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Impactos da reforma do Código Civil na responsabilidade das plataformas digitais

Reforma do Código Civil coloca o tema em discussão e pretende alterar os limites da responsabilidade civil das plataformas de conteúdo.

12/6/2024

Nos últimos anos, a evolução tecnológica e o exponencial aumento do uso plataformas digitais, como Facebook, Instagram e Twitter, têm transformado significativamente a dinâmica da disseminação de conteúdos e interações sociais.

Esse cenário intensificou a discussão sobre a responsabilidade dessas plataformas pelo conteúdo publicado por seus usuários, especialmente diante dos desafios relacionados à segurança digital e à proteção de direitos fundamentais.

O Marco Civil da Internet (lei 12.965/14), em vigor há uma década, prevê em seu art. 19 que os provedores de aplicação de internet somente serão responsabilizados por danos decorrentes do conteúdo gerado por terceiro se, após ordem judicial específica, não forem tomadas as providências para tornar indisponível o conteúdo infringente.

Já em se tratando de divulgação de imagens e vídeos envolvendo cenas de nudez e atos sexuais de caráter privado, sem a autorização de seus participantes, não se exige que haja decisão judicial, devendo a plataforma promover a indisponibilização do conteúdo após notificação do interessado.

Tais limitações à responsabilidade das plataformas digitais tinham como principal objetivo, segundo o legislador, que fosse assegurada liberdade de expressão e impedida a censura. Contudo, essa matéria vem sendo alvo de críticas e inúmeras discussões ao longo dos últimos anos, em especial diante da rápida evolução tecnológica e da mudança nos padrões de uso da internet.

De um lado, não há como desconsiderar que o Marco Civil da Internet entrou em vigor em 2014, e desde então, novas tecnologias foram sendo criadas e ganhando cada vez mais espaço na vida dos cidadãos. O uso das redes sociais também teve um crescimento exponencial, transformando-se em um espaço de interação social e de rápida disseminação de informações.

Além disso, com o avanço da tecnologia, os crimes cibernéticos se tornaram cada vez mais frequentes, alcançando, em muitos casos, milhares de usuários em poucos minutos. Anúncios falsos, fotos divulgadas de maneira ilícita, golpes financeiros e as conhecidas fake news têm se tornado comuns, causando danos significativos a indivíduos e também às empresas.

Ainda, em um contexto em que a legislação exige, em regra, uma ordem judicial específica para remoção dos conteúdos, essa atuação passiva das plataformas digitais insustentável no cenário atual, onde a velocidade de disseminação de informações exige respostas rápidas e eficazes.

Por outro lado, as plataformas defendem a impossibilidade de fiscalização e checagem prévia do conteúdo publicado por seus usuários, de modo que considerá-las responsáveis por danos gerados a terceiros violaria a liberdade de expressão e poderia resultar em uma censura prévia indiscriminada. Elas argumentam, ainda, que a imposição de uma responsabilidade mais rigorosa comprometeria a sua viabilidade operacional, técnica e financeira, além de limitar a livre manifestação dos usuários na internet.

A constitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet já vinha sendo objeto de discussões pelo STF, através do Tema 987, que teve repercussão geral reconhecida. Embora o referido tema ainda não tenha sido julgado pelo STF, o anteprojeto que visa a reforma do Código Civil, elaborado por uma comissão de juristas e entregue oficialmente ao Senado Federal no mês de abril/24, sugeriu a revogação do art. 19 do Marco Civil da Internet.

No texto proposto, ficou prevista a ampliação da responsabilização das plataformas digitais frente aos conteúdos ilícitos publicados pelos usuários, sendo-lhes imposto o dever de reparar o dano caso sejam descumpridas as regras de prevenção de circulação de conteúdo ilícito.

Nesse cenário, não se faria mais obrigatória a atuação do Poder Judiciário para remoção dos conteúdos, permitindo que a indisponibilidade ocorra de maneira mais rápida e efetiva, a fim de mitigar os danos ocasionados ao usuário que teve seu direito violado.

O texto do anteprojeto ainda passará por debates e alterações no Senado, mas deixa ainda mais em evidência a importância de atualização da legislação frente às novas tecnologias. No atual contexto em que a internet faz parte intrínseca da vida dos cidadãos, um novo olhar e um trabalho conjunto das plataformas de conteúdo, legisladores e sociedade civil é necessária para a garantia dos direitos fundamentais e, ainda, para a criação de um ambiente digital mais seguro e justo.

Daniela Foiato Michel
Advogada especialista em Direito Civil e Processo Civil pela FMP e em Direito dos Negócios pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Atua no escritório BVK Advogados, de Santa Cruz do Sul - RS.

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