Dentro do conceito analítico de crime, a teoria tripartida, predominante na Europa e na América Latina, compreende que o crime é um fato típico, antijurídico e culpável.
Crime, no conceito analítico é fato típico, antijurídico e culpável.
Não importando a corrente (causalista, finalista ou funcionalista), o delito tem três elementos indispensáveis à sua configuração, dando margem à condenação.
Sem qualquer um deles, o juiz tem suporte para absolver.
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Fato típico: amolda-se o fato real ao modelo de conduta proibida previsto no tipo penal (ex.: matar alguém art. 121, CP).
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Antijurídico: contraria o ordenamento jurídico, causando efetiva lesão a bem jurídico tutelado.
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Culpável: merecedor de censura, pois cometido por imputável (maior de 18 e mentalmente são), com conhecimento do ilícito e possibilidade plena de atuação conforme o Direito exige1.
Do ponto de vista da Psiquiatria Forense e da Psicologia Jurídica, é possível analisar tecnicamente o elemento da culpa. Não tratam dos elementos típico e antijurídico por não fazer parte direta da atuação profissional na área das Neurociências Forenses, Clínica Médica, Medicina Legal.
Segundo Taborda, Chalub e Costa (2016, p. 2022), em explicação fundamental sobre o tema:
Para bem realizar uma perícia de imputabilidade penal, o psiquiatra deve ter uma clara noção do conceito de crime, pois assim poderá entender melhor os limites e a finalidade do ato que realizará. As definições de crime entre os tratadistas de direito penal, como se pode imaginar, são abundantes, mas, de uma forma ou outra, convergem para a ideia de que crime é toda a ação ou omissão, típica, antijurídica e culpável. Nessa construção simples estão contidos seus principais elementos definidores, com os quais os operadores do direito se devem haver.
Assim, para que haja crime é necessário que:
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o fato lesivo decorra de uma ação ou omissão humanas
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que o fato praticado seja típico, isto é, previamente descrito na lei penal
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que seja antijurídico, uma vez que alguns fatos típicos podem não ser antijurídicos, como, por exemplo, matar alguém em legítima defesa
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que o ato seja culpável, tanto pela modalidade dolo quanto pela culpa
Dos elementos descritos, deflui que se pode vislumbrar na estrutura do conceito de crime um componente objetivo e outro subjetivo. A parte objetiva compõe-se da tipicidade e da antijuridicidade. Se apenas essas duas variáveis se fizerem presentes, já se pode afirmar que, sob um ponto de vista estritamente material, ocorreu um delito. Tome-se como exemplo matar alguém sem estar ao abrigo de uma excludente de antijuridicidade (estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular de um direito ou estrito cumprimento do dever legal). O ilícito em si houve, mas isso não implica que obrigatoriamente o agente será responsabilizado na esfera penal. É necessário, para tal, que o elemento subjetivo também marque presença. Entretanto, antes de perquirir se o acusado agiu com dolo ou culpa – a culpabilidade –, é necessário que se estabeleça a capacidade de imputação – ou imputabilidade – dessa pessoa. Assim, temos que o elemento subjetivo do delito é formado pelo binômio imputabilidade + culpabilidade. Com essa “equação do crime” em mente, ficam mais claros para o perito os objetivos e limites de sua atuação ao realizar uma perícia de imputabilidade penal. (Grifo nosso)
De forma sintética, a inimputabilidade é considerada quando ao tempo da ação, o acusado estava manifestando transtorno mental, com uma relação de causalidade entre os sintomas apresentados e o ato infracional, que comprometeram de forma total ou parcial sua capacidade de entender e/ou de determinar-se diante de sua conduta criminosa.
Um exemplo de sujeito inimputável, seria aquele que em surto psicótico comete homicídio sob comando de vozes derivadas de suas alucinações. Outro caso, de semi imputabilidade, poderia ser o de um dependente de álcool que agride o pai, quando estava com capacidade de determinação comprometida por síndrome de abstinência grave, com alteração do humor e da impulsividade.
Sobre a culpa, além do aspecto da inimputabilidade, o Psiquiatra Forense e o Psicólogo Jurídico devem considerar o erro de proibição e a exigibilidade de conduta diversa:
Para ser responsabilizado o sujeito deve possuir capacidade de culpabilidade, possibilidade de compreender a proibição em suas circunstâncias de vida e mínima liberdade, diante das circunstâncias, para deliberar entre a prática ou não de uma infração penal.
