O transporte aéreo dos animais de estimação no Brasil, está tendo destaque na mídia no ano de 2024, devido a situação fática envolvendo o cachorro Joca, que veio a óbito durante transporte aéreo brasileiro, causando comoção social, repercussão de mídia, e diversos pedidos de explicações de nossas autoridades, representantes e sociedade civil, o que fez com que o transportador aéreo responsável suspendesse o transporte de animais por 30 dias, que a ANAC realizasse audiência pública e fosse apresentado projeto de lei.
Fato é, o caso Joca não foi o primeiro, não é caso isolado, e infelizmente, talvez não seja o último, pois em casos semelhantes houve a comoção, houve a repercussão de mídia, pedido de explicações, suspensão de transporte aéreo por tempo determinado de animais, apresentação de PL, mas nenhuma mudança concreta e efetiva, a fim de garantir, regras claras, fiscalização e respeito à vida, saúde e bem-estar animal.
Tivemos tão somente, a elaboração da portaria 12.307/23 da ANAC - Agência Nacional de Aviação Civil, que dispõe sobre as condições gerais para o transporte aéreo de animais (estimação e assistência emocional) aplicáveis ao transporte aéreo de passageiros, doméstico e internacional, nos termos do que dispõe o art. 15 da resolução 400/16:
Art. 15. O transportador deverá informar aos usuários quais bagagens serão submetidas a procedimentos especiais de despacho, em razão de suas condições de manuseio ou de suas dimensões.
§ 1º As bagagens que não se enquadrarem nas regras estabelecidas pelo transportador, conforme o caput deste artigo, poderão ser recusadas ou submetidas a contrato de transporte de carga.
§ 2º O transporte de carga e de animais deverá observar regime de contratação e procedimento de despacho próprios.
Como se vê, a ANAC, em tese elaborou a portaria 12.307/23 no contexto de que animal é bagagem, pois o art. 15 da resolução 400/16, trata-se do direito de informação ao passageiro sobre despacho de bagagem, em tese, o tutor do animal é colocado na condição de passageiro, ora consumidor (art. 2º do CDC), o animal equivocadamente na condição de bagagem, e o transportador aéreo, na condição de fornecedor de serviço (art. 3º do CDC), assegurado o direito à informação do consumidor.
Mas, ANIMAL NÃO É BAGAGEM, é uma vida que merece ser vivida durante seu ciclo natural, sujeito de direito sui generis, dotado de função biológica, ser senciente, que sente fome, sede, medo, frio, calor, dor e sofrimento, sendo vedada a crueldade, tipificado como crime maus-tratos, crueldade e abuso, logo, o animal deveria ter sido tratado como passageiro, disciplinando regras claras para seu embarque na cabine sob companhia e guarda de seu tutor, que teria a responsabilidade pelo animal, ênfase aos animais de estimação e de assistência emocional que são membro de família, compondo a conceituada família multiespécie.
Além de que, em tese, a portaria 12.307/23 da ANAC, não assegurou o direito do consumidor, ora tutor do animal, que garante uma presunção absoluta relacionada à vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, inciso I, do CDC), garantindo a prestação do serviço de forma eficiente, a informação clara, objetiva e compreensiva do serviço prestado (art. 6º, e seus incisos, do CDC), bem como proíbe contrato com cláusulas abusivas e desproporcionais (art. 51 do CDC), vejamos:
Portaria 12.307/23:
Art. 1º Dispor sobre as condições gerais para o transporte de animais aplicáveis ao transporte aéreo de passageiros, doméstico e internacional, nos termos do que dispõe o art. 15 da resolução 400/16.
Art. 2º Para os efeitos desta portaria, aplicam-se as seguintes definições:
I - Animal de assistência emocional: Animal de companhia, isento de agressividade, que ajuda um indivíduo a lidar com aspectos associados às condições de saúde emocional e mental, proporcionando conforto com sua presença.
II - Animal de estimação: Animal de companhia, isento de agressividade, que convive dentro ou em dependências da residência, mantendo uma relação de companhia, interação, dependência ou afeição com um ou mais indivíduos desta residência.
