O instituto da usucapião tem suas origens profundamente enraizadas no direito romano, com o objetivo de promover o uso eficaz da terra e resolver conflitos fundiários. O direito romano valorizava a posse, reconhecendo que um indivíduo poderia adquirir a titularidade de um imóvel se mantivesse a posse por um período específico, sem oposição ou interrupção por parte do proprietário.
Trata-se, portanto, de um tradicional instituto jurídico que desde sempre teve como objetivo incentivar o uso produtivo da terra e garantir que a terra não se tornasse ociosa ou subutilizada. A premissa do direito romano era simples: A posse contínua e pacífica durante um período específico poderia resultar na aquisição da propriedade pelo possuidor, garantindo assim que a terra contribuísse para a economia e a sociedade, daí surgindo, por conseguinte, o conceito de função social da propriedade.
O conceito fundamental da usucapião reflete uma abordagem pragmática dos direitos de propriedade, enfatizando a importância da posse e do uso da propriedade em detrimento da mera propriedade nominal. Ao longo dos séculos, o instituto da usucapião foi adaptado e evoluiu continuamente, passando de suas origens no direito romano para se tornar um aspecto fundamental do direito imobiliário moderno, sendo inserido ainda, em nossa carta magna (art. 183), como um instituto relevante para a garantia da função social da propriedade, e por via de consequência, aos preceitos da ordem econômica (CF art. 5º, XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social).
Durante a Idade Média, o conceito foi adaptado aos sistemas feudais de posse de terra, onde a propriedade estava ligada à lealdade e ao serviço a um senhor ou monarca, complicando ainda mais a dinâmica de posse e propriedade. No entanto, à medida que as sociedades passavam de sistemas feudais para formas de governança mais centralizadas, as leis em torno da usucapião evoluíram para refletir as mudanças nos cenários sociais e econômicos.
Nos tempos modernos, o princípio foi codificado em nossa legislação, com critérios e prazos específicos estabelecidos para regular o processo de aquisição de propriedade através da posse, a regulamentação foi impulsionada pela necessidade de equilíbrio entre os direitos dos latifundiários e o interesse da sociedade no uso produtivo e eficiente da terra.
Como resultado, as leis modernas sobre usucapião incorporam elementos como a necessidade de animus domini, ou seja, o comportamento como proprietário do bem; inexistência de oposição à posse; existência de justo título a depender da modalidade, ou seja, de um documento que se acredite ser suficiente para a transmissão do bem; boa-fé; e posse ininterrupta por um determinado período, também a depender da modalidade, refletindo uma evolução desde suas origens no direito romano para acomodar os contextos jurídicos e sociais contemporâneos.
Uma análise comparativa das leis de usucapião em diferentes países revela uma diversidade fascinante na forma como este princípio jurídico é aplicado, refletindo diferentes tradições históricas, culturais e jurídicas, por exemplo, nos Estados Unidos, os critérios específicos e o período exigido para a usucapião podem variar bastante de um Estado para outro, influenciados pela estrutura federal do país e pela autonomia das legislaturas estaduais na determinação do direito de propriedade.
Em contraste, países como o Reino Unido têm procedimentos e prazos mais padronizados para usucapião, refletindo o sistema jurídico unificado do país. Além disso, países como o Brasil destacam o papel da usucapião na promoção da justiça social e da redistribuição de terras, com leis especificamente concebidas para facilitar a aquisição de propriedade por possuidores que utilizam a terra de forma produtiva, especialmente em áreas urbanas.
Estas variações sublinham a adaptabilidade da usucapião como um instituto moldado pelas circunstâncias jurídicas, sociais e econômicas únicas de cada país, mas, mantendo o princípio fundamental de recompensar o uso produtivo da terra e resolver conflitos fundiários.
Um dos principais requisitos para reivindicar usucapião envolve a manutenção da posse contínua e ininterrupta do imóvel por um período específico, conforme exigido por lei. Este critério exige que o possuidor ocupe o imóvel de forma consistente ao longo do tempo, sem lapsos na sua posse.
A duração específica exigida pode variar entre os países, mas geralmente abrange vários anos, muitas vezes variando de cinco a trinta anos, dependendo das leis locais e do tipo de propriedade envolvida. O período estabelecido destina-se a garantir que apenas aqueles que demonstraram um compromisso e uma ligação a longo prazo com o imóvel possam adquirir a propriedade, impedindo efetivamente que ocupantes transitórios ou esporádicos adquiram seus direitos. No Brasil, existem diversas modalidades de usucapião, cada uma com seus próprios requisitos e procedimentos.
De forma geral temos as seguintes modalidade e prazos de usucapião:
- Usucapião especial urbana: Destina-se a imóveis urbanos de até 250 metros quadrados. Requer ocupação ininterrupta, com intenção de moradia ou de sua família, por um prazo mínimo de 5 anos. O possuidor não deve ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Objetiva a proteção da moradia e a promoção da função social da propriedade.
- Usucapião especial rural: Visa à regularização de áreas rurais de até 50 hectares. - Exige ocupação contínua, com ânimo de proprietário, por um período mínimo de 5 anos. Beneficia trabalhadores rurais e suas famílias, garantindo-lhes acesso à terra.
- Usucapião ordinária: A modalidade mais abrangente, prevista no art. 1.242 do Código Civil Brasileiro. Requer comprovação da posse mansa e pacífica do imóvel por 10 anos, sem oposição do proprietário. Pode ser reduzida pela metade para 5 anos se o possuidor estabeleceu moradia no imóvel e realizou investimentos de interesse econômico e social.
- Usucapião extraordinária: Prevista no art. 1.238 do Código Civil. Permite a aquisição da propriedade independentemente da natureza urbana ou rural do bem. Exige posse prolongada e contínua, exercida de forma mansa e pacífica.
