A IN 95, de 21 de fevereiro de 2024, do TCU, advém de esforços institucionais bastante amplos. Especificamente, ela tem origem no acórdão 239/24, do Plenário do TCU. Deriva de um grupo de trabalho formado no interior da Corte de Contas federal. Tomou em consideração, de maneira expressa, o Acordo de Cooperação Técnica (ACT), firmado em agosto de 2020, entre a Controladoria-Geral da União (CGU), a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), todos liderados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Podemos acrescentar que, em certo sentido, a Instrução Normativa 95/2024 também resulta do referido ACT.
É oportuno resgatar que o TCU editou a Instrução Normativa 74 em 11 de fevereiro de 2015. O Instrumento dispôs sobre a fiscalização do Tribunal nos acordos de leniência celebrados pela Administração Pública federal. A norma foi revogada pela Instrução Normativa n. 83, de 12 de dezembro de 2018. Constatam-se parte dos precedentes da matéria, todos fundamentados no poder regulamentar descrito no artigo 3º da lei 8.443, de 16 de julho de 1992, que instituiu a Lei Orgânica da Corte de Contas federal.
Os acordos de leniência — bastante difundidos em tempos recentes — têm embasamento central na lei 12.846, de 1º de agosto de 2013, conhecida como Lei Anticorrupção. Com a publicação do texto normativo, adveio uma grande expectativa quanto à expedição do seu decreto regulamentador. O decreto 8.420, de 18 de março de 2015, foi revogado pelo decreto 11.129, de 11 de julho de 2022. Trataram, ambos, de numerosos pontos da lei 12.846/13. Tanto o artigo 29 do decreto 8.420/15 quanto o artigo 34 da lei 11.129/22 endossaram a competência da Controladoria-Geral da União para celebrar os acordos de leniência no âmbito federal.
No que diz respeito às suas estruturas internas, a Instrução Normativa 95/24 é um documento extenso — o acórdão possui 133 páginas e o texto normativo enuncia 32 artigos —, com diversos detalhamentos, muitos deles procedimentais, voltados à cooperação interinstitucional, e que reconhecem a necessidade da estruturação pormenorizada dos acordos de leniência.
No plano de fundo da Instrução Normativa, estão presentes aspirações como a salvaguarda da “coerência e da integridade da jurisprudência do TCU” e a tentativa de esclarecer o papel desempenhado pelos diferentes atores envolvidos, antes apontados, permitindo, assim, articulações superiormente convergentes. Em outras palavras, tenta-se estimular a racionalidade entre os escopos complementares – entre a CGU e o TCU, por exemplo – nos procedimentos. Cita-se a busca por celeridade e por “evitar atividades desnecessárias pelo próprio TCU”.
A clareza e a correta intersecção dos aparatos institucionais concernentes aos acordos de leniência são fundamentais para garantir a sua validade e a segurança jurídica – que faltaram, por vezes, em tempos recentes. Hoje, existe uma relevante quantidade de acordos de leniência sendo objeto de judicialização.
Quanto ao conteúdo, as disposições da Instrução Normativa abrangem diferentes direções. Como as informações recebidas no TCU, com origem na CGU e na AGU, devem ser tratadas? Institui-se um conjunto de regramentos para tanto. Fixam-se diretrizes. É uma forma de regulamentar e ordenar a colaboração entre os agentes. Com grande relevância, definem-se os procedimentos para cômputo dos valores devidos. Também foram assentadas regras para o tratamento e o manuseio dos dados obtidos.
Um dos pontos mais relevantes da Instrução Normativa prevê que a CGU e a AGU remeterão cópia da proposta de acordo de leniência para o TCU. Caberá ao Tribunal examinar, então, se os valores discriminados podem quitar os danos em questão. Como apontado acima, não compete ao TCU firmar acordos de leniência. Uma vez mais, cabe reiterar: o papel a ser desempenhado pela Corte de Contas federal resta confirmado, o que pode resultar no incremento da previsibilidade.
Cabe recordar, no particular, o recente debate institucional entre a CGU e o TCU em torno dos acordos de leniência. A CGU possui competência para celebrar os acordos com base no artigo 16, §10º da lei 12.846/13. Por sua vez, a Instrução Normativa em exame assevera estar fundamentada, principalmente, em dois diplomas antes mencionados: o Acordo de Cooperação Técnica de agosto de 2020 e o artigo 3º da lei 8.443/92. É importante historiar os dois itinerários para confirmar os papéis diferentes das instituições.
O TCU prestará informações à CGU e à AGU acerca de processos em tramitação que possam conter relação com os acordos de leniência, agregando, portanto, subsídios e elementos de primeira relevância. O compartilhamento de dados tem potenciais benefícios.
Para facilitar as análises da CGU e da AGU sobre as decisões produzidas pelo Tribunal, prevê-se que os acórdãos “discriminarão, quando couber, os processos de controle externo vinculados aos danos, por objeto (ato ou contrato) e irregularidade.”
Merece menção, ainda, o papel do Ministério Público Federal (MPF). Existem aspectos que não foram abrangidos pela lei 12.846/13. Questionamentos posteriores, por parte do MPF, quanto à celebração dos acordos pela CGU, com a observância do TCU, podem colocar todos os esforços depreendidos em xeque. Emerge, aqui, um problema grave de (in)segurança jurídica. Transparência e previsibilidade são ainda mais imperativas em uma matéria como a presente.
Outro fato correlacionado merece registro. Na arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 1.051/DF, que controverte as leniências celebradas antes do acordo de cooperação técnica de agosto de 2020, previamente citado, o relator, ministro André Mendonça, em despacho, entendeu oportuno designar audiência de conciliação entre a Procuradoria-Geral da República (PGR), a AGU e a CGU. O TCU foi convidado a participar, bem como os partidos políticos autores e as empresas que firmaram acordos de leniência antes do acordo de cooperação técnica de agosto de 2020.1
À evidência, é uma tentativa de autocomposição. Mais do que o aspecto processual em sentido estrito, o esforço de coesão entre os diferentes agentes merece ser destacado. Foi fixado o prazo de 60 dias para que as partes cheguem ao consenso.
Os acordos de leniência seguem alinhados às tendências mais modernas de controle. O texto normativo ora examinado, perceptivelmente, objetiva aumentar o grau de segurança jurídica. Na linha do horizonte, tem-se a promoção do consenso. Por outro lado, objetiva-se resistir ao que o próprio Instrumento denomina como “excesso de consensualidade”. Para que os mecanismos de gestão e de controle público sejam mais eficientes, parâmetros bem definidos são necessários; do contrário, tem-se o risco de deturpar a busca da consensualidade, como se fosse uma ferramenta de barganha. Para evitar o cenário, o compartilhamento estratégico de informações demonstra ser crucial e a tecnologia pode ser um instrumento absolutamente pertinente para o alcance desse desiderato. É o que se espera e o que se deve concretizar no Estado de Direito.
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1 Conforme noticia constante no sítio do Supremo Tribunal Federal. . Acesso em 3 mai. 2024.