Recentemente, o STF, por meio do Tema 865 de Repercussão Geral, decidiu se o pagamento em precatório ofende a justa e prévia indenização expropriatória, insculpida no artigo 5º, XXIV1 da Constituição Federal, levantando diferentes pontos de vista e propondo teses que impactam diretamente os direitos dos expropriados e a ordem econômica e jurídica do país.
A questão foi analisada no RE 922.144, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, em que se discute se a diferença apurada entre o valor de depósito inicial e o valor efetivo da indenização final deve ser paga mediante depósito judicial ou pela via do precatório, nos termos do art. 1002 da Constituição Federal.
O recurso extraordinário em questão trata de uma desapropriação por utilidade pública realizada pelo município de Juiz de Fora/MG para a construção de um hospital público. Inicialmente, o município propôs a ação de desapropriação mediante a oferta de R$ 834.306,52, que, depositada em favor da parte expropriada, possibilitou a imissão provisória na posse imóvel.
Após a instrução processual, o valor da indenização foi fixado em R$ 1.717.000,00, a ser acrescido de correção monetária, juros de mora, juros compensatórios e honorários.
Atualmente, a regra vigente é que a diferença havida entre a indenização fixada e o depósito inicial de R$ 834.306,52 deve ser paga via precatório judicial, mas a decisão foi objeto de recurso de apelação pela parte expropriada, cuja irresignação se resume à necessidade de pagamento da indenização via depósito judicial.
É de conhecimento geral que o procedimento de pagamento mediante precatório é demasiadamente demorado, e a alegação do proprietário do imóvel atingido pelo hospital público foi no sentido de que a necessidade do precatório violaria o direito constitucional à justa e prévia indenização.
O TJ/MG manteve a sentença e, quando o tema chegou ao STF, foi reconhecida a repercussão geral da matéria. Segundo entendimento do ministro Luís Roberto Barroso, no caso em discussão, estão contrapostos o direito fundamental à indenização prévia e uma norma estruturante da ordem orçamentária e financeira nacional, o regime de precatórios, evidenciando a natureza constitucional da questão.
Após amplo debate, por maioria, o STF fixou a seguinte tese: "No caso de necessidade de complementação da indenização, ao final do processo expropriatório, deverá o pagamento ser feito mediante depósito judicial direto se o Poder Público não estiver em dia com os precatórios”.
No voto proferido pelo relator ministro Luís Roberto Barroso, este reconheceu que nas situações em que o ente expropriante não estiver em dia com os precatórios, a indenização ao final do processo judicial de desapropriação ou servidão não se caracterizaria como prévia, justamente em razão da conhecida demora do pagamento dos precatórios, devendo, portanto, ser paga mediante depósito judicial direto.
Essa decisão do STF é inédita e altera a dinâmica dos fluxos de pagamentos de indenizações expropriatórias, visando a evitar a demora excessiva no recebimento da indenização pelos expropriados, a fim de proteger direitos constitucionalmente garantidos, sobretudo, o direito à propriedade privada.
O ministro também destacou a necessidade de modulação dos efeitos da decisão, para que ela se aplique apenas às desapropriações propostas a partir da publicação da ata da sessão de julgamento, preservando as situações já em curso em que se discuta a constitucionalidade do pagamento da indenização via precatório judicial.
O entendimento do Relator se fundamenta em uma interpretação que busca garantir a efetividade do direito à justa e prévia indenização, previsto no citado art. 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal. Ele argumenta que o atual modelo de desapropriação é injusto com o proprietário do bem expropriado, pois perde a posse do bem no início do processo com um depósito muitas vezes abaixo do valor de mercado e, após o trânsito em julgado da ação, o pagamento por precatório geralmente não é cumprido pelo Poder Público no prazo estabelecido.
Além disso, Barroso aponta que o modelo atual também não é eficiente para o Poder Público, pois o longo trâmite pode resultar no pagamento de indenizações superiores ao valor de mercado do bem expropriado, devido ao acúmulo no tempo da aplicação dos juros compensatórios.
Diante disso, o ministro Barroso conclui que nos casos em que o ente expropriante estiver em atraso no pagamento de precatórios, a diferença entre o valor inicialmente depositado e o valor final da indenização não deve ser paga por precatório, mas sim por depósito judicial, em respeito à natureza prévia da indenização.
Por outro lado, o ministro Gilmar Mendes divergiu da tese sugerida pelo relator, sob o entendimento de que a legislação infraconstitucional é clara no sentido de que o pagamento da indenização deve se submeter ao citado art. 100 da CF, na forma do art. 15-B3 decreto-lei 3.365/41.
