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As penalidades trabalhista aplicáveis aos empregados e o princípio da gradação

O empregador tem o poder disciplinar para aplicar penalidades como advertência, suspensão e demissão por justa causa, essencial para manter a ordem na empresa.

27/6/2024

O empregado que comete irregularidades, descumpre com suas obrigações ou viola as regras empresariais, está sujeito às penalidades trabalhista como advertência, suspensão e, em último caso, ser dispensado por justa causa.

O poder disciplinar, proveniente do poder diretivo, atribui ampla titularidade ao empregador, que invoca a função de garantia de conservação do vínculo laboral, devendo ser utilizado, de forma abalizada, em casos de inadimplemento funcional por parte do empregado.

Nessa conjuntura, tem-se que o poder disciplinar do empregador, consoante catequiza Sérgio Pinto Martins (2024, p. 268):

Não deixa de ser, portanto, o poder disciplinar um complemento do poder de direção, do poder de o empregador determinar ordens na empresa, que, se não cumpridas, podem gerar penalidades ao empregado, que deve ater-se à disciplina e respeito a seu patrão, por estar sujeito a ordens de serviço, que devem ser cumpridas, salvo se ilegais ou imorais. Logo, o empregador pode estabelecer penalidades a seus empregados.

À vista disso, pode-se definir o poder disciplinar como o poder que permite a aplicação de sanções. Dito de outro modo, o poder disciplinar é a faculdade do empregador em apurar infrações e aplicar penalidades disciplinares às pessoas que estão submetidas à autoridade interna da empresa.

O que legitima o poder disciplinar é a existência de um vínculo de sujeição entre empregador e empregado, por essa razão se diz que o poder disciplinar é um desdobramento do poder diretivo.

Nessa senda, as penalidades têm natureza educativa e visam disciplinar o empregado pelo descumprimento de alguma norma interna da empresa. Além disso, a adoção de medidas punitivas objetiva corrigir a conduta imprópria do empregado, bem como evitar que a mesma se repita, esclarecê-lo acerca do comportamento desejável e adequado ao local de trabalho e evitar a inviabilidade da manutenção do próprio contrato laboral.

Usualmente, a doutrina costuma sintetizar as sanções disciplinares aplicáveis ao direito laboral na tríade: advertência (verbal ou escrita), suspensão disciplinar e dispensa por justa causa.

Advertência

A advertência verbal ou escrita é aplicada quando do cometimento de irregularidades de menor gravidade. Trata-se da mais branda das medidas disciplinares previstas, podendo ser equiparada a um simples aviso. 

Não obstante a ausência de previsão na vigente legislação trabalhista que discipline a concessão de advertência, por essa se tratar de construção doutrinária e jurisprudencial, oriunda do poder de direção do empregador, a advertência é utilizada na acepção de alerta e repreensão.

Enquanto alerta, tenciona indicar para o empregado que a atitude que ele cometeu não é aceita e não será admitida novamente. Figura como um aviso, como ciência ao trabalhador acerca da falha cometida.

De outro lado, na acepção de repreensão, a advertência revela-se sancionadora em razão da violação das disposições contidas no contrato de trabalho, em regulamento interno, manual de conduta, código de ética e congêneres.

A advertência, embora possa se dar de forma verbal, recomenda-se que seja realizada por escrito e sempre transcrita no livro ou ficha de registro do empregado, sendo vedado, entretanto, anotações desabonadoras à conduta deste empregado em sua Carteira de Trabalho e Previdência Social, consoante estabelece o art. 29, § 4º da CLT.

A penalidade a ser aplicada dependerá da gravidade da irregularidade cometida, e o empregador deverá atentar para os critérios de razoabilidade e proporcionalidade da medida escolhida. Seria desproporcional, por exemplo, a aplicação de uma suspensão por uma única falta injustificada do empregado. Entretanto, se essa conduta for reiterada, poderá resultar em suspensão ou até mesmo na dispensa por justa causa.

Suspensão disciplinar

A suspensão é uma medida mais severa, se paragonada a advertência. Se adota para os casos de irregularidades de gravidade média ou moderada, seja pela mesma ou por outras condutas faltosas, especialmente quando o empregado já acumula advertências anteriores sem mudança de comportamento. Está prevista no art. 474 da CLT e estatui que, se aplicada por prazo superior a 30 dias consecutivos, importará na rescisão injusta do contrato de trabalho.

