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Evento Amatra IV: Aulão solidário RS – 23/5/24 - Desafios da conciliação trabalhista

O tema de minha fala é a conciliação trabalhista. O que há de novo nesse tema? Se nós pensarmos, o Estado entrou no Direito do Trabalho para, justamente, compor as necessidades do capital e do trabalho.

24/5/2024

Boa tarde a todos. O dia é tenso aqui na capital gaúcha. Estamos com essa ansiedade de ver essas águas subindo. Mas estamos aqui, lutando por uma causa justíssima, que é colocar alimento e água na mesa dos nossos irmãos desabrigados.

Neste contexto, o tema de minha fala é a conciliação trabalhista. O que há de novo nesse tema? Alguém dirá: sempre foi a meta e o objetivo da Justiça do Trabalho conciliar. Isso, inclusive, é da gênese do Direito do Trabalho. Se nós pensarmos, o Estado entrou no Direito do Trabalho para, justamente, compor as necessidades do capital e do trabalho. É nesse sentido que nós temos essa semana que estamos, em que está acontecendo a Semana Nacional da Conciliação Trabalhista, promovida pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho – CSJT, para lembrar que a conciliação é uma opção viável para a Justiça do Trabalho, sempre foi.

Uma cartilha que foi editada para esta semana diz o seguinte: Em 2022, o tempo médio de tramitação do processo de primeiro e segundo grau foi de quase dois anos, fonte do Tribunal Superior do Trabalho – TST: Coordenadoria de Estatística e Pesquisa. Também, na mesma cartilha desta semana da conciliação, é dito que a Justiça do Trabalho recebe três milhões de processos por ano. Como podemos melhorar o nosso trabalho com essa quantidade, este volume gigante de trabalho?

Eu elenquei, para abordar este tema, dez desafios. O primeiro desafio da Conciliação Trabalhista é realizar estas conciliações, de forma a atender o objetivo do desenvolvimento sustentável nº 16: que haja na sociedade paz, justiça e instituições eficazes. Que os tribunais possam atender o jurisdicionado, propiciando ambientes conciliatórios seguros, que não diminuam direitos, mas que promovam a possibilidade de as partes resolverem adequadamente seu conflito.

Assim, passamos  para o desafio número dois: o que é resolver adequadamente o conflito? Aqui, nós temos que pensar em nos preparar Juízes e Servidores para ouvir as partes, para entender o que se está colocando em questão, e sugerir posições viáveis para resolver aquele problema.

O que nos leva a ideia do desafio três: a evolução da conciliação na Justiça do Trabalho, e vou lembrar que a palavra conciliação está presente desde a Constituição de 1934 e, na Constituição de 1988, esta conciliação tem que ser vista dentro da ideia do acesso à Justiça que, conforme previsto no Artigo 5º, inciso XXXV, que a Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de Direito.

Aí alguém me dirá: mas no Artigo 114 não está escrita a palavra conciliação, inclusive, foi retirada pela Emenda Constitucional 45, que deu uma nova redação ao Artigo 114, dizendo que a Justiça do Trabalho deve processar e julgar. Eu proponho que este julgar se entenda também como um conciliar. Como assim? O Juiz, ao homologar, está julgando. Ou seja: no momento em que ele está junto com as partes, buscando uma decisão, a homologação do acordo é um julgamento. E tanto é um julgamento que o Artigo 831 da CLT nos diz com todas as letras: no caso de conciliação, o termo que for lavrado valerá como decisão irrecorrível. O que é decisão irrecorrível? Faz coisa julgada formal e material, e é decisão de mérito, como refere o Artigo 487, inciso III do CPC. Portanto, quando há uma homologação de transação nós temos o reconhecimento do mérito. Desta forma, conciliar também é julgar.

O desafio número quatro é garantir para os jurisdicionados que estes acordos serão cumpridos, e que também sejam reconhecidos por outros ramos do Poder Judiciário, para que a extensão da pacificação social seja a mais plena possível. Por exemplo: a execução de um acordo descumprido poderia até dispensar a parte que assinou o acordo de ser citada, uma vez que esta sabe que a obrigação é certa e que há prazo certo dentro da Justiça do Trabalho. Para fora da Justiça do Trabalho, nós teríamos que entender que seguem algumas questões controvertidas sobre o reconhecimento da relação de emprego na Justiça do Trabalho também deveriam ser admitidas em outros ramos do Judiciário. Hoje, tivemos uma vitória: o STJ reconheceu, pelo Tema 1.176, que são eficazes os pagamentos de Fundo de Garantia realizados diretamente ao empregado, após o advento da Lei 9.491 de 1997, em decorrência de acordo homologado na Justiça do Trabalho. Aqui está uma amplitude, um reconhecimento do acordo judicial para além da Justiça do Trabalho.

