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Pode o plano de saúde excluir dependentes por ausência de dependência conforme regras do INSS/IRPF?

Aumentam as queixas dos consumidores sobre as exclusões de dependentes em planos de saúde. As operadoras trazem como fundamento que eles não são mais dependentes, segundo as regras do INSS/IRPF.

4/6/2024

Nos últimos meses do ano de 2023 e com mais força nos primeiros meses de 2024, as operadoras de planos de saúde têm excluído segurados dependentes, muitos deles segurados dos planos de saúde desde o nascimento, ao fundamento de que tais beneficiários não são mais dependentes dos titulares, segundo as regras do INSS/IRPF.

Valem-se da lei Federal 9.250/95, que reza, em seu art. 35, o seguinte:

Art. 35. Para efeito do disposto nos arts. 4º, inciso III, e 8º, inciso II, alínea c, poderão ser considerados como dependentes:

(...)

III - a filha, o filho, a enteada ou o enteado, até 21 anos, ou de qualquer idade quando incapacitado física ou mentalmente para o trabalho; 

(...)

§ 1º Os dependentes a que se referem os incisos III e V deste artigo poderão ser assim considerados quando maiores até 24 anos de idade, se ainda estiverem cursando estabelecimento de ensino superior ou escola técnica de segundo grau.

O beneficiário é, então, após 30, 40 anos, ou mais, sumariamente excluído do plano de saúde, sem comunicação prévia, sem inadimplência ou fraude. O único motivo: não se enquadra nas regras do INSS/IRPF como dependente do titular.

Olvidam as operadoras de planos de saúde que os contratos de planos de saúde são contratos cativos de longa duração, por serem negócios jurídicos complexos, em que1:

“uma cadeia de fornecedores organizados entre si assume a obrigação de fornecer serviços que assegurem, ao consumidor e à sua família, os bens mínimos para a existência digna durante toda a sua vida, instituindo verdadeira situação de catividade destes com relação à contratação. Assim, tendo em vista que os contratos de plano de saúde têm por objeto a prestação de serviços médico-hospitalares e/ou odontológicos, os quais são essenciais para a preservação e recuperação da saúde, verifica-se que os usuários se tornam totalmente dependentes desses pactos, os quais são mantidos por vários e vários anos, quiçá, por toda a vida, em inquestionável posição de submissão contratual.”

Isso tem ocorrido, maciçamente, nos planos individuais/familiares, também nos coletivos. Contudo, no presente artigo, nos deteremos nos planos individuais/familiares. Mas há uma razão político-financeira por trás dessas exclusões em massa: os planos individuais/familiares não são mais comercializados por maioria das grandes operadoras, uma vez que tais modalidades de planos de saúde têm os percentuais de reajuste determinados pela ANS, além da proteção do consumidor de cancelamentos que não sejam por fraude ou inadimplência, de acordo com a Resolução Normativa 379/15 da ANS, anexo I.

Veja-se o que menciona o art. 13, §1º, incisos II e III da lei dos planos de saúde, a lei Federal 9.656/98:

Art. 13. Os contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei têm renovação automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou qualquer outro valor no ato da renovação. 

Parágrafo único.  Os produtos de que trata o caput, contratados individualmente, terão vigência mínima de um ano, sendo vedadas: 

(...)

II - a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o qüinquagésimo dia de inadimplência; e 

III - a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, em qualquer hipótese, durante a ocorrência de internação do titular.  (destaques inexistentes no original)

A realidade é que as operadoras de planos de saúde querem extinguir os planos na modalidade individuais/familiares, e estão utilizando o fundamento de que o beneficiário não ostenta condições de dependente do titular para fins de IRPF/INSS.

Mas os tribunais estão atentos às manobras das operadoras de planos de saúde, revertendo os casos de exclusões de dependentes por ausência de dependência nos termos das regras do INSS/IRPF. Veja-se:

Agravo de instrumento. Plano de saúde. Tutela de urgência. Permanência de dependentes no plano de saúde. Presença dos pressupostos do art. 300 do CPC. Exclusão de beneficiários pela perda da condição de dependentes há muito implementada que, em princípio, se afigura indevida. Ofensa à boa-fé objetiva. Periculum in mora decorrente da iminência da exclusão dos dependentes do plano de saúde e da necessidade de manutenção da cobertura assistencial. Decisão mantida. Recurso desprovido. (TJ/SP - Agravo de Instrumento: 2074052-93.2024.8.26.0000 São Paulo, relator: Enéas Costa Garcia, Data de Julgamento: 24/5/24, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 24/5/24) (destaques inexistentes no original)

