Estamos vivenciando tempos novos no cenário de nossa Execução Penal. Trata-se do advento da lei 14.483, de 11/4/24, conhecida como lei sargento PM Dias, que trouxe profundas alterações na execução penal do nosso país, impactando a lei 7.210/84 – conhecida como LEP, além de cerrar à porta para a entrada de garantias constitucionais.
Primeiramente, é importante mencionar que, a referência ao sargento PM Dias decorre de seu prematuro e trágico falecimento em razão de uma perseguição no Estado de Minas Gerais provocada por uma pessoa que estava no benefício da saída temporária, segundo as notícias jornalísticas. Certamente, esta triste circunstância acabou por motivar a célere e polêmica tramitação do PL 2.253/22, que culminou com a edição da lei 14.483, de 2024.
Cumpre esclarecer que, antes das alterações recentes da LEP - lei 7.210/84, as saídas temporárias poderiam ser concedidas a pessoas presas no regime semiaberto que tinham cumprido ao menos 1/6 da pena total, ou 1/4 se eram reincidentes, sendo necessário ter bom comportamento, além de outros requisitos como é o caso da necessidade de se fornecer endereço da residência da família ou do local onde poderia ser encontrado no caso de gozo do benefício. Além do mais, as pessoas, que estavam presas por crimes hediondos com resultado morte, estavam proibidas de alcançar este benefício. Neste contexto, nem todas as pessoas presas no regime semiaberto tinham direito à saída temporária.
Com a nova lei 14.483, as saídas temporárias apenas serão permitidas para estudo ou trabalho externo; pessoas presas por crimes hediondos ou praticados com violência ou grave ameaça à pessoa não terão direito ao benefício, enfim as possibilidades de concessão do benefício foram reduzidas de forma desproporcional e não razoável. Em resumo a saída temporária somente poderá ser concedida para crimes comuns e para estudos, chancelando-se, portanto, a previsão descrita no PL 2.253/22. Para além da violação ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade, identifica-se violação aos princípios da dignidade humana e individualização das penas.
A mudança nos traz preocupação, diante do grande efetivo carcerário brasileiro, formado em sua maioria por pessoas pobres e negras. As mazelas, que envolvem o cárcere em nosso país, fizeram com que o STF reconhecesse o Estado de Coisas Inconstitucional, através da ADPF 347, e, neste contexto a novel legislação caminha de forma oposta. Além disso, há mais! Sabemos, que a pena possui finalidade de ressocialização, e, por certo, a privação de contato da pessoa presa com familiares e o mundo exterior, não contribuirá para atingir este objetivo.
A lei 14.483/24 ao ser levada para sanção, acabou sendo vetada parcialmente, pelo nosso presidente da República, que ressaltou princípios constitucionais inerentes ao assunto. No entanto, a maioria do Congresso Nacional entendeu pela “derrubada do veto presidencial” e, em assim sendo, a saída temporária apenas será permitida para estudos e para pessoas presas por crimes não hediondos, praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa.
A finalidade de ressocialização da pena, resta abalada, pois o percentual de descumprimento das regras da saída temporária não é expressivo. Para além disto, a novel lei não nos trouxe os requisitos para a concessão do benefício, podendo criar uma verdadeira instabilidade jurídica.
Quanto ao exame criminológico a novel lei impõe a sua realização de forma obrigatória para todas as pessoas presas, a fim de que possa haver a progressão de regime, trazendo dificuldades, inclusive, práticas diante da ausência de aparelhamento do Estado para atuar de uma forma célere nesta avaliação. Esta dificuldade, certamente, implicará no retardo para a progressão de regime de penas.
Diante do contexto de violações, de forma acertada, a Associação Nacional de Defensoras e Defensores Públicos promoveu Ação Direta de Inconstitucionalidade, sustentando a necessidade de serem suspensas e declaradas inconstitucionais as alterações provocadas pela lei 14.483, de 2024, sobretudo no que concerne as restrições impostas a saída temporária, bem como quanto a determinação de em todos os casos ser determinado o exame criminológico.
Mais uma vez, repita-se estamos vivenciando um estado de coisas inconstitucional no nosso sistema carcerário, e, são flagrantes as violações de direitos fundamentais das pessoas presas. A manutenção da lei 14.483/24, certamente agravará a situação carcerária no Brasil, pois pessoas presas sofrerão limitações as suas reinserções na sociedade, quer seja diante da restrição à saída temporária, quer seja diante das determinações de exames criminológicos. Tudo isto, sem contar os impactos financeiros aos Estados e à União, em razão do maior tempo da pessoa presa mantida no cárcere.
Por fim, lembramos que não podemos continuar nos afastando de princípios constitucionais tão importantes para nossa sociedade, sob pena de falência de nosso sistema carcerário. As garantias constitucionais atuais devem ser protagonistas de nossos dias, não se podendo cerrar as portas para elas, mesmo que diante de ambiente prisional. Continuemos!