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O novo Marco Legal dos Games - Aspectos de propriedade intelectual

Lei sancionada cria Marco Legal dos Games, regulamentando indústria, tributação, proteção a menores e propriedade intelectual.

10/5/2024

O presidente da República sancionou, no dia 3/5/24, a lei 14.852/24, que cria o “Marco Legal dos Games”.

O Marco Legal dos Games, oriundo do PL 2.796/21, apresentado pelo deputado federal Kim Kataguiri, foi aprovado pelo Congresso Nacional no mês de abril e regulamenta a fabricação, importação, comercialização, o desenvolvimento e o uso comercial dos jogos eletrônicos, além da tributação e de medidas para incentivar o ambiente de negócios e aumentar a oferta de capital para investimentos no setor.

O texto regula, também, a proteção a crianças e adolescentes, bem como a comercialização de dispositivos e acessórios usados para executar jogos - os “consoles” -, além de aplicativos de celular e sites na internet que oferecem jogos. O texto exclui da definição de “jogo eletrônico” máquinas caça-níqueis, jogos de azar e loterias.

No tocante aos aspectos de propriedade intelectual, o Marco Legal dos Games, em seu art. 5º, considera “jogo eletrônico”:

  1. a obra audiovisual interativa desenvolvida como programa de computador, conforme definido na lei 9609/98 (“lei de software”), em que as imagens são alteradas em tempo real a partir de ações e interações do jogador com a interface;
  2. o dispositivo central e os acessórios, para uso privado ou comercial, especialmente dedicados a executar jogos eletrônicos; e
  3. o software para uso como aplicativo de celular e/ou página de internet, jogos de console de videogames e jogos em realidade virtual, realidade aumentada, realidade mista e realidade estendida, consumidos por download ou por streaming.

Dessa definição, depreende-se que o Marco Legal dos Games tratou o “jogo eletrônico” ora como um programa de computador em si (incisos I e III), ora como um console/hardware (inciso II), institutos que possuem naturezas jurídicas e formas de proteção distintas.

O programa de computador, conforme o art. 1º da lei de software, “é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados”.

A lei de software assemelha o direito sobre tratamento da informação ao direito de autor sobre a forma de expressão, submetendo o direito do criador do software ao mesmo regime da lei 9.610/98 (“lei de direitos autorais”).

Embora não se apliquem aos programas de computador “as disposições relativas aos direitos morais”, a lei de software garante ao titular os direitos de paternidade e integridade da obra. O prazo de proteção exclusiva é de 50 anos, contados a partir do ano subsequente ao da publicação.

Tal qual os direitos autorais, a proteção do software independe de registro. Contudo, a lei de software estabelece que os programas de computador poderão ser registrados em órgão competente, função que o Poder Executivo atribuiu ao INPI - Instituto Nacional da Propriedade Industrial, também responsável pela concessão e manutenção de direitos de propriedade industrial (patentes, desenhos industriais, marcas e indicações geográficas).

Tendo em vista a desnecessidade desse registro, pouco utilizado para os softwares, causa estranheza a redação do art. 20 do Marco Legal dos Games, que inseriu um novo inciso, VI no art. 2º da lei 9.279/96 (“lei da propriedade industrial”), que passou a ter a seguinte redação:

Art. 2º A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante:

  1. concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade;
  2. concessão de registro de desenho industrial;
  3. concessão de registro de marca;
  4. repressão às falsas indicações geográficas;
  5. repressão à concorrência desleal; e
  6. concessão de registro para jogos eletrônicos.  

Ora, se nem mesmo o software em si, gênero do qual o jogo eletrônico é espécie, ensejou a alteração da lei da propriedade industrial, essa inserção é, no mínimo, atécnica. Caberá ao INPI regulamentar esse registro, provavelmente nos mesmos moldes da IN 99/19, relativa aos programas de computador.

Também é passível de questionamento a qualificação do console/hardware na mesma definição de “jogo eletrônico”, uma vez que se trata do hardware, ou seja, o conjunto dos componentes físicos de um aparelho eletrônico.

Ainda que se reconheça a necessidade de estímulo aos fabricantes desses equipamentos, como técnica legislativa, esse incentivo poderia dar-se por meio de equiparação ou criação de uma categoria distinta ao jogo eletrônico em si (software).

A inserção de hardware e software dentro do mesmo conceito legal, além de dúvidas, pode acarretar problemas práticos. Isso, porque a proteção desses equipamentos, desde que atendidos os requisitos legais, dá-se por meio de patente, seja do equipamento/hardware em si, seja do hardware como um suporte que contém um conjunto de instruções relacionados ao software (a chamada “patente de software”).

Em linhas gerais, a patente, além de regulada por legislação distinta – lei da propriedade industrial -, tem requisitos e características bem distintas do software. Para começar, o pedido de patente deve atender aos requisitos da novidade, atividade inventiva, aplicação industrial e não incidir em nenhuma das proibições legais.

A patente é concedida somente após detalhado exame pelo INPI, que, atualmente, tem um prazo médio de seis anos e validade de 20 anos, para a patente de invenção, e de 15 anos, para a patente de modelo de utilidade, contados do depósito do pedido.

Tendo em vista que a proteção das patentes é amplamente regulada pela lei da propriedade industrial, inclusive no inciso I do art 2º acima mencionado, a interpretação mais razoável seria a de que o registro no INPI, previsto no Art. 20 do Marco Legal dos Games, está relacionado somente à obra audiovisual interativa desenvolvida como software (incisos I e III do art. 5º), não alcançando “o dispositivo central e acessórios” (inciso II), objeto de proteção patentária.

Caberá ao INPI editar norma interna que esclareça essa questão e facilite o registro dos jogos eletrônicos, que deverá ser pouco utilizado, sobretudo em razão da inerente interatividade e evolução desses ativos, que se amoldam melhor à proteção conferida pelo direito autoral.

Considerando a importância econômica e social do mercado de jogos eletrônicos para a economia nacional, esperava-se um pouco mais de cuidado com os conceitos jurídicos trazidos pelo texto legal. Sem prejuízo, acreditamos que o INPI e os operadores do direito conseguirão contornar essa atecnia e contribuir para o fomento do setor.

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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

© 2024. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS.

Márcio Junqueira Leite
Integrante de Pinheiro Neto Advogados desde 2000 e trabalha no escritório de São Paulo. Atua nas áreas de Propriedade Intelectual, Tecnologia e Entretenimento.

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