Ou seja, se tal suspensão se prolongar por mais de 30 dias consecutivos, o empregador incorrerá em falta grave e o empregado poderá propor uma ação trabalhista pleiteando a rescisão indireta do contrato de trabalho, conforme preceitua o art. 483 da CLT, além da incidência de multa administrativa por infringência ao art. 474 do mesmo Diploma Legal.

A suspensão é uma penalidade trabalhista que tem reflexos financeiros direto ao empregado, uma vez que, os dias em que permanecer afastado do trabalho para cumprir a medida sancionadora poderão ser descontados do seu salário e de quaisquer outros benefícios correspondentes aos respectivos dias de suspensão, bem como na contagem do tempo de serviço, já que estes dias não serão computados.

A medida em comento pode ser aplicada ainda em caso de faltas cometidas durante o cumprimento do aviso prévio, pois esse período integra o tempo de serviço do empregado para todos os efeitos.

Se o empregado chegar atrasado, pode ser aplicada uma advertência. Se ele fraudar um atestado médico por exemplo, pode ser demitido por justa causa. Devem ser levadas em consideração as circunstâncias, como a hipótese de reincidência, a gravidade da conduta e a repercussão no ambiente de trabalho.

Dispensa por justa causa

A dispensa por justa causa é a sanção disciplinar máxima que pode ser imputada ao empregado faltoso, pois acarreta, inevitavelmente, à extinção do contrato de trabalho por culpa do trabalhador, que suportará, nos casos determinados por lei, o ônus da rescisão justificada, e terá seus direitos limitados na rescisão contratual.

A justa causa tem por base uma conduta que retira da relação empregatícia um componente fundamental: a confiança ou o rompimento da fidúcia.

Essencialmente, a dispensa por justa causa consiste em uma justificável exceção ao princípio da continuidade da relação de emprego, e é reservada às faltas que implicam em violação drástica e irreparável das obrigações contratuais assumidas.

Indispensável consignar que, justamente pela gravidade da medida, não é qualquer falha do empregado que autoriza o seu despedimento por justa causa. As hipóteses em que se configura a justa causa tem entendimento praticamente pacificado pela doutrina acerca da sua taxatividade.

Sérgio Pinto Martins (2024, p. 462) declara:

Pelo que se verifica, o art. 482 da CLT é taxativo, sendo que somente as faltas tipificadas no referido comando legal serão passíveis de aplicação de justa causa. Não se trata, portanto, de norma meramente exemplificativa, pois há necessidade de ser descrito o tipo para enquadramento da falta cometida pelo empregado.

Importante esclarecer que, materializada a dispensa por justa causa, o empregado não fará jus ao recebimento das verbas rescisórias das quais teria direito em outras modalidades de rescisão do contrato de trabalho.

Ademais, na justiça do trabalho, o ônus de comprovar o fato ocorrido é do empregador/empresa (art. 818 da CLT), porque esse constitui um fato impeditivo ao direito do empregado de receber suas verbas rescisórias.

Nesse sentido, a cautela a ser adotada é a da investigação interna, da instauração de Sindicância, da obtenção de provas robustas, para que a justa causa seja mantida na justiça do trabalho.

Sem provas, a justa causa tem alto risco de reversão em dispensa sem justa causa, já que o empregado pode questionar judicialmente a proporcionalidade da pena, pleiteando, inclusive, indenização por dano moral.

O princípio da gradação das penalidades

Na dispensa por justa causa do empregado é imperativo que o empregador observe o princípio da gradação das penalidades. As medidas punitivas devem ser adotadas em escala crescente.

Na prática reiterada de condutas faltosas, o empregador deve esgotar as tentativas de adequação do comportamento irregular do empregado. Somente exauridas as medidas sancionatórias de menor e média gravidade, e permanecendo a conduta falha do empregado, restará autorizada a sua dispensa por justa causa, nos moldes do art. 482 da CLT.

Nessa quadra, a jurisprudência pátria exala:

DISPENSA POR JUSTA CAUSA. GRADAÇÃO DA PENA. A despedida por justa causa caracteriza-se como a mais grave penalidade aplicada ao trabalhador e, por tal razão, deve ser admitida somente quando comprovada, de forma robusta, a ocorrência de falta grave o suficiente para quebrar, definitivamente, a fidúcia inerente ao contrato de trabalho. Além disso, o poder disciplinar da empregadora impõe-lhe a observância da gradação de penalidade, oferecendo ao trabalhador a chance de se retratar em decorrência das punições pedagógicas a ele aplicadas. Inobservadas tais premissas, torna-se inadequada a justa causa aplicada. (TRT-3 - RO: 00122254820175030131 MG 0012225-48.2017.5.03.0131, relator: des. Antonio Gomes de Vasconcelos, Data de Julgamento: 18/11/21, 11ª turma, Data de Publicação: 19/11/21.)

