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O arquivamento do inquérito policial pela interpretação do STF

Alterações legislativas conferem ao ministério Público o poder de arquivar inquéritos sem controle judicial direto, fortalecendo o sistema acusatório e permitindo à vítima contestar o arquivamento.

20/5/2024

O arquivamento do inquérito policial ou outro instrumento com incumbência similar, ou seja, de investigação criminal preliminar, foi alterado pelo legislador ordinário (lei 13.964/19). Dessa forma, o art. 28 do CPP, agora com a nova redação dada por essa lei, retirou o controle judicial sobre o ato em análise, configurando uma ação salutar pois que, a par do art. 3º-A do CPP, com observância a lei maior, art. 129, I, enaltece e prestigia o sistema acusatório.

Na antiga redação, se o órgão do ministério Público requeresse o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, caso considerasse improcedentes as razões invocadas, faria remessa dos autos ao procurador-geral, e este tomaria uma de três atitudes possíveis: Ofereceria a denúncia; designaria outro órgão do ministério Público para oferecê-la; ou insistiria no pedido de arquivamento, ao qual só então estaria o juiz obrigado a atender (art. 28 do CPP). 

Como pode ser observado, o juiz controlava o arquivamento requerido pelo ministério Público, uma vez que, caso discordasse, poderia remeter os autos ao procurador geral, atitude que fulminava com a sua imparcialidade, somente estando sujeito ao que decidido pelo órgão de cúpula do parquet.   

A novel legislação, portanto, conferiu ao próprio ministério Público ordenar o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, tendo que comunicar à vítima, ao investigado e à autoridade policial, bem como submeter os autos à instância de revisão interna da própria instituição para fins de homologação, na forma da lei (art. 28, caput). Se a vítima, ou seu representante legal, não concordar com o arquivamento do inquérito policial, poderá, no prazo de 30 dias do recebimento da comunicação, submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica (§ 1º). Nos crimes praticados em detrimento da União, Estados e municípios, a revisão do arquivamento do inquérito policial poderá ser provocada pela chefia do órgão a quem couber a sua representação judicial (§ 2º). 

O legislador ordinário fortalece o atuar da vítima ao prever que ela deverá ser comunicada pelo ato de arquivamento do promotor de justiça, assim como pela possibilidade de se insurgir contra essa ação, isto é, a própria vítima ir à instância de revisão do ministério Público e expor suas razões pela discordância. 

Contudo, o STF, ao julgar as ADI'S 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, retornou para a sistemática anterior, mantendo o controle do arquivamento com a autoridade judicial. Mas não só, como também incluiu-a entre os habilitados de submeter a matéria à revisão do órgão interno competente do parquet, cujo fulcro de tal decisão é o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CR/88), a obrigatoriedade de comunicação ao juiz das garantias sobre qualquer instauração de investigação criminal (art. 3º-B, IV) e a jurisprudência da própria Corte sobre o tema. 

Vejamos a ementa do julgado quanto este ponto: 

VII: ART. 28. ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. ATO UNILATERAL. AFASTAMENTO DO CONTROLE JUDICIAL. SUBMISSÃO APENAS ÀS INSTÂNCIAS INTERNAS DE CONTROLE. ATRIBUIÇÃO UNICAMENTE À VÍTIMA E À AUTORIDADE POLICIAL DO PODER DE PROVOCAR A REVISÃO DO ATO. INCONSTITUCIONALIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO: 

(b) Por outro lado, ao excluir qualquer possibilidade de controle judicial sobre o ato de arquivamento da investigação, a nova redação violou o princípio da inafastabilidade da jurisdição, nos termos do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição. 

(c) Há manifesta incoerência interna da lei, porquanto, no art. 3º-B, determinou-se, expressamente, que o juízo competente seja informado da instauração de qualquer investigação criminal. Como consectário lógico, se a instauração do inquérito deve ser cientificada ao juízo competente, também o arquivamento dos autos precisa ser-lhe comunicado, não apenas para a conclusão das formalidades necessárias à baixa definitiva dos autos na secretaria do juízo, mas também para verificação de manifestas ilegalidades ou, ainda, de manifesta atipicidade do fato, a determinar decisão judicial com arquivamento definitivo da investigação. 

(d) A jurisprudência do STF orienta-se no sentido da necessidade e legitimidade constitucional do controle judicial do ato de arquivamento, com o fito de evitar possíveis teratologias (inquérito 4.781, rel. min. Alexandre de Moraes). 

(e) Em decorrência destas considerações, também o § 1º do art. 28, ao dispor que "Se a vítima, ou seu representante legal, não concordar com o arquivamento do inquérito policial, poderá, no prazo de 30 dias do recebimento da comunicação, submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica", deve ser interpretado de modo a integrar a autoridade judiciária competente entre as habilitadas a submeter a matéria à revisão do arquivamento pela instância competente.

Como já dissemos acima, discordamos da posição do STF, uma vez que ofende o sistema acusatório e o princípio da imparcialidade do julgador. O mestre Aury Lopes Jr, bem antes da novel legislação, assim entendia sobre o tema: 

A teor do que dissemos anteriormente sobre os poderes do MP na fase pré-processual, o modelo acusatório e o papel constitucional do juiz no processo penal, seria aconselhável um câmbio legislativo, pois a sistemática do art. 28 está ultrapassada. Não cabe ao juiz esse tipo de atividade, quase recursal, como a prevista pelo art. 28. O ideal seria instituir uma fase intermediária, com uma estrutura dialética, onde os possíveis interessados (sujeito passivo do IP e vítima) se manifestassem sobre o pedido de arquivamento e dispusessem de uma via recursal adequada para impugnar a decisão oriunda desse pedido. 

Portanto, o legislador acerta e o STF erra!

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LOPES, Aury Jr. Direito processual penal. – 15. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 150, r. 22

Michel França
Advogado Criminalista. Especialista em Direito Processual Penal. Professor e Palestrante.

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