6ª CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO 0005880-51.2024.8.17.9000 RELATOR: DES. GABRIEL DE OLIVEIRA CAVALCANTI FILHO AGRAVANTE: SUL AMERICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE AGRAVADO: ALVARO FIGUEIREDO MAIA DE MENDONCA JUNIOR EMENTA DIREITO DO CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. MANUTENÇÃO DA TUTELA DEFERIDA NA ORIGEM. REQUISTOS VERIFICADOS. PROBABILIDADE DO DIREITO À MANUTENÇÃO DE DEPENDENTE APÓS A MAIORIDADE. EXCLUSÃO DOS BENEFICIÁRIOS MESMO APÓS DÉCADAS DO ATINGIMENTO DA IDADE LIMITE. VERIFICADA EM RAZÃO DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ CONTRATUAL E DA PROIBIÇÃO DE COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO (NEMO POTEST VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM). CONDUTA ABUSIVA DA SEGURADORA QUE FRUSTA A LEGÍTIMA EXPECTATIVA DA PARTE AGRAVADA. PERIGO DE DANO INVERSO AO SEGURADO. DECISÃO DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA MANTIDA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. DECISÃO UNÂNIME. 01. A probabilidade do direito milita em favor da agravante, eis que comprovou que os seus dependentes, já teriam superado “a idade máxima” há mais de 20 anos sem que a OPS tivesse realizado qualquer insurgência. 02. O prolongado período de tempo no qual os dependentes do autor permaneceram no plano após ter completado a maioridade, arcando com as respectivas mensalidades, gerou a justa expectativa de que eles não seriam mais excluídos do plano de saúde contratado por seu genitor em virtude da maioridade. 03. Registre-se que o exercício do direito à exclusão de dependente de plano de saúde deve respeitar não somente os limites contratuais, mas também o princípio da boa-fé contratual, que veda o comportamento contraditório. 04. Ausente, ainda, o perigo de dano da seguradora pela manutenção dos dependentes no plano de saúde do genitor. A bem da verdade, há perigo de dano inverso no caso, porquanto a exclusão do plano de saúde, da forma como posta, acarretaria aos dependentes imediata desassistência. 05. Decisão de antecipação da tutela mantida. Recurso a que se nega provimento. Decisão unânime. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem a 6ª câmara Cível deste TJ/PE, por unanimidade votos, em NEGAR PROVIMENTO ao agravo de instrumento da seguradora, tudo na conformidade dos termos do voto do relator, que passa a integrar este julgado. Recife, data da certificação digital. GABRIEL DE OLIVEIRA CAVALCANTI FILHO Desembargador Relator (TJ-PE - AGRAVO DE INSTRUMENTO: 0005880-51.2024.8.17.9000, relator: GABRIEL DE OLIVEIRA CAVALCANTI FILHO, Data de Julgamento: 30/4/24, Gabinete do Des. Gabriel de Oliveira Cavalcanti Filho (6ª CC)) (destaques inexistentes no original)

Saliente-se que não passa de mero artifício para, aos poucos, ir pondo fim aos planos de saúde mais vantajosos para os consumidores e inserirem os beneficiários, que tiveram essas exclusões em planos coletivos, sejam os por adesão, sejam os empresariais.

É que as referidas modalidades de planos têm os reajustes pactuados diretamente com as administradoras ou empresas, sem que a ANS regule tais percentuais de reajuste, alcançando percentuais altos, como os do ano de 2023, na casa dos 20% e, em alguns casos, passou em muito desse percentual, enquanto nos planos individuais/familiares, o reajuste aplicado pela ANS foi de 9,63%.

Além disso, os planos coletivos por adesão (que é uma modalidade de plano empresarial também, mas a forma de o consumidor “aderir” ao plano é por meio de entidade de classe, sindicatos, etc) e empresariais até 29 vidas e acima de 29 vidas, podem cancelar o contrato de plano de saúde, com o beneficiário, de forma imotivada. Isso mesmo. Imotivada.

Por óbvio, as operadoras de planos de saúde preferem as últimas modalidades de planos de saúde aos planos individuais/familiares, não é sem razão que, praticamente, não se encontra mais grandes operadoras de planos de saúde ofertando no mercado a modalidade de planos individuais/familiares. Deixou de ser um plano de saúde “vantajoso” para as operadoras que, atualmente, comercializam mais os planos coletivos, sejam os por adesão, sejam os empresariais.

Não se pode perder de vista uma circunstância: beneficiários internados ou em tratamento médico não podem ter seus planos de saúde cancelados, nem os dependentes, excluídos. Essa é a firma orientação do STJ:

“Não obstante o plano de saúde coletivo possa ser rescindido unilateralmente, mediante prévia notificação do usuário, esta Corte reconhece ser abusiva a rescisão do contrato durante tratamento médico garantidor da sobrevivência e/ou incolumidade física, como no caso em apreço, no qual a segurada diagnosticada com câncer se encontra em tratamento oncológico (...)”. (STJ, AgInt no AREsp 1.298.878/SP, rel. ministro Raul Araújo, 4ª turma, Julgado em 23/10/18, DJe 31/10/18).

Na mesma ordem de ideias:

“(...) 2. Ademais, revela-se abusivo o cancelamento do plano de saúde enquanto o beneficiário encontra-se em tratamento médico ou internado, entendimento que deve ser privilegiado nesse momento (...)”. (STJ, AgInt no AREsp 2.059.782/SP, rel. ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª turma, julgado em 20/6/22, DJe de 23/6/22).

Assim, em que pese a exclusão em massa dos dependentes de planos de saúde, noticiado em jornais, e vivenciado por vários beneficiários Brasil afora, tanto a legislação, quanto a jurisprudência entendem essa prática como abusiva e as decisões têm reintegrado os usuários aos planos de saúde, nas mesmas condições e com as mesmas coberturas contratadas, estando em tratamento médico ou não, internados ou não, dada a inequívoca abusividade praticada pelas operadoras de planos de saúde.

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1 Gomes, Josiane Araújo. Lei dos planos de saúde – 4.ed.rev. ampl. e atual. – São Paulo: Editora Juspodivm, 2022.

Gilma Carvalho
Advogada Sócia-proprietária da Gilma Carvalho Escritório de Advocacia - Especlalista em Direito Médico e da Saúde

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