Sobre desafio número cinco, eu diria que o ato de conciliar é um ato de cooperar e, portanto, as ações de conciliação estão sujeitas à cooperação judicial, conforme previsto na Resolução nº 350 do CNJ. Devo lembrar que os CEJUSCs reforçam a ideia do Juiz Natural, e não retiram competências, mas somam a competência do Juiz Natural, para tornar mais plena e eficaz a possibilidade de conciliação. Portanto, os CEJUSCs são sim os centros habilitados que auxiliam a resolução dos conflitos. Tanto é que, na Resolução 174/16 e na Resolução 288/21, em seus artigos 6º e 8º, preveem que o que foi solucionado pelo CEJUSC também vale como uma solução para o Juiz da causa, o Juiz Natural.

O sexto desafio é cumprir o Artigo 3º do CPC, e vocês dirão: mas porque, se nós somos trabalhistas? Porque o Código de Processo Civil caminha, junto com a Justiça do Trabalho, na ideia da cooperação e da conciliação. É dito, no Artigo 3º, que o Estado, sempre que possível, deve buscar a solução consensual dos conflitos: a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual do conflito, devem ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive, no curso do processo judicial.

Isso nos remete ao desafio número sete: fazer cumprir, juntamente com o Artigo 3º, do CPC, o Artigo 764, da CLT, que prevê que os dissídios individuais ou coletivos, submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho, serão sempre sujeitos à conciliação.

Eu gosto muito desse artigo, porque nos faz lembrar que nós temos um desafio próximo, que é o desafio número oito: a expressão “sempre sujeitos à conciliação” significa que devem ser conciliados até aqueles conflitos referentes à mediações pré- processuais. O que o desafio número oito? Realizar e prevenir os conflitos, mediando-os, antes que eles se tornem judicializados. É o desafio das mediações pré-processuais, que são aquelas mediações que podem ser feitas antes mesmo de termos processos e que, talvez, sejam uma boa opção para este momento de crise que vivencia o Rio Grande do Sul.

Vamos para o desafio número nove: como fazemos isso, se não temos a possibilidade, de estarmos num Foro presencial? Desta forma, iremos realizar este desafio, que é fazer a conciliação utilizando a modalidade telepresencial, inclusive, com mecanismos de Inteligência Artificial. A Resolução nº 358, do CNJ, incentiva o judiciário a adotar tecnologias na resolução de conflitos.  Devemos avançar em  plataformas Online Dispute Resolution – ODR. Na Justiça Federal, em que são calculados os benefícios previdenciários devidos para determinado trabalhador, podemos pensar em evoluir neste sentido. Em um estudo feito pelos Ministros Luis Felipe Salomão e Mauro Luiz Campbell Marques, estes mencionam o ICON - Índice de Conciabilidade, criado pelo TRT4,  que é a ideia de escolher alguns processos para serem conciliados através de um mecanismo de Inteligência Artificial . Lembrando aqui  que nós precisamos da supervisão humana que, aliás, é a tendência que sempre se segue quando se fala de Direitos Fundamentais e está no projeto de lei de que visa regulamentar a IA no Brasil.

O desafio número dez é superarmos, no plano teórico e prático, uma ideia que se tem de uma excessiva fixação na jurisdição estatal e seu papel. Nós temos que buscar a Justiça, e a Justiça pode ser construída num ambiente colaborativo, ouvindo-se as partes. Também devemos superar, do ponto de vista emocional, a tentativa de evitar o sentimento de erro e de arrependimento no futuro, temas que podem ser trabalhados no acordo, assim como o apego ao processo como um fim, e não como meio. Todas essas teorias estão descritas por Aarnio, em 1991, no livro que menciona que o racional é como o razoável, no sentido de  que o acordo é uma medida razoável para colocar fim ao processo. Na pandemia, os primeiros momentos foram de conciliação, basta olhar a página do CNJ para percebermos que, no primeiro semestre de 2020, os processos e a Justiça começaram a andar através da conciliação. Finalizo lembrando que, para nosso Estado Democrático de Direito, a conciliação está apontada no preâmbulo da nossa Constituição, em que é expresso que o Brasil  que deve se buscar a solução pacífica dos conflitos e controvérsias no plano nacional e internacional.  Este é um caminho possível para os Gaúchos resolverem suas demandas, sem dúvida.

Afinal, como diz o slogam da VIII Semana Nacional da conciliação, que está ocorrendo: É conciliando que a gente se entende!

Luciane Cardoso Barzotto
Desembargadora Federal do Trabalho, do TRT4. Coordenadora do CEJUSC 2º Grau e NUPEMEC do TRT4. Professora da UFRGS. Integrante da ABDT- Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Presidente da ASRDT- Academia Sul-Riograndense de Direito do Trabalho.

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