Migalhas de Peso

Reajuste exorbitante do plano de saúde. É devido?

Planos de saúde crescem devido à deficiência do sistema público, mas reajustes abusivos afetam orçamentos, desrespeitando normas da ANS.

8/5/2024

Diante da notória deficiência do sistema público de saúde, especialmente quanto a vazão nos atendimentos que a população faz jus, é que os planos de saúde tiveram exponencial crescimento, prestando um serviço de natureza essencial à vida e a dignidade da pessoa humana.

Contudo, a contraprestação do serviço pelo convenio médico tem comprometido cada vez mais o orçamento familiar em razão dos abusivos reajustes anuais ocorridos, sob a justificativa de reposição do valor de mercado pela inflação, ou ainda, de forma mais setorizada, pelo aumento da sinistralidade ou a faixa etária dos consumidores.

Ocorre que a ANS possui normas específicas para regular tais aumentos e que são, via de regra, ignoradas pelas operadoras.

A brecha legal para essa prática acontece pois a maioria dos planos de saúde atuais são realizados por contratos coletivos por adesão, que não possuem o reajuste regulado pela ANS, sendo a negociação livre pelas seguradoras e operadoras (enquanto o PL 7.419/06, que promete revisar a legislação e corrigir os reajustes encontra-se parado na Câmara dos Deputados).

Assim, cabe ao Poder Judiciário quando acionado revisar esses contratos de forma a restabelecer o equilíbrio contratual.

A lei 9.656/98, que dispõe sobre os planos de saúde, é expressa ao determinar que a justificativa do aumento das mensalidades deve estar claramente demonstrada.

E ainda, a resolução normativa 171/08 da ANS determina que:

Art. 12. §2º Caso as cláusulas do contrato não indiquem expressamente o índice de preços a ser utilizado para reajustes das contraprestações pecuniárias e/ou sejam omissas quanto ao critério de apuração e demonstração das variações consideradas no cálculo do reajuste, deverá sera dotado percentual limitado ao reajuste estipulado pela ANS, de acordo com esta resolução.

Ademais, os temas da repercussão geral do STJ 952 e 1.016, teses firmadas pelo REsp 1.568.244/RJ (Tema 952) e REsp 1.716.113 e REsp 1.715.798 (Tema 1.016), trazem a orientação de que além da previsão contratual, a necessidade dos reajustes deve ser comprovada:

Tema 952 do STJ: O reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que (i) haja previsão contratual, (ii) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e (iii) não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso.

Tema 1.016 do STJ: (a) Aplicabilidade das teses firmadas no Tema 952/STJ aos planos coletivos, ressalvando-se, quanto às entidades de autogestão, a inaplicabilidade do CDC; (b) A melhor interpretação do enunciado normativo do art. 3°, II, da Resolução 63/03, da ANS, é aquela que observa o sentido matemático da expressão 'variação acumulada', referente ao aumento real de preço verificado em cada intervalo, devendo-se aplicar, para sua apuração, a respectiva fórmula matemática, estando incorreta a simples soma aritmética de percentuais de reajuste ou o cálculo de média dos percentuais aplicados em todas as faixas etárias.

Dessa forma, é certo que o reajuste, para que seja legal, deverá ser fundamentado e devidamente justificado, de forma que seja facilmente compreendido pelo consumidor a necessidade do aumento da mensalidade em razão do efetivo aumento das despesas médico-hospitalares, administrativas e do próprio índice de sinistralidade e da faixa etária.

No entanto, importante destacar que, ainda que justificado, o aumento não poderá ocasionar o desequilíbrio contratual, onerando demasiadamente o consumidor, devendo ser aplicada de forma equiparada, os índices já aplicados pela ANS para o reajuste contratual.

Conclui-se que, diante de situações que possam acarretar vantagens demasiadas para uma das partes na relação contratual com excessiva onerosidade para um dos contratantes, a revisão do contrato é regra que se impõe, sendo amplamente aplicada nos casos de revisão de valores em contratos de plano de saúde. 

Alonso Santos Alvares
O advogado é sócio da Alvares Advogados, escritório de advocacia especializado nas mais diversas frentes do Direito Empresarial, Civil, Trabalhista e Tributário.

Mayara Aprill
Advogada especialista em Direito Empresarial e coordenadora do núcleo cível da Alvares Advogados, escritório de advocacia especializado nas mais diversas frentes do Direito Empresarial.

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