Introdução
O universo jurídico, tradicionalmente marcado por um linguajar rebuscado e técnicas complexas, sempre foi percebido como uma fortaleza quase impenetrável para o cidadão comum. Termos arcaicos, latinismos e uma estrutura frasal intrincada são apenas algumas das características que definem o famoso "juridiquês" – uma linguagem que, muitas vezes, mais confunde do que esclarece. No entanto, nos últimos anos, tem-se observado uma crescente movimentação no sentido de tornar a comunicação jurídica mais acessível e direta. Este artigo se propõe a explorar essa tendência, analisando a importância de advogados e outros profissionais do direito adotarem uma linguagem mais simples em suas petições e no trato com a sociedade.
A necessidade de uma mudança na forma de comunicar o direito surge não apenas como uma demanda por eficiência, mas como um imperativo ético e social. Afinal, o direito é uma ferramenta fundamental para a garantia de justiça, e sua compreensão não pode ser privilégio de uma elite. A democratização do acesso à justiça passa, inevitavelmente, pela simplificação do discurso jurídico, tornando-o mais claro e compreensível para todos.
O pacto pela linguagem simples no Judiciário representa, portanto, mais do que uma mudança de formato; é um verdadeiro chamado para que o direito retorne à sua missão primordial de servir à sociedade. Este movimento busca substituir o obscurantismo por transparência, o elitismo por inclusão. Advogados, juízes, promotores e todos os profissionais envolvidos são convidados a reformular a maneira como expressam suas ideias, tornando-as acessíveis a quem realmente importa: o povo.
Ao longo deste artigo, discutiremos o impacto histórico do juridiquês, as iniciativas para promover a linguagem simples e como os advogados podem liderar essa transformação. Exploraremos as vantagens e os desafios dessa mudança, oferecendo um olhar detalhado sobre os benefícios que uma comunicação clara pode trazer para a eficiência processual e a confiança pública no sistema jurídico. É tempo de descomplicar o direito, reafirmando o compromisso com uma justiça verdadeiramente compreensível e ao alcance de todos.
1. O juridiquês e suas implicações
1.1 Definindo juridiquês
O termo "juridiquês" refere-se ao jargão técnico e à linguagem formal excessivamente utilizada por profissionais do direito. Este linguajar é marcado pelo uso de palavras arcaicas, latinismos e uma estrutura frasal que, muitas vezes, confunde mais do que esclarece.
1.2 Impacto no acesso à justiça
- Barreira linguística: A dificuldade de compreensão do juridiquês cria uma barreira linguística que afasta os cidadãos dos seus direitos, pois não compreendem completamente os documentos legais ou as orientações que recebem.
- Desconfiança pública: A opacidade da linguagem jurídica pode levar a uma percepção de elitismo e exclusividade, alimentando a desconfiança em relação ao sistema jurídico.
2. A movimentação para uma linguagem simples
2.1 O que é linguagem simples?
Linguagem simples é uma forma de comunicação que prioriza a clareza, concisão e a utilização de um vocabulário acessível. O objetivo é garantir que a mensagem seja compreendida rapidamente e sem ambiguidades por qualquer pessoa, independentemente de sua familiaridade com o tema.
2.2 Iniciativas internacionais e nacionais
- Exemplos Internacionais: Países como Estados Unidos1, Canadá2 e membros da União Europeia3 têm adotado políticas de linguagem simples há décadas, com resultados significativos na aproximação entre cidadãos e serviços jurídicos e governamentais. Por exemplo, nos Estados Unidos, a lei de comunicação em linguagem simples de 20104 exige que documentos governamentais sejam escritos de forma clara e acessível.
- Movimento no Brasil: No Brasil, o CNJ iniciou em 2023 um programa para incentivar o uso de linguagem clara e simples nos documentos judiciais5. A iniciativa inclui treinamentos para magistrados e servidores, além de campanhas de conscientização sobre a importância da clareza no discurso jurídico6.
- Confira aqui a íntegra do artigo.
1 American Bar Association. (2006). The Plain Language Movement. Washington, DC: ABA. https://www.plainlanguage.gov/about/history/american-bar-association. Acesso em 07/05/2024.
2 Supreme Court of Canada. (2019). Guidelines for Writing Supreme Court of Canada Judgments in Plain Language. Ottawa, ON: SCC. https://www.sst-tss.gc.ca/en/our-work-our-people/evaluation-plain-language-decision-writing. Acesso em 09/05/2024.
3 Council of Europe. (2017). European Principles on the Use of Plain Language in Public Administration. Strasbourg: CE. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:51995IE0797&rid=6. Acesso em 07/05/2024.
4 United States of America. Plain Writing Act of 2010. Washington, D.C. https://www.govinfo.gov/app/details/PLAW-111publ274. Acesso em 07/04/2024.
5 CNJ. (2023). Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples. Brasília, DF: CNJ. Acesso em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/11/pacto-nacional-do-judiciario-pela-linguagem-simples.pdf. Acesso em 08/05/2024.
6 CNJ. (2023). Cartilha Linguagem Simples na Justiça. Brasília, DF: CNJ. Acesso em: https://www.cnj.jus.br/gestao-da-justica/acessibilidade-e-inclusao/pacto-nacional-do-judiciario-pela-linguagem-simples. Acesso em 08/05/2024.