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Reforma tributária, o impacto nas locadoras e a contabilidade

Neste artigo é explorado como a reforma tributária afetará a contabilidade e a gestão financeira das empresas de locação.

7/6/2024

A recente aprovação da Emenda Constitucional 132 e a discussão em torno dos projetos de lei complementar para o IVA-DUAL prometem mudanças significativas na legislação fiscal brasileira.

Esses ajustes impactarão diversos setores da economia, especialmente as empresas de locação, como Localiza e Movida e outras tantas outras que formam um grande conjunto de players neste novo mercado que vem crescendo exponencialmente.

Neste artigo, exploraremos como a reforma tributária afetará a contabilidade e a gestão financeira dessas empresas.

Contexto geral

A reforma tributária, com a implementação do IVA-DUAL, afetará todos os setores da economia, mas os setores de locação de bens móveis e bens imóveis serão particularmente impactados. Atualmente, esses setores enfrentam uma incerteza tributária, com discussões sobre a obrigação de fazer (ISS) versus obrigação de dar (ICMS). A reforma, ao ampliar a base tributária, trará novos desafios para as locadoras.

O cenário, então é de mudanças que exigirá adaptação das locadoras de veículos, desde a classificação correta dos ativos e o entendimento das novas regras fiscais que serão muito importantes para manter a rentabilidade e a eficiência operacional das empresas neste setor até as mudanças legislativas para ajustar as práticas contábeis que serão essenciais para navegar neste novo ambiente tributário.

Registros contábeis

Em primeiro lugar, é importante lembrar que os veículos usados nas operações de aluguel ou gestão de frotas são registrados no ativo imobilizado das locadoras. Isso significa que são contabilizados pelo valor de custo, deduzido de depreciação e perdas por redução ao valor recuperável.

Os critérios para imobilizado são:

§  Bem tangível: Deve ser um bem físico, como um veículo;

§  Duração relativamente permanente: Deve ser utilizado por mais de um período, isto é, acima de um (1) ano;

§  Usado para sustentação do negócio: Utilizado nas atividades principais da empesa, como aluguel de veículos;

§  Não ser destinado ao curso normal dos negócios: Não pode ser algo vendido no curso normal dos negócios, como estoque.

Apesar de os veículos serem usados para alugar a terceiros, eles não são classificados como propriedades para investimento. De acordo com o CPC 28, propriedades para investimento são imóveis ou terrenos mantidos para auferir renda e/ou valorização de capital, o que não se aplica aos veículos das locadoras.

Para ilustrar, vamos considerar um exemplo simplificado. Suponha que a locadora de veículos chamada AlugaFácil Ltda. decida renovar sua frota em 2024. Para isso, a empresa colocou à venda alguns veículos antigos que eram utilizados em suas atividades operacionais de atendimento a clientes.

Os veículos estavam disponíveis para venda imediata em suas condições atuais e a locadora considerava altamente provável a venda ainda no ano de 2024, pois havia iniciado um programa firme para localizar compradores e concluir o plano de venda.

Os veículos estavam registrados ao valor contábil (custo de aquisição deduzido da depreciação acumulada) de R$ 1.000.000,00, valor este menor que o valor justo menos as despesas de vendas de R$ 1.420.000,00.

A AlugaFácil Ltda. deve seguir as normas contábeis aplicáveis, neste caso, o CPC 31 – Ativo não Circulante mantido para venda e operação descontinuada. Essa norma estabelece que ativos que estão disponíveis para venda imediata e cuja venda é altamente provável devem ser classificados como “mantido para venda” e avaliados pelo menor valor entre o valor contábil e o valor justo menos as despesas de venda.

Ao adotar o CPC 31, a empresa irá baixar os veículos do Ativo Imobilizado e reclassificá-los como Ativos Mantidos para Venda numa conta contábil dentro do Ativo Circulante pelo valor de 1 milhão de reais, que é o menor valor entre o valor contábil e o valor justo menos as despesas de venda. Vamos considerar que a AlugaFácil Ltda. vendeu os veículos por R$ 1.420.000,00.

O ganho na venda seria calculado como a diferença entre o valor de venda líquida de R$ 1.420.000,00 e o valor pelo qual os veículos foram mantidos para venda de R$ 1.000.000,00, gerando um ganho de R$ 420.000,00. O ganho com a venda do ativo vai para o resultado da locadora.

É importante deixar claro, então, a importância das locadoras se atentarem a estes lançamentos contábeis, já que influenciam diretamente às repercussões tributárias.

A reforma tributária e as locadoras de veículos

Observadas as boas práticas contábeis, importante mencionar as alterações e repercussões tributárias sobre o tema.

