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Impugnação ao edital e indisponibilidade do interesse público

O prazo de até três dias para impugnação ao edital, previsto no art. 164 da lei 14.133/21, é mínimo e não pode ser amesquinhado pelo licitante em favor de interesses privados.

13/6/2024

O prazo de até três dias previsto no art. 164 da lei 14.133/21 para impugnação ao edital é um prazo mínimo para a análise a ser feita pela administração pública.

Nesse sentido, o particular licitante NÃO tem o direito de amesquinhar o prazo, que já é exíguo, em detrimento do interesse público, privilegiando interesses meramente privados.

Nesse sentido já decidiu o egrégio TJ/PR acerca do prazo (de dois dias da lei anterior) mas cujo sentido da expressão “até” é exatamente o mesmo da lei atual. Assim:

“EMENTA 1) DIREITO ADMINISTRATIVO. PREGÃO ELETRÔNICO. PRAZO PARA IMPUGNAÇÃO DO EDITAL. PREVISÃO EXPRESSA DO EDITAL. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. IMPOSSIBILIDADE. a) A previsão no instrumento convocatório dispondo que o prazo para impugnações ao edital era de até dois dias úteis antes da data da sessão diz o que diz: Que deverá haver um interregno de dois dias úteis antes da sessão de julgamento para que o pregoeiro possa, em até 24 horas, decidir a respeito. b) Assim, a princípio, a disposição do edital não comporta a interpretação pretendida pelo Licitante, de que a expressão “até” permitiria a interposição de agravo de instrumento 0050633-67.2018.8.16.0000 recurso “inclusive” no decorrer do segundo dia útil anterior à sessão de abertura e julgamento, ampliando, para conveniência sua, o lapso temporal para as impugnações. 2) AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.”
(Processo 0050633-67.2018.8.16.0000, relator(a): Des. Leonel Cunha, 5ª Câmara Cível, data de julgamento: 30/9/19, data de publicação: 3/10/19 – grifos nossos).

Não podemos perder de vista que o edital - como todo ato administrativo - goza da presunção de legitimidade típica dos atos da administração pública e como tal deverá permanecer, salvo ordem judicial ou reconhecimento pela própria administração.

O prazo deve ser contado retroativamente sem perder de vista que a expressão até significa o exíguo prazo de que dispõe a administração pública para analisar e decidir sobre a impugnação ao edital.

Além disso, o prazo é contado retroativamente, ou seja o termo inicial é o dia do pregão que, portanto deverá ser excluído.

O prazo final numa contagem retroativa deve ser interpretado, obviamente, da mesma maneira retroativa. Portanto, se na contagem prospectiva (normal, para o futuro) o termo final do prazo termina às 23:59:59 do dia do prazo, o prazo retroativo terminará não no final, mas no exato início, ou seja, 00:00:00 do dia do prazo.

O prazo final na contagem prospectiva termina no último átimo temporal do dia. O prazo final da contagem retroativa, inversamente, termina no primeiro átimo temporal do último dia do prazo.

Se o prazo na contagem prospectiva termina no seu final, a contagem do prazo retroativo termina exatamente no seu início em razão da simetria da inversão da contagem do tempo.

Se o licitante inclui o último dia do prazo acaba por fazer interpretação extensiva não admitida pelo sistema jurídico diante da interpretação teleológica da norma.

A interpretação teleológica, ou seja, a finalidade da norma é estabelecer um prazo mínimo para a administração pública e não para o particular.

Desta forma,  quando o licitante apresente a impugnação no decorrer do terceiro dia útil imediatamente anterior ao pregão designado estará “concedendo” à administração pública o prazo de dois dias, determinadas horas e determinados minutos, mas não os três dias mínimos para a administração pública.

O princípio da indisponibilidade do interesse público não autoriza que haja essa confusão entre interesse público e interesse privado para privilégio do interesse privado.

Robert Alexy1 ensina que os princípios tem superioridade axiológica orientando a interpretação das normas que, por definição, tem menor estatura jurídica/valorativa.

No mesmo diapasão, Carlos Maximiliano2 no sentido de que a interpretação sistemática é a mais adequada para a interpretação das normas. Logo, a regra dos três dias deve ser interpretada sob a ótica do interesse público e não sob a ótica do interesse meramente privado.

Sérgio Buarque de Holanda faria sua versão jurídica de “Raízes do Brasil” (editora José Olympio) se descrevesse essa anomalia do direito administrativo que se pretende criar prazos criados para o Poder Público interpretados sob a ótica exclusiva dos interesses privados. A confusão entre “público e privado” ficaria escancarada e cristalizada nas urbes que seriam meros “puxadinhos” subservientes aos santificados interesses privados.

Da mesma forma Gilberto Freyre em sua obra “Casa-Grande e Senzala” (editora José Olympio) teria novo material de estudo diante da reprodução do modelo de cooptação dos pregoeiros como “mucamas” da casa-grande renascida sob as vestes da empresa licitante.

O licitante poderá participar da licitação mesmo que tenha ocorrido a preclusão do direito de impugnar e também poderá valer-se do princípio do acesso ao Poder Judiciário. Ou seja, se o defeito impugnado for realmente relevante será resolvido no âmbito do Poder Judiciário não havendo prejuízo aos interesses do particular.

Conclusão

Em síntese, o prazo para impugnação ao edital é mínimo de três dias, sendo esse prazo direito da administração pública e não do particular não se admitindo a interpretação extensiva numa inversão axiológica do interesse privado em detrimento do interesse público.

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1 “Teoria dos Direitos Fundamentais”, Ed. Malheiros, tradução de Virgílio Afonso da Silva, abril de 2008, passim

2 Hermenêutica e interpretação das normas”, Ed. Forense, 2001, passim.

Laércio José Loureiro dos Santos
Mestre em Direito pela PUCSP, Procurador Municipal e autor do Livro, "Inovações da Lei de Licitações e polêmicas licitatórias", 3ª Ed. Dialética, 2.024, versão em português e inglês.

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