua imagem e ao seu crédito no mercado. Em outras palavras, o art. 67 da lei (tanto o caput como seu parágrafo único), tem o fim de fomentar as atividades, garantir a função social da empresa e a sua preservação, para contrabalancear o risco suportado pelos credores ao conceder créditos a uma empresa que esteja em recuperação judicial. A intenção de incentivar a concessão de novos créditos ao devedor em recuperação judicial é tão evidente que, mesmo já constando no caput do art. 67 a previsão da extraconcursalidade do crédito concedido após a recuperação judicial, com a reforma da lei 11.101/05 pela lei 14.112/20, os créditos extraconcursais passaram a ter status de “superioridade”, nos termos do art. 84, I-B, da LRF. Isso significa que, após o pagamento das despesas indispensáveis à administração da falência e dos créditos trabalhistas estritamente salariais, vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco salários-mínimos por trabalhador, os recursos disponíveis devem ser utilizados para pagar os valores efetivamente entregues ao devedor em recuperação judicial pelo financiador, conforme disposto na Seção IV-A do Capítulo III da lei 11.101/05.

Entretanto, apesar da motivação do legislador, há uma importante omissão na lei: o que acontece se, ao invés de uma decretação de falência, o devedor ajuizar um novo pedido de recuperação judicial? Este crédito será igualmente considerado não sujeito aos efeitos da recuperação, mesmo que não abarcado pelo disposto no art. 49, §§ 3.º e 4.º, da lei 11.101/05? Seria possível aplicar analogicamente o disposto no art. 67?

Esses questionamentos surgem porque a lei 11.101/05 não trata especificamente de um novo pedido de recuperação judicial. A lacuna ocorre, possivelmente, porque o legislador, ao criar o regime de recuperação judicial, não antecipou a possibilidade de uma empresa necessitar de múltiplas intervenções judiciais para reorganizar suas finanças. Esperava-se que, com a concessão de uma recuperação judicial, a crise econômico-financeira fosse superada. No entanto, como visto, isso não tem ocorrido e novos pedidos de recuperação judicial de empresas já recuperandas têm sido cada vez mais frequentes.

Diante desta situação hipotética, parece-nos que a única solução que condiz com a interpretação teleológica do art. 67 da lei 11.101/05 seja a que reconhece a não sujeição do crédito aos efeitos da recuperação judicial. A interpretação desse dispositivo sugere que a finalidade da lei é proteger os credores que assumem riscos ao conceder crédito a empresas em dificuldades financeiras. Portanto, estender essa proteção aos créditos originados em um novo processo de recuperação judicial, garantindo-lhes a mesma prioridade em caso de falência, ou seja, o status de não sujeição/extraconcursalidade, é coerente com o propósito de incentivar a concessão de crédito durante o processo recuperacional.

Ademais, a aplicação analógica também se justifica pelo princípio da segurança jurídica. Ao estender o entendimento de que o art. 67 da lei 11.101/05 deve ser aplicado para cobrir situações não previstas explicitamente pela lei, supera-se uma lacuna legislativa que possivelmente gerará incertezas e litígios entre credores e devedores. Isso é fundamental para manter a confiança no sistema jurídico e para incentivar investimentos em empresas em dificuldades, sabendo que os créditos concedidos serão protegidos, não só em casos de eventual falência, como também em casos de novos requerimentos de recuperação judicial.

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1 Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/financas/recuperacoes-judiciais-atingem-pico-de-6-anos-em-abril-pequenos-negocios-sao-3-em-cada-4/. Acesso em: 24 jun. 2024, 17:27

2 Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2024/06/6869437-com-endividamento-em-massa-crescem-pedidos-de-recuperacao-judicial.html#google_vignette. Acesso em: 24 jun. 2024, 17:28

3 Recuperação Judicial n. 1100438-71.2024.8.26.0100, ajuizada por Odebrecht Engenharia e Construção S.A., Odebrecht Overseas Limited, Tenenge Overseas Corporation, Cbpo Engenharia Ltda, Oenger S.A., Tenenge Engenharia Ltda., Belgrávia Serviços e Participações S.A., CNO S.A., OEC S.A., OEC Finance Limited, OECI S.A.

4 Recuperação Judicial n. 0090940-03.2023.8.19.0001 (migrado para o PJe n. 0809863-36.2023.8.19.0001), ajuizada por OI S.A., PORTUGAL TELECOM INTERNATIONAL FINANCE BV e OI BRASIL HOLDINGS COÖPERATIEF UA.

5 Recuperação Judicial n. 0132006-60.2023.8.19.0001, ajuizada por OSX BRASIL S/A, OSX BRASIL – Porto do Açu S.A. (“OSX AÇU”) e OSX Serviços Operacionais Ltda. (“OSX Serviços”)

6 Art. 67. Os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo, serão considerados extraconcursais, em caso de decretação de falência, respeitada, no que couber, a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.

Luiz Eduardo de Oliveira Filho
Pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela Faculdade Damásio Educacional. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Advogado do escritório Medina Guimarães Advogados.

Giovanna Ramos Fachini
Advogada no escritório Medina & Guimarães. Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina e pós-graduanda em Direito Civil pela Universidade Estadual de Maringá.

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