O Congresso Nacional avançou na tramitação da proposta que visa regulamentar a EC 132 (reforma tributária) e simplificar, unificar e modernizar os tributos sobre o consumo em um único tributo sobre valor agregado, com alíquotas uniformes para todos os bens e serviços.

Neste sentido, de acordo com o art. 4º do PLP 68 da reforma tributária, o IBS e a CBS incidem sobre operações onerosas com bens ou serviços, incluindo a locação. Agora, para entender como ficará a atividade de locação de veículos neste novo cenário, temos que analisar qual a base de cálculo terá os novos tributos, porém, não sem antes entender o contexto em que estão inseridas atualmente.

Antes disso, é importante ressaltar que estamos diante de uma reforma do consumo que abrange, em âmbito federal, o IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados, o PIS - Programa de Integração Social e a Cofins. Em âmbito estadual e municipal, envolve o ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços e o ISSQN - Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza.

Cenário atual

Atualmente, as locadoras de veículos não recolhem nem ISS - Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza nem ICMS sobre suas receitas de locação devido a decisões judiciais específicas e à própria natureza da atividade de locação.

O STF, ao analisar e julgar inúmeros casos, declarou inconstitucional a cobrança do ISSQN nas locações de bens móveis, culminando, inclusive na súmula vinculante 31 onde restou estabelecido que "é inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISS sobre operações de locação de bens móveis".

Com a reforma tributária, esses tributos são substituídos pelo IBS e pela CBS, cuja alíquota combinada deve alcançar pelo menos 26,5% de modo que o IBS será destinado à arrecadação estadual e municipal, enquanto a CBS será direcionada aos cofres da União, com regras e bases de cálculo unificadas.

Todavia, essa mudança pode ter impactos adversos no setor de locação de veículos, que representa cerca de 1% do PIB nacional e emprega mais de 400 mil pessoas direta e indiretamente.

Considere, por exemplo, uma locadora de veículos que tem uma receita mensal de R$ 800 mil reais. Atualmente essa empresa não paga ICMS ou ISS sobre a receita de locação, apenas PIS e Cofins, que alcançam 9,25% no sistema não cumulativo, por exemplo.

Com a reforma tributária, essa locadora passaria a pagar, de acordo com as expectativas do governo, 26,5% de CBS e IBS sobre sua receita de locação. Descontando, então, o percentual de 9,25% do PIS e da Cofins, alcançaríamos um aumento de 17,25%. Isso resultaria em um novo encargo tributário de R$ 138 mil reais mensais, impactando significativamente a lucratividade e a competitividade da empresa.

Tomada de crédito para as locadoras

Para mitigar esses impactos, algumas medidas estão previstas, na medida em que, apesar de os novos tributos representarem um encargo adicional para as locadoras, a legislação proposta oferece mecanismos para minimizar o impacto pela tomada de crédito.

A aplicação da regra de não cumulatividade no sistema tributário é detalhada no PLP para evitar a incidência em cascata de tributos sobre o mesmo bem ou serviço em diferentes etapas.

Os contribuintes têm o direito de se apropriar de créditos de IBS e CBS pagos em aquisições de bens ou serviços, exceto em compras para uso ou consumo pessoal ou em outras situações específicas previstas pela lei.

Os créditos dos novos tributos são tratados de forma separada e não podem ser compensados entre si e a apropriação desses créditos depende da existência de um documento fiscal eletrônico, correspondendo ao montante efetivamente pago de IBS e CBS nas aquisições. (art. 28 e seguintes do PLP).

Modalidades de pagamento

No contexto da reforma tributária e da introdução do PLP 68, o art. 28 dispõe sobre as modalidades de pagamento do IBS - Imposto sobre Bens e Serviços e da CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços. O texto esclarece que o contribuinte poderá optar por várias modalidades de pagamento, dentre elas a compensação e o ressarcimento.

O contribuinte pode optar pela compensação dos créditos de IBS e CBS apropriados no mesmo período de apuração ou referente as operações subsequentes, isto significa que o saldo credor acumulado pode ser utilizado para abater os débitos futuros de tributos nas operações subsequentes.

Ressarcimento

A outra modalidade prevista é a solicitação de ressarcimento do saldo credor acumulado, de modo que o contribuinte pode optar pelo ressarcimento integral ou parcial dos créditos de IBS e CBS e receber o valor correspondente em sua conta bancária.

Conforme o artigo 53, este pedido de ressarcimento deve ser formalizado junto ao Comitê Gestor para fins do IBS e à União, para fins da CBS. O prazo é de 60 dias, conforme estipulado no artigo 54, que inclusive ressalta os créditos relativos à aquisição de bens para o ativo imobilizado, justamente o caso das locadoras.

Esta opção pode ser interessante para empresas que necessitam de liquidez imediata, permitindo o reembolso dos valores acumulados, pois, imagine a sistemática de crédito dos novos tributos para uma locadora de veículos que adquire um valor vultoso de veículos, como as empresas Localiza ou Movida, citadas no início deste conteúdo.