Art. 3º O transportador aéreo poderá ofertar o serviço de transporte de animal de estimação ou de assistência emocional na cabine de passageiros ou despachado no compartimento de bagagem e carga da aeronave, nos termos do contrato de transporte.
Parágrafo único: O disposto nesta portaria não se aplica aos animais despachados como carga nos termos da resolução ANAC 139, de 9/3/10.
Art. 4º O transporte de animal na cabine de passageiros ou despachado no compartimento de bagagem e carga da aeronave deverá observar as regulamentações específicas de segurança operacional e de segurança da aviação civil contra atos de interferência ilícita emitidas pela ANAC.
Art. 5º O transportador aéreo poderá determinar o preço a ser pago por seus serviços de transporte de animais de estimação ou de assistência emocional.
Art. 6º No momento da comercialização do contrato de transporte, o transportador aéreo, caso ofereça o serviço de que trata o art. 3º, deverá disponibilizar informações claras sobre os seus serviços de transporte de animais de estimação ou de assistência emocional, na cabine de passageiros ou despachado no compartimento de bagagem e carga da aeronave, as respectivas regras aplicáveis e restrições, tais como:
I - Franquia de peso;
II - Quantidade de volumes;
III - Espécies admitidas;
IV - Valores;
V - Procedimento de despacho dos animais.
Art. 7º Mesmo nos casos em que é oferecido o serviço de que trata o art. 3º, o transportador aéreo poderá restringir a quantidade ou negar o transporte de animal de estimação ou de assistência emocional por motivo de capacidade da aeronave, incompatibilidade com o espaço disponível na cabine da aeronave ou capacidade de atendimento da tripulação da cabine nas situações de emergência ou nos casos em que haja risco à segurança das operações aéreas.
Parágrafo único. Em caso de negativa de embarque por motivo de contingência operacional, o transportador aéreo deverá assegurar a devida assistência ao passageiro e seu animal, nos termos constantes no contrato e na legislação de aviação civil.
Art. 8º. O responsável pelo animal de estimação ou de assistência emocional a ser transportado deverá apresentar, quando da realização do despacho, comprovação do cumprimento dos requisitos sanitários e de saúde animal exigidos na legislação aplicável.
Parágrafo único. O animal de estimação ou de assistência emocional deverá ser submetido à inspeção de segurança conforme disposto na portaria 1.155/SIA/15 ou regulamentação superveniente para fins de embarque.
Art. 9º. Para efeitos de garantia da segurança das operações aéreas, segurança sanitária no ambiente da cabine e segurança física dos demais passageiros, o responsável pelo animal de estimação ou de assistência emocional deverá seguir integralmente as obrigações contratuais acordadas, atendendo sempre às orientações das equipes do transportador aéreo.
Art. 10. Quando oferecido o serviço de que trata o art. 3º, o transportador aéreo poderá estabelecer procedimentos específicos para a realização do protesto quando do recebimento do animal de estimação ou de assistência emocional despachado no compartimento de bagagem e carga da aeronave.
Art. 11. Nos casos de dano causado ao animal de estimação ou de assistência emocional no decorrer do transporte, o transportador aéreo deverá indenizar o passageiro na forma do disposto no capítulo III da resolução ANAC 400, de 13/12/16.
Art. 12. Os procedimentos de atendimento aos usuários do transporte aéreo deverão observar as previsões do capítulo IV da resolução 400/16.
Art. 13. O descumprimento de qualquer requisito aplicável ao transporte de animais autorizará o transportador aéreo a negar o embarque do animal de estimação ou de assistência emocional.
Art. 14. Esta portaria entra em vigor em 2/10/23.1
Como se vê, a portaria falha no direito do consumidor, por deixar a escolha do modo de transporte na cabine dos passageiros ou no compartimento de bagagem ou carga do animal, para o transportador aéreo, quando o CDC garante a liberdade de escolha, ao consumidor, em que o mesmo possui o direito de escolher, dentre os produtos ou serviços oferecidos, o que achar melhor para o consumo, não devendo ocorrer interferência do fornecedor, nos termos do art. 35 do CDC.
Ou seja, ofertando o transportador aéreo, transporte de animal de estimação ou assistência emocional na cabine de passageiros ou compartimento de bagagem ou carga, a escolha deveria ser do consumidor.