Gilmar Mendes conclui que o pagamento da indenização deveria se consubstancia no princípio orçamentário, ou seja qualquer dispêndio de recurso público deve estrita observância à lei orçamentária e, não havendo previsão legal, não é cabível ao Poder Judiciário determinar, nas ações expropriatórias, o pagamento da indenização por meio de depósito judicial.
Por fim, o ministro Gilmar Mendes votou pelo desprovimento do recurso extraordinário e propôs a seguinte tese de repercussão geral: “o pagamento, em dinheiro, da complementação do depósito prévio ou do valor indenizatório fixado em ação de desapropriação, ocorrerá por meio de precatório, salvo nos casos em que a lei prevê expressamente que o pagamento deva ocorrer por meio de título da dívida”.
O ministro Edson Fachin votou no mesmo sentido do relator ministro Roberto Barroso, discordando do voto de divergência do ministro Gilmar Mendes, sob a observação de que invocar o direito orçamentário como óbice para a garantia fundamental revela, tão somente, um entrave burocrático.
Muito embora tenha aderido ao voto do Relator, Fachin entendeu que o pagamento da indenização expropriatória por meio do regime de precatórios, ainda que o ente público esteja em dia com os pagamentos, não assegura a proteção da garantia fundamental da indenização prévia.
Assim, propôs a seguinte tese: "No caso de necessidade de complementação da indenização, ao final do processo expropriatório, deverá o pagamento ser feito mediante depósito judicial, que é compatível com a Constituição, sem submissão ao regime de precatório, previsto no art. 100, CRFB”.
Não obstante os votos divergentes dos ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin, o Plenário do STF decidiu por maioria que o pagamento das diferenças entre os valores de avaliação inicial e final do bem desapropriado deve, em regra, ser feito mediante precatório, se o ente público estiver em dia com essa despesa. Para o Supremo Tribunal, a utilização do precatório não viola o direito de propriedade do particular, desde que a administração pública não esteja atrasada com a inclusão das verbas necessárias para o pagamento no orçamento do ano seguinte.
Contudo, caso o Estado não realize esses pagamentos com a regularidade exigida, deverá fazer o depósito judicial direto do valor da diferença, uma vez que o atraso excessivo em pagar esse débito limita o direito de propriedade do particular, em um “calote disfarçado”.
A decisão do STF no Tema 865 de Repercussão Geral estabelece parâmetros claros para o pagamento da indenização em casos de desapropriação, pois a tese adotada busca conciliar os direitos do expropriado com a necessidade de respeitar a ordem de pagamento dos precatórios, garantindo, assim, a segurança jurídica e a efetividade do direito à indenização.
O acórdão foi objeto de embargos de declaração por parte do município de Juiz de Fora, para questionar porque o pagamento da indenização discutida no caso concreto deve ser realizado por meio de depósito judicial, tal como constou na decisão, se restou comprovado que o ente municipal se encontra em dia com os seus precatórios, em evidente hipótese de exceção à regra da tese fixada.
Também houve determinação de modulação dos efeitos da decisão, para que sua eficácia temporal das teses estabelecidas nela sejam aplicadas somente às desapropriações propostas a partir da publicação da ata de sessão do seu julgamento, ressalvadas as ações judiciais em curso em que se discuta expressamente a constitucionalidade do pagamento da complementação da indenização por meio de precatório judicial.
Por mais que ainda esteja pendente o julgamento desses embargos, analisando a questão em termos práticos, conclui-se que temos uma decisão que impõe nova dinâmica do pagamento de indenizações expropriatórias, permitindo aos proprietários de imóveis atingidos por obras públicas serem pagos de forma mais célere: por precatório, se o ente público estiver em dia ou por depósito judicial, se o ente público estiver atrasado.
Assim, revela-se verdadeiro avanço na condução das ações de desapropriações e servidões, de tal modo que ficaram mais acomodados os princípios constitucionais da ordem orçamentária e financeira do Estado e da prévia e justa indenização expropriatória, conferindo maior segurança jurídica aos proprietários de imóveis afetados à prestação de serviços públicos e também maior previsibilidade aos entes públicos, na medida em que a decisão confere agilidade aos pagamentos de indenizações, reduzindo o tempo de aplicação dos juros compensatórios.
1 “Artigo 5º. (...) XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;”
2 “Artigo 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.”
3 “Artigo 15-B Nas ações a que se refere o art. 15-A, os juros moratórios destinam-se a recompor a perda decorrente do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada na decisão final de mérito, e somente serão devidos à razão de até seis por cento ao ano, a partir de 1o de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição.”