Suponhamos que, no mês de janeiro, a locadora adquire veículos, cujo somatório de compras alcança a cifra de 1 milhão de reais, os quais são incorporados ao seu ativo imobilizado. Segundo o art. 53 do PLP 68, o contribuinte, ou seja, a locadora de veículos, ao final do período de apuração, poderá solicitar o ressarcimento integral ou parcial do saldo credor de IBS e CBS acumulado devido a esta aquisição. Neste exemplo, deverá receber o ressarcimento do saldo credor acumulado até o final de março, no valor de 265 mil reais.

Nos meses subsequentes, a locadora continua suas operações regulares, apurando os valores a pagar de IBS e CBS sobre suas receitas de locação de veículos, não havendo valores vultosos para compensação nestes períodos subsequentes, já que foi ressarcida.

Compensação

Alternativamente, porém, a locadora pode optar por compensar o saldo credor de IBS e CBS com os tributos devidos nas operações subsequentes. Conforme o artigo 27, inciso I, a compensação será feita mediante a utilização dos créditos apropriados em cada período de apuração.

Assim, a locadora, ao adquirir veículos para seu ativo imobilizado, acumula créditos de IBS e CBS que podem ser ressarcidos, como informado anteriormente ou compensados com futuros débitos tributários. Esta sistemática permite uma gestão mais eficiente do fluxo de caixa da empresa, oferecendo flexibilidade para optar pelo ressarcimento ou pela compensação, conforme sua estratégia financeira e operacional do momento.

Voltando ao nosso exemplo, aquele crédito de 265 mil reais, ao invés de ser ressarcido diretamente na conta bancária da Locadora, ficará como saldo para ser compensado com os débitos apurados em virtude da receita de locações vindouras, até que se esgote.

Veja que a decisão entre solicitar o ressarcimento ou optar pela compensação dependerá das necessidades de liquidez da locadora, do volume de operações e da estratégia tributária adotada. Ambas as opções estão claramente regulamentadas nos artigos mencionados, proporcionando segurança jurídica e previsibilidade para o contribuinte.

Período de transição

As locadoras, contudo, assim como os demais contribuintes, poderão usufruir de um período de adaptação para tais mudanças. Conforme a proposta, o período de transição para a unificação dos tributos terá a duração de oito anos, compreendendo o período entre 2026 e 2033. A partir de 2033, os impostos atualmente vigentes serão extintos.

No início da fase de transição em 2026, a CBS de competência federal terá uma alíquota de 0,9% (art. 334 do PLP), enquanto o IVA de arrecadação estadual e municipal, o IBS, terá uma alíquota de 0,1%. (Art. 125 da ADCT e Art. 331 do PLP).

Durante esse período de transição, no ano de 2027, o PIS e a COFINS serão extintos e ainda em 2027 até o ano de 2028 a CBS será implementada de maneira integral, com redução de 0,1% (art. 335 do PLP) e o IBS será calibrado para 0,1% (art. 332 do PLP).

A partir de 2029, a alíquota de referência da CBS será determinada conforme critérios que observarão a própria arrecadação da CBS nos anos anteriores, e as receitas do Imposto Seletivo e IPI. (art. 334 do PLP). Da mesma forma ocorrerá nos anos de 2030 (art. 345 do PLP), 2031, (art. 346 do PLP) e assim por diante, até o ano de 2033.

A mesma lógica será seguida para estipular as alíquotas de referência do IBS, a partir de 2029, que observará a receita do ente federado dos últimos anos e qual seria a receita nestes períodos, caso a IBS estivesse vigente. (art. 340 do PLP).

Conclusão

Em suma, a reforma tributária é uma medida que visa, simplificar o sistema tributário e impulsionar o desenvolvimento econômico, muito embora, na prática, encontra diversos desafios como estamos acompanhando.

Para as próximas etapas, é provável que o PLP 68, tratado neste conteúdo, sofra alterações durante seu processo Legislativo. Também é esperado que venha nos próximos dias o PL que irá tratar dos aspectos específicos da gestão e fiscalização do IBS, incluindo detalhes sobre o Comitê Gestor.

Estamos acompanhando de perto os desdobramentos dessa importante discussão e permanecemos atentos às propostas e ajustes que serão realizados ao longo do dos próximos meses.

Marcílio Vieira
Advogado com mais de 12 anos de experiência, pós graduado em direito tributário pela Milton Campos, especialista em gestão fiscal pela PUC/BH e mestrando em Contabilidade pela FUCAPE Business School.

Matheus Amaral
Contador, pós-graduado em Contabilidade Tributária pela PUC Minas. Professor na Universidade FUMEC.

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