A discussão sobre a autonomia do Banco Central do Brasil retorna à pauta econômica do País. Após a aprovação da Lei Complementar 179, de 24 de fevereiro de 2021, que conferiu à instituição autonomia operacional, Proposta de Emenda Constitucional (PEC 65/23), de autoria do Senador Vanderlan Cardoso (PSD/GO), prevê o estabelecimento de autonomia orçamentária e financeira, alçando o Banco Central a um patamar de governança equivalente ao de instituições congêneres em nações desenvolvidas.
De fato, a autonomia é um dos atributos mais importantes do regime institucional de Bancos Centrais modernos. Por essa razão, o tema está entre os mais relevantes da economia contemporânea, e foi considerado pelo professor Davide Romelli a "espinha dorsal da análise moderna da política econômica."1
No contexto da alteração proposta para o regime do Banco Central do Brasil, é oportuno discorrer sobre os impactos e benefícios decorrentes da medida para a economia do País, sublinhando, previamente, o perfil da instituição, a fim de balizar a discussão.
No Brasil, o Banco Central exerce diversas atribuições além daquelas típicas de um Banco Central clássico. Realmente, além da execução da política monetária e cambial, a instituição é responsável, entre outras, por regular e supervisionar as instituições do mercado financeiro e as operações realizadas nesse mercado; aplicar, quando cabível, penalidades previstas em lei; autorizar o funcionamento dessas instituições; e atuar em processos de intervenção e liquidação extrajudicial de instituições financeiras, nos termos previstos pela lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964, e legislação complementar.
Além disso, com base em seu mandato legal, conduz agendas de enorme relevância para o progresso socioeconômico do País, como a regulação do microcrédito, do cooperativismo de crédito, o fomento da inclusão e da educação financeiras e a promoção da sustentabilidade no sistema financeiro.
O amplo conjunto de atribuições do Banco Central no Brasil é uma de suas características mais notáveis e confere à instituição instrumentos para a efetividade de suas ações em prol do desenvolvimento da economia e, especialmente, do Sistema Financeiro Nacional.
No entanto, com as mudanças econômicas ocorridas no País e no mundo nas últimas décadas e a evolução do regime institucional de Bancos Centrais em diversas jurisdições, deu-se início, a despeito da robustez de seu arcabouço legal, à discussão sobre formas de aprimorar o funcionamento da instituição. Entre as propostas, ganhou destaque o debate sobre a sua autonomia, em linha com experiências internacionais bem-sucedidas.
A esse respeito, é importante lembrar, inicialmente, que, ao longo de sua história, o Banco Central nunca deixou de experimentar mudanças e promover avanços institucionais e organizacionais. Nos últimos anos, assumiu novas atribuições, passando a regular e supervisionar novas instituições, como as "fintechs"; adotou e implementou modernas metodologias de planejamento e de gestão de projetos, a exemplo da Agenda BC#; finalmente, atuou como regulador e promotor de inovações no mercado financeiro, lançando o Open Finance, o Pix e, mais recentemente, o Drex. A autonomia, porém, seria uma mudança estrutural sem precedentes, que proporcionaria à instituição condições ótimas para o exercício de seus mandatos constitucional e legal.
Essencialmente, a autonomia pode ser entendida como a faculdade concedida ao Banco Central para implementar políticas visando ao cumprimento do seu mandato sem interferência do Governo.2 Estudiosos apontam que o grau de autonomia de cada instituição pode ser aferido de acordo com vários critérios, tais como autonomia quanto ao Chefe do Executivo; orçamento próprio, com competência para execução financeira de suas despesas; e possibilidade de concessão de empréstimos aos Governos.3 Sob essa perspectiva, pode-se afirmar que o regime de um Banco Central apresenta especificidades conforme a legislação de cada país, a qual deverá disciplinar aspectos da autonomia observadas tais circunstâncias.
Por sua vez, organismos e instituições internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Central Europeu, destacam a importância da autonomia para Bancos Centrais executarem sua política monetária de forma técnica, amparados por previsibilidade e segurança em seus processos de planejamento e de execução orçamentária e financeira. Estudos indicam, a propósito, que tais instituições vêm aumentando seu grau de autonomia em todo o mundo nos últimos 50 anos.4 Desta forma, o regime propiciaria aos Bancos Centrais maior capacidade de gerir as expectativas de inflação e de controlá-la, além de aumentar as possibilidades de ação em cenários de crises financeiras, entre outros benefícios.