Prevalece, assim, que são estruturas da culpabilidade (a) a imputabilidade, (b) a potencial consciência da ilicitude e (c) o erro de proibição.
Prevalece no Brasil a proposta finalista, que tem como estratos a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.
Apesar do farto desenvolvimento das três categorias na doutrina, nos tribunais o juízo de culpabilidade costuma se basear apenas no juízo de imputabilidade, enquanto o erro de proibição é pouco lembrado e a exigibilidade de conduta diversa praticamente esquecida.
O erro de proibição se dá quando o agente supõe praticar uma conduta legal ou legítima, mas que em verdade configura ilícito penal, ou seja, quando o autor carece da consciência da ilicitude do fato, não sabe realmente o que faz.
Um exemplo de erro de proibição poderia ser quando a acusada, com comprometimento cognitivo, não demonstrou comportamentos que indicassem que planejou acusado crime, não teve condições intelectuais para interpretar o que estava fazendo como ato ilícito.
Exigibilidade de conduta diversa, corresponde a que a normalidade das circunstâncias do fato exige comportamento de acordo ao direito, confere ao sujeito o poder de não fazer o que faz.
A anormalidade das circunstâncias do fato que fundamenta a inexigibilidade de comportamento diverso incide sobre situações de exculpação concretas, nas quais atua um autor culpável ou reprovável que, contudo, deve ser ex- ou desculpado porque o limite da exigibilidade jurídica é determinado pelo limiar mínimo de dirigibilidade normativa ou de motivação conforme a norma, excluída ou reduzida em situações de exculpação legais ou supralegais.
O recurso da exculpante da inexigibilidade de conduta diversa se dá pelo Direito não pode punir aquele que não podia optar por agir diferente, que infringe a lei para não sacrificar a própria integridade ou a própria vida.
É aplicado no caso de excesso na legítima defesa, em que o sujeito erra sobre a intensidade da agressão, utilizando meio de defesa superior ao necessário; ou erra sobre a atualidade da agressão, que ainda não é atual ou já não é mais atual.
Um exemplo de excesso na legítima defesa seria o de um acusado de homicídio, que no momento do ato se encontrava com quadro ativo de delírio de ciúmes. Após ser insultado de forma repetida em discussão com companheira, e esta afirmar que o estava deixando, absolutamente tomado por suas emoções, a esfaqueia sem nenhum sinal que tenha sido premeditado.
Esse comportamento excessivo é resultado instinto de conservação, ativado pelo medo, susto ou perturbação, que produzem uma reação fisiológica similar a de “lutar ou fugir” para garantir a sobrevivência. Faz com que a ação ocorra antes mesmo do processamento adequado da situação. Vide artigo destes autores sobre sequestro emocional para compreender como as Neurociências explicam este fenômeno.
As outras situações que implicam na exculpação legal a coação irresistível, que são condições que impedem a livre determinação da vontade; e a obediência hierárquica, que impõe uma pressão psicoemocional excepcional que chega a limitar a capacidade do indivíduo para cumprir a lei.
Aqui também cabe ressaltar que as causas de exclusão da antijuridicidade estão previstas no artigo 23 do Código Penal:
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
- em estado de necessidade;
- em legítima defesa;
- em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
De maneira resumida, a Psiquiatria Forense e a Psicologia Jurídica excluem o elemento culpa de acordo com as seguintes metodologias:
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Perfil Criminal, análise sistemática, complexa e constituída por elementos da identificação de evidências comportamentais e decorrentes da criminalística.
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Coerência Biográfica, que avalia o quão lógico um ato jurídico, do passado, esteve em relação ao comportamento do sujeito ao longo de vida, ou seja, a congruência entre o estado considerado normal da pessoa e o apresentado no momento de determinado ato investigado.
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Correlação de perfil biopsicossocial do crime disposto na acusação com o do Avaliado, por exemplo, a correlação entre o perfil de abusadores sexuais e o perfil psíquico e de histórico comportamental do acusado.
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Avaliação da presença do critério biopsicossocial para caracterização de inimputabilidade ou semi imputabilidade penal.
Assim, a partir dos elementos descritos, entende-se que apesar de ter ocorrido objetivamente o ilícito, pode ser que o Avaliado em perícia Psiquiátrica Forense e Psicológica Jurídica não tenha agido com dolo ou culpa, logo que a culpabilidade estava ausente, podendo em casos de inimputabilidade ser indicada a medida de segurança, atualmente regulada pela Resolução 487 do CNJ, que prevê a aplicação do modelo antimanicomial no contexto judiciário.