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Caso “Fábrica de fogos de Santo Antônio de Jesus” na Corte interamericana

A CIDH supervisiona o cumprimento da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e pode determinar violações, como no caso da tragédia na fábrica de fogos de Santo Antônio de Jesus, Bahia, condenando o Brasil por violações dos direitos dos trabalhadores.

5/6/2024

CIDH - Corte Interamericana de Direitos Humanos exerce a função de aplicar e interpretar a Convenção Americana sobre direitos humanos, conhecida como "Pacto de San José de Costa Rica", a qual foi incorporada ao ordenamento jurídico nacional em 1992. A CIDH possui funções jurisdicionais e consultivas, sendo responsável por supervisionar o cumprimento da Convenção. No exercício de sua função jurisdicional, a Corte pode determinar a existência de violações e impor reparações e consequências apropriadas. Na função consultiva, a Corte auxilia os Estados em temas de direitos humanos, incluindo discriminação, garantias judiciais, penas e outras questões derivadas de sua capacidade de interpretar a Convenção.

Há quatro anos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu sentença no caso "Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus" e seus familiares. República Federativa do Brasil. A tragédia ocorrida em Santo Antônio de Jesus, no interior da Bahia, resultou na morte de 64 trabalhadores, dos quais 63 eram mulheres. Após longos anos sem solução, o Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana por violar os direitos fundamentais dos trabalhadores e dos familiares das vítimas.

CIDH apresentou ao Brasil recomendações para reparar as vítimas, incluindo medidas de compensação econômica e satisfação do dano moral. O Estado brasileiro alegou que não houve omissão ou negligência, atribuindo a responsabilidade da explosão a particulares, sem envolvimento de agentes estatais. Contudo, a declaração foi contestada, pois a fábrica possuía autorização do Exército, órgão estatal responsável pela fiscalização e autorização de seu funcionamento, operando de forma ilícita e contrariando protocolos estabelecidos.

A Corte analisou as alegações das partes, dividindo-as em cinco violações conforme a sentença de 15/7/20:

  1. Possiveís danos ao direito à vida e à integridade pessoal e aos direitos das crianças;
  2. Direito a condições equitativas e satisfatórias que garantam a segurança e a saúde e a higiene no trabalho;
  3. Direito das crianças, ao direito à igualdade e à proibição de discriminação;
  4. Direitos às garantias judiciais e à proteção judicial; 
  5. Direito à integridade pessoal dos familiares das vítimas. 

Direitos à vida, à integridade pessoal e das crianças em relação às obrigações de respeito e garantia (arts. 4.1, 5.1 e 19 da Convenção)

Neste primeiro fundamento observa-se a primazia do direito à vida e o dever do Estado de proporcioná-lo. A Corte, no caso do "Massacre de Pueblo Bello v. Colo^mbia", asseverou “que não basta que os Estados se abstenham de violar os direitos, mas que é imperativa a adoção de medidas positivas”. Observou também o dever do Estado de preservar as integridades física, psíquica e moral, fator não observado no caso em questão, havendo um número significativo daqueles que necessitam de efetivas medidas de proteçõa, pela condição de menores de idade, violando, assim, os diretos da criança. 

Direitos das crianças, à igual proteção da lei, à proibição de discriminação e ao trabalho, em relação às obrigações de respeito e garantia (arts. 19, 24 e 26 da Convenção) 

Embora estivesse obrigado a regulamentar e fiscalizar as condições de segurança no trabalho, principalmente por se tratar de manipulação de substancias perigosas, o Estado brasileiro faltou com suas obrigações, além de ter conhecimento de que na fábrica cometiam-se graves irregularidades. Além da fiscalização das substâncias e sua manipulação, o Estadou faltou também com a inspeção do trabalho infantil, visto que a Constituição do Brasil proíbe absolutamente o trabalho de menores de idade em atividades perigosas.

Quanto ao direito à proibição de discriminação, a Corte constatou que a situação de vulnerabilidade em que viviam as vítimas era conhecida pelo Estado e, em especial, as mulheres afrodescendentes, que estavam em particular situação, uma vez que tinham menos acesso a trabalho formais, conforme a sentença: “a Corte determinou que as empregadas da fábrica de fogos faziam parte de um grupo discriminado ou marginalizado”. Essa situação facilitou o funcionamento da fábrica em atividade perigosa, pela vulnerabilidade das vítimas a aceitarem esse trabalho sem outra opção.

Direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, em relação às obrigações de respeito e garantia (arts. 8.1 e 25 da Convenção)

No âmbito penal, a Corte observa que houve falta de diligência para que se chegasse a uma solução no processo penal dentro do Brasil, com atrasos das autoridades judiciais, problemas nas remessas aos tribunais e erros em intimações. Ainda, a Corte asseverou que “a demora de quase vinte e dois anos sem uma decisão definitiva configurou uma falta de razoabilidade por parte do Estado”. 

Direito à integridade pessoal dos familiares das vítimas (art. 5 da Convenção) 

O Tribunal concluiu que o Estado brasileiro é responsável pela violação do direito à integridade pessoal. Na sentença, a Corte analisou particularmente cada nome das vítimas e supostos familiares que esse direito recaía. O Estado já havia apresentado uma lista com vinte e seis pessoas que na~o encontrava comprovação de dano, cabendo à Corte concluir as situações dos particulares. 

Verifica-se salutar a responsabilização do Brasil e a condenação por parte da CIDH em virtude da completa falta de interesse judicial nacional pelo caso: O Estado brasileiro, quando lhe cabia punir os responsáveis pela tragédia, não se dispôs a fazer. As vítimas do incêndio da fábrica de fogos representam mais uma face da desigualdade brasileira, a submissão à situações desumanas pela falta de acesso a emprego digno.

Davi Ferreira Avelino Santana
Graduando em Direito na Universidade Católica do Salvador com intercâmbio na Universidade do Porto e extensão na Pontificia Università Lateranense di Roma

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