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A abusividade no cancelamento unilateral dos planos de saúde e os direitos do consumidor

Operadoras de plano de saúde têm cancelado contratos unilateralmente, violando legislação e boa fé, exigindo ação judicial para correção.

9/5/2024

O descumprimento pelas operadoras da legislação da saúde, do CDC e das premissas basilares da boa fé contratual: surrectio.

É cediço que nos contratos de plano de saúde, o cancelamento apenas é admitido nas hipóteses de fraude ou falta de pagamento desde que comunicada pela operadora, conforme previsto no art. 13 da lei 9.656/98.

Atualmente, grande parte dos usuários dos planos de saúde tem sido surpreendida com carta de sua exclusão, sendo vítima do cancelamento unilateral do contrato sem qualquer causa aparente, com necessidade de ação judicial para rever a conduta das operadoras.

A partir de análise minuciosa do tema, é possível vislumbrar que em quase a totalidade dos casos os usuários são incluídos na apólice normalmente e, tempos após o curso contratual, com pagamento regular das mensalidades e plano de saúde ativo, são surpreendidos com a notícia de cancelamento do contrato.

O fato é que a conduta das operadoras não observa as formalidades e os prazos legais para cancelamento unilateral do contrato, deixando o consumidor sem qualquer amparo para assistência médica em face da ausência de solução na situação de adversidade gerada.

Registra-se que é permitida a finalização do contrato pela empresa, entretanto, para a realização do cancelamento unilateral e imotivada pela operadora  de plano de saúde devem ser observadas as exigências legais, a saber, o plano deve estar vigente a pelo menos 12 meses, além do dever da notificação prévia do contratante com antecedência mínima de 60 dias, regras essas que sequer tem sido observadas pelos planos de saúde no país.

Nesse aspecto, cumpre destacar que a operadora deve disponibilizar plano de saúde individual ou familiar de forma a garantir a continuidade na prestação dos serviços nas mesmas condições do plano cancelado, sem necessidade de cumprimento de novos períodos de carência.

Acrescente-se que, em caso da operadora não comercializar planos individuais ou familiares, deve ser disponibilizada a migração/portabilidade, não havendo obrigatoriedade de manutenção dos valores anteriores.

Ademais, já sedimentaram os tribunais que deve haver a continuidade do vínculo contratual para os beneficiários que estiverem internados ou em tratamento médico, até a respectiva alta, sendo absolutamente vedado o cancelamento unilateral do contrato nesses casos especiais.

O entendimento da 2ª seção do STJ, sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.082), é que a operadora mesmo após rescindir unilateralmente o plano ou o seguro de saúde coletivo deve garantir a continuidade da assistência a beneficiário internado ou em tratamento de doença grave, até a efetiva alta, desde que ele arque integralmente com o valor das mensalidades.

Não menos importante, é válido ressaltar que, atualmente, se pronunciou o STJ, com destaque para necessidade de observância da boa fé contratual durante toda a execução do plano de saúde pelas partes:

Destaca-se que a conduta da operadora acaba por violar, inclusive, uma das premissas basilares da boa fé contratual haja vista que provocou o surgimento de posição jurídica pelo comportamento nela contido e, como efeito desse comportamento, haveria, por força da necessidade de manter um equilíbrio nas relações sociais, o surgimento da uma pretensão.

Segundo Gonçalves: “Um direito não exercido durante determinado lapso de tempo não poderá mais sê-lo, por contrariar a boa-fé”.

O mencionado comportamento demonstra a necessidade de agir mediante conduta retilínea, impedindo que a parte oposta venha a ser pega de surpresa, sob pena de violação da boa fé objetiva que deve reger as relações contratuais desde o início até o fim do contrato.

Poderíamos falar em uma surrectio pelo transcurso do tempo e conduta das partes em aceitar que os atos fossem praticados daquela forma: se fosse o caso de exclusão do contrato, deveria ter ocorrido em observância às regras legais e com as opções disponíveis no mercado para nova contratação compatível ao contrato original.

Sobre a matéria, o CDC em seus arts. 12, 13 e 14 impõe a responsabilidade objetiva aos fornecedores de produtos e serviços, com base na teoria do risco da atividade, que somente é afastada mediante comprovação de culpa exclusiva do consumidor, caso fortuito ou a ocorrência das excludentes do dever de indenizar elencadas na lei.

Dessa forma, uma vez cancelado o contrato, ainda que recebido pelo consumidor a carta de exclusão, é abusiva a conduta das operadoras se não foram observadas as normas para a finalização da relação, inclusive, em caso de tratamento de saúde e ou ausente a disponibilização plano de saúde compatível, nas mesmas condições do plano cancelado, sem necessidade de cumprimento de novos períodos de carência.

Instaurada a situação adversa, a via judicial é a saída para  provocar a fixação de obrigação de fazer para fins de reativação/manutenção do plano de saúde como medida que se impõe, conforme CDC, inclusive, com fixação de danos morais ao consumidor, já tendo precedentes favoráveis em todo o país.

Pelo exposto, é evidente que a prática da parte Demandada afronta os dispositivos da lei 8078/90, mormente porque não observada a norma insculpida no art. 14 do mencionado diploma legal, ao ter descumprido o contrato firmado entre as partes.

Assim é que, uma vez evidente a prática abusiva dos planos privados de saúde, cabe ao Poder Judiciário coibir a exclusão/manutenção do contrato, caso a caso, em conformidade com as normas estabelecidas pelo CDC e lei 9.656/98, aplicando-se, ainda, os princípios da conservação dos contratos e da proporcionalidade da razoabilidade.

Milena Cintra
Advogada Cível e Consumidor. Especialista em Direito Educacional e FIES. Pós Graduada em Direito Público. Atualmente desempenhando também função de juíza leiga na Comarca de Salvador.

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