Em linhas gerais, como já destacou o Banco Central em Nota, a autonomia visa a "separar o ciclo político do ciclo de política monetária", estando associada a "níveis mais baixos e menor volatilidade da inflação – sem prejudicar o crescimento econômico". Além disso, ainda segundo a instituição, "as evidências também indicam que a maior autonomia do Banco Central contribui para a estabilidade do sistema financeiro."5
Nesse contexto, a Lei Complementar 179, de 2021, conferiu ao Banco Central autonomia operacional, estabelecendo, entre outros comandos, mandatos para os membros de sua Diretoria Colegiada. À época da edição da mencionada Lei, porém, a discussão sobre a autonomia orçamentária e financeira não avançou no Congresso, muito embora tal condição estivesse prevista em seu art. 6°. Assim, a PEC 65/23 foi proposta com a finalidade de formalizar a autonomia plena da instituição, suprindo essa lacuna.
Relevante salientar que a autonomia financeira e orçamentária, nesse cenário, se refere principalmente à capacidade de o Banco Central gerir suas receitas, baseadas em orçamento próprio, para cumprir sua missão institucional, observando, inclusive, as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. O novo regime tornará efetiva a condição prevista no mencionado art. 6º da Lei Complementar 179, de 2021, eliminando o vínculo com Ministério ou outro órgão da Administração Pública, bem como eventual tutela ou subordinação hierárquica.
Tais alterações, no entanto, não implicarão ausência de controle sobre a instituição, já que dispositivo da PEC 65/23, estabelece que caberá ao Congresso Nacional o exercício da fiscalização sobre o Banco Central, com apoio do Tribunal de Contas da União.
Há muitos aspectos decorrentes da autonomia ainda em discussão, inclusive de natureza infraconstitucional, os quais envolvem decisões políticas e a construção de soluções técnicas que viabilizem o novo regime. Assim, caberá ao legislador, respeitados determinados princípios e categorias constitucionais e legais, estabelecer formas, institutos e regimes jurídicos aptos a suportar o novo Banco Central ora em gestação.
A propósito, o Parecer do Senador Plinio Valerio (PSD/AM) aprimorou o texto original da PEC 65/23, dispondo sobre o regime previdenciário dos funcionários do Banco Central empresa pública e os princípios aplicáveis a processo administrativo destinado a apurar falta grave de integrante do quadro próprio e permanente da instituição, entre outros comandos.
Por fim, a concessão da autonomia financeira e orçamentária ao Banco Central seria um dos mais importantes marcos na história da instituição, contribuindo para seu aperfeiçoamento frente aos desafios de um mercado financeiro cada vez mais tecnológico, complexo e globalizado. Além disso, especificamente, daria à instituição condições para modernizar a gestão de projetos e serviços essenciais à sociedade brasileira, como o Pix, permitindo-lhe avançar em sua agenda de inovações em prol de um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo, além de fortalecer sua atuação para assegurar a estabilidade de preços e fomentar o bem-estar econômico da sociedade.
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1 https://cepr.org/voxeu/columns/recent-trends-central-bank-independence. Acesso em: 2 de abril de 2024.
2 Organização para Cooperação para o Desenvolvimento (OCDE). In: https://www.oecd-ilibrary.org/sites/97bb0aad-en/index.html?itemId=/content/component/97bb0aad-en. Acesso em: 28 de março de 2024.
3 Tobias Adrian, Ashraf Khan e Lev Menand. Uma nova medida de independência de banco central. Fundo Monetário Internacional: Trabalhos para discussão. 2024.
4 Davide Romelli. In: https://cepr.org/voxeu/columns/recent-trends-central-bank-independence. Acesso em: 2 de abril de 2024.
5 Nota sobre a autonomia do Banco Central do Brasil. In:
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As opiniões expressas no texto são exclusivamente do autor e não refletem, necessariamente, a visão da instituição à qual se vincula.