A segurança jurídica contratual tem sido continuamente desafiada pelas constantes inovações tecnológicas do mercado, o que faz com que o direito e os advogados precisem se adaptar aos novos cenários que se apresentam. Em especial nos casos de startups de tecnologia, tais como lawtechs, fintechs e healthtechs, dentre outras, onde formas disruptivas de prestação de serviços são disponibilizadas ao público consumidor, é muito comum que institutos tradicionais da ciência jurídica peçam uma adaptação para melhor atender as necessidades de todos.
Mesmo nos ambientes virtuais os ajustes contratuais precisam estipular as obrigações e direitos dos envolvidos desde a concepção, pesquisa e desenvolvimento dos empreendimentos, até a sua disponibilização para fruição aos usuários finais, destinatários da atividade empresarial. Os avanços tecnológicos podem trazer consigo grandes recompensas, na forma de lucros elevados e soluções para problemas de milhões de pessoas, mas não podemos nos esquecer dos riscos comumente agregados a negócios e iniciativas disruptivas.
Cabe desta forma ao ordenamento jurídico, oferecer soluções a tais aperfeiçoamentos e renovações tecnológicas de forma a tentar ao máximo adotar padrões mínimos possíveis de confiança, previsibilidade e estabilidade no manejo dos riscos ligados a inovação.
O instrumento utilizado mais comumente nesses casos costuma ser o mútuo conversível, muito adotado por investidores e fundos de investimentos que atuam junto a startups. Trata-se de modelo adotado nos países de tradição jurídica commom law, em especial nos Estados Unidos, pela sua simplicidade e pouca burocracia.
O mútuo conversível é basicamente um acordo de empréstimo de moeda cuja restituição futura é realizada por meio de cotas representativas de participação na composição da sociedade, ou a devolução dos recursos nos casos elencados no contrato. Costuma ser utilizado nos casos de alocação de venture capital, capital de risco, usualmente utilizado neste tipo de empresas, as quais ainda não detém faturamentos relevantes no início de suas operações em estágio bastante inicial.
Em casos específicos pode ser utilizado o contrato de vesting, um ajuste comum nas hipóteses de atração ou retenção de talentos-chave para um determinado empreendimento, notadamente em start ups de tecnologia. Nada mais é o vesting do que uma concessão de opção de compra de ações ou cotas (stock option) a determinados colaboradores ou funcionários dentro de um período de carência e aquisição.
Mais recentemente algumas formas de contratação inovadoras começaram a ser adotadas, ainda sem regulamentação em nosso sistema jurídico, como por exemplo, o modelo KISS - Keep It Simple Security, que consiste em um ajuste contratual que viabiliza ao investidor a prerrogativa de adquirir ações em momento posterior, com base em algum desconto ou limite pré determinado. Basicamente um instrumento de dívida que pode ser convertido me capital em um momento futuro. Em outra mão, constatamos também a utilização do modelo SAFE - Simple Agreement for Future Equity, que é o formato de contrato que representa uma promessa de emissão de ações a posteriore, desde que atendidas determinadas condições.
A necessidade de instrumentos ágeis e adequados para o aporte de recursos em startups e empreendimentos inovadores vem ganhando destaque, cabendo destaque para o projeto de LC 252/23, em trâmite no Senado Federal, cujo objeto é a criação de um novo veículo de investimento em novos empreendimentos. O referido projeto modifica a LC 182/21 (Marco Legal das Startups) para instituir e regulamentar o CICC - Contrato de Investimento Conversível em Capital Social, cuja finalidade é permitir que os valores investidos sejam transformados em participação societário nas empresas.
O regime jurídico do CICC é bastante assemelhado ao da SAFE, instrumento largamente utilizado no mercado internacional. Neste regime jurídico, até o momento da conversão dos investimentos em participação societária, os valores não fazem parte do capital social da start up, o que protege a alocação de recursos realizada pelo investidor de riscos, tais como débitos trabalhistas e fiscais. Nos termos delineados, a adoção deste modelo insere o Brasil em um circuito relevante de negócios transnacionais, aumentando a segurança jurídica e a estabilidade das relações.
Cada empreendimento disruptivo possui suas especificidades, e a necessidade de elevadas quantias de recursos, bem como os intensos riscos nos processos de pesquisa e desenvolvimento, são características destas iniciativas. A escolha do contrato adequado para cada caso é o desafio do advogado nestes projetos.