Sob outro enfoque, sendo a irregularidade extremamente grave, é possível que haja aplicação de justa causa por ato único, sem necessidade de histórico de penalização anterior, podendo ser afastada a observância à gradação das penalidades, tornando justificável a demissão por justa causa pelo empregador.

 À vista disso, a terceira turma do TRT-11, em sede de recurso ordinário, fundamentou:

RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. JUSTA CAUSA. CARACTERIZAÇÃO. PROVA ROBUSTA. DESNECESSIDADE DE GRADAÇÃO DA PENA. A despedida por justa causa é uma medida extrema, derivada de ato ou conduta faltosa do empregado que torna inviável a continuidade do contrato de trabalho. Para aplicá-la, exige-se prova robusta da falta grave alegada, sendo desnecessária a gradação da pena (advertência e suspensão) se evidenciada a gravidade da conduta. Verificando-se que, diante do contexto fático-probatório, a reclamada logrou provar o ato ensejador da rescisão por justa causa, bem como o próprio reclamante não nega a prática do ato, não há, portanto, como reverter a ruptura contratual para demissão imotivada. Nada a reformar. Recurso conhecido e não provido. (TRT-11 00005412420225110004, relator: MARIA DE FATIMA NEVES LOPES, 3ª turma)

Logo, em vias gerais, aplicam-se as medidas punitivas pelo princípio da gradação das penas, sendo dispensável aos casos de faltas graves.

Considerações finais

Para se definir a penalidade a ser aplicada ao empregado, imprescindível considerar as políticas da empresa, o histórico de penalidades do empregado e a gravidade da conduta praticada. O empregador deve avaliar as circunstâncias do caso concreto e aplicar a sanção que seja compatível com a conduta irregular praticada pelo empregado.

Não existe uma uniformização de quantas advertências aplicar para o empregado receber a suspensão ou quantas suspensões são necessárias para o empregado ser dispensado por justa causa. O que se deve considerar, na aplicabilidade de sanções é a existência de preceitos claros, bom senso do empregador e atendidos os critérios da proporcionalidade, da razoabilidade e da imediatidade.

Imperioso enfatizar que não há prazo de validade e nem de prescrição para advertências e suspensões. Essas penalidades permanecem no histórico do empregado pelo tempo em que durar o contrato de trabalho com a empresa.

Como já dito alhures, não pode haver anotação das penalidades na Carteira de Trabalho do empregado. Também não são permitidas sanções envolvendo pagamento de multas, transferências punitivas, rebaixamento de função ou redução de remuneração.

No tocante a imediatidade, em regra, a penalidade deve ser aplicada tão logo a empresa tenha conhecimento dos fatos. Caso não o faça, pode ficar caracterizado o perdão tácito e a penalidade pode ser invalidada na justiça do trabalho.

Entretanto, em casos específicos, é possível que tal fato exija investigação interna antes da aplicação da medida, o que justifica a não aplicação da penalidade de imediato, como ocorre, por exemplo, com sindicâncias de apuração de falta grave.

Outrossim, a empresa deve escolher uma penalidade apenas para aplicar à irregularidade, sendo vital o apoio jurídico nessa decisão, pois é vedado pelo ordenamento jurídico a aplicação de duas penalidades distintas para o mesmo fato. E se o trabalhador se recusar a receber a comunicação da penalidade imposta, sem justo motivo, duas testemunhas da recusa na assinatura pelo empregado, podem assinar o documento em local apropriado, inserindo o ocorrido no rodapé da comunicação.

É fundamental que as empresas tenham suas regras bem definidas em regulamento interno, manual de conduta, código de ética e afins, possibilitando que os empregados conheçam as normativas e se comportem dentro dos padrões estabelecidos, evitando, assim, sofrerem punições pela violação das regras empresariais.

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1 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 40. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024.

Nádia Fonseca
Advogada. Especialista em Advocacia Trabalhista e Compliance, Direitos Humanos e Fundamentais, Ambiental, Propriedade Industrial, Execução Fiscal e especializanda em Família e Sucessões (EBRADI).

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