Só que, além de afrontar a liberdade de escolha do consumidor, afronta também o direito à informação clara, objetiva e compreensiva, e serviço eficiente quando permite o transportador aéreo, mesmo tendo vendido transporte na cabine de passageiros para o animal, negar o serviço no momento do embarque, sob a justificativa de capacidade da aeronave, incompatibilidade com o espaço disponível na cabine da aeronave ou capacidade de atendimento da tripulação da cabine nas situações de emergência ou nos casos em que haja risco à segurança das operações aéreas.
O consumidor não pode se deparar com evento "surpresa", ele possui o direito a regras claras do serviço contratado, pois assim não sendo, o contrato pode ser considerado nulo, por em tese, conter cláusula abusiva e desproporcional ao consumidor, sendo que a portaria da ANAC não pode sobrepor mandamento constitucional que assegura em seu art. 5º, inciso XXXII, e art. 170, inciso V, a defesa e proteção do consumidor.
Embora é assegurado indenização ao passageiro por falha na prestação de serviço, nos termos da resolução 400/16 da ANAC (legislação consumerista também assegura), ela não assegura o serviço eficiente e a prevenção de óbito, dano à saúde, ou fuga de animais.
Logo, a ANAC deveria elaborar regras claras, em conformidade com o direito do consumidor e direito animal brasileiro, que compreende fiscalização ostensiva, a fim de prevenir que eventos danosos aconteçam aos animais, não é mais cabível traçar regras apenas considerando o ser humano, ser vivo, é preciso respeito a todos seres viventes, não podendo eximir o transportador aéreo de entregar o animal no seu destino contratado, em perfeitas condições de saúde e bem-estar nos termos do laudo médico-veterinário (voo nacional) ou CVI - Certificado Veterinário Internacional – Voo internacional entregue no momento do embarque.
A partir do momento que o transportador aéreo retira do tutor pet a guarda do animal e a transfere para si, é sua responsabilidade com aquela vida, e se falhar, seja pelo óbito, fuga ou dano à saúde, a penalidade deve ser rigorosa e desestimuladora, não só na perspectiva da indenização (moral e material), mas também administrativa, entre elas, a relação de consumo, e, penal sob duas linhas de análise, investigação sobre possível caracterização do crime de maus-tratos tipificado no art. 32 da lei 9.065/98, com ênfase na diretriz constitucional que veda a crueldade animal, bem como, a possível ocorrência de crime contra o consumidor nos termos do art. 61 ao 80 do CDC.
Destarte, em regra, o óbito, dano à saúde, ou fuga de animal durante transporte aéreo, não é fatalidade, como afirmado por algumas empresas aéreas, (caso Joca a mídia afirmou que a empresa aérea admitiu a falha) quando diante de um acidente de consumo nos termos do art. 14 do CDC, em que o fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa, pelo dano causado ao consumidor por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Ou seja, caso o animal não viaje na cabine de passageiros, que seja disponibilizado espaço adequado para transportar vidas, e não bagagem e/ou carga, com adequação do transporte, temperatura (ventilação), iluminação, água, comida, conforto, e, que o tutor pet possa acompanhar através de câmeras o animal, e, a temperatura local, que deve ser de responsabilidade de médico-veterinário, que é o profissional habilitado para cuidar do bem-estar animal, em solidariedade com o transportador aéreo.
Inconteste que o CDC, a Constituição Federal e a lei 9.605/98, garantem o transporte aéreo de animais de forma eficiente, que assegure a vida, saúde e bem-estar dos animais, porém sua aplicação e efetividade não está sendo cumprida, tendo em vista, em tese, a resolução 12.307/23 da ANAC, que afronta legislação consumerista, causando transtorno ao consumidor no momento de viajar com seu membro familiar pet, que muitas vezes precisa socorrer-se ao judiciário, a fim de assegurar seu direito de forma preventiva, ou após fato que cause dano de forma indenizatória, o que é um absurdo e deve ser rechaçado de forma mais rígida pelo judiciário, a fim de desestimular que transportador aéreo continue ceifando direito do consumidor e vida animal.
1 Disponível em: https://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao-1/portarias/2023/portaria-12307