Outro requisito essencial para a usucapião é que a posse não seja clandestina, justa e realizada sem o consentimento do verdadeiro proprietário, ou seja, não configure mero ato de tolerância, a exemplo do comodato e da locação. Isso significa que o indivíduo que reivindica usucapião deve usar o bem de forma visível e aparente ao público, incluindo o legítimo proprietário.
Esta visibilidade funciona como uma salvaguarda, proporcionando ao verdadeiro proprietário ampla oportunidade de agir caso discorde da posse. O critério de estar sem o consentimento do proprietário sublinha ainda mais a natureza da posse, onde o uso da propriedade pelo possuidor é em desafio direto ou sem a permissão do legítimo proprietário. Os conceitos de boa fé e o justo título desempenham um papel relevante no processo de usucapião.
A boa-fé refere-se à crença genuína do possuidor de que tem o direito de possuir a propriedade, muitas vezes porque tem a impressão de ser o legítimo proprietário. O justo título, por outro lado, envolve alguma forma de instrumento ou reivindicação que, embora não seja legalmente válida, dá a aparência de título ao possuidor. O justo título e a boa-fé nas ações de usucapião, quando são exigidos, servem para diferenciar aqueles que conscientemente ocupam o imóvel ilegalmente e aqueles que o fazem sob uma crença equivocada de propriedade.
Tal distinção é crítica, pois impacta a análise jurídica e moral das ações do possuidor, influenciando potencialmente no resultado da ação de usucapião, isso porque os debates éticos e morais em torno da usucapião muitas vezes giram em torno da questão de saber se é justo adquirir propriedade através de outros meios que não a compra ou herança tradicional.
Por um lado, a usucapião pode recompensar os posseiros e penalizar os titulares de direito, levando potencialmente a situações em que os indivíduos perdem os seus direitos de propriedade simplesmente devido à negligência ou ignorância, por outro, no entanto, a usucapião pode ser vista como um instrumento jurídico necessário ao incentivo do uso produtivo da terra e objetivando resolução às questões de abandono e inutilização da terra. Esta dicotomia apresenta um cenário moral complexo, onde os princípios da justiça e os benefícios utilitários para a sociedade devem ser cuidadosamente equilibrados.
Equilibrar a proteção dos direitos de propriedade com a prevenção do abandono de terras representa um grande desafio para os sistemas jurídicos que implementam leis de usucapião, isso porque, o objetivo é proteger os direitos dos proprietários e garantir que os seus bens não possam ser facilmente usurpados por terceiros.
Por outro lado, existe um interesse social em garantir que a terra seja utilizada de forma eficiente e não deixada em desuso ou abandono. Este equilíbrio requer uma abordagem diferenciada, reconhecendo tanto os direitos dos indivíduos de garantir a propriedade aliado ao interesse público na manutenção de terras produtivas e ocupadas.
Tem-se, portanto, que a usucapião é um instituto jurídico que permite a aquisição da propriedade de um imóvel mediante a posse prolongada e ininterrupta, sob certas condições estabelecidas pela lei. Tal conceito, muito além de suas raízes no direito romano consiste em uma parte fundamental do direito imobiliário moderno.
Isso porque, o instituto desempenha um papel relevante na regularização da titularidade de imóveis, especialmente em situações em que a documentação necessária para a transferência da propriedade é inexistente ou foi perdida. Para muitas pessoas, a usucapião pode ser a única maneira viável de obter a titularidade de um imóvel que ocupam e utilizam como seu há muitos anos.
No entanto, a usucapião não é um processo simples, pois requer o cumprimento de várias condições legais e, muitas vezes, a resolução de celeumas jurídicas complexas. Apesar desses desafios, a usucapião continua sendo uma ferramenta essencial para aqueles que buscam a segurança e a certeza da titularidade do imóvel.
Em caso recente em que a ação de usucapião foi empregada para regularizar a situação de um imóvel, pode-se perceber a sua importância e os desafios que podem surgir durante o processo. O caso foi julgado pela 1ª Câmara Civil do TJ/SC, quando se destacou que a ação de usucapião pode ser empregada em circunstâncias excepcionais para a regularização de imóveis, ou seja, diante da ocorrência de impossibilidade ou dificuldade excessiva de regularização por outros meios.
A autora da ação explicou que tem utilizado o imóvel em questão como seu desde o ano 2000. Durante esse período, ela teria realizado várias construções no local, demonstrando sua posse e uso do imóvel.
Ela afirmou ainda, que havia um contrato de compra e venda e três recibos, cada um no valor de R$ 10 mil reais, totalizando R$ 30 mil reais pagos pelo imóvel. No entanto, esses documentos teriam sido perdidos após diversas enchentes no município de Rio Negrinho.
Em primeira instância, a ação foi julgada extinta sem a resolução do mérito, ou seja, o juiz decidiu que a ação não poderia prosseguir devido à falta de interesse processual. Inconformada com a decisão, a autora recorreu (Apelação 5001268-92.2020.8.24.0055). Ela sustentou a presença de interesse processual e alegou que os documentos necessários para ajuizamento da ação de adjudicação compulsória não mais existem, de forma que a usucapião se torna a via adequada.
Para o relator do processo, restou demonstrada nos autos a presença dos requisitos para o reconhecimento da usucapião, bem como a impossibilidade de ajuizamento da ação de adjudicação compulsória em razão do extravio do contrato de compra e venda entabulado entre as partes.
"Portanto, no caso concreto, é praticamente impossível aos apelantes promoverem o simples registro da transferência do imóvel na matrícula imobiliária, o que autoriza o manejo da ação de usucapião", concluiu o relator. O voto também apresenta decisões prévias da 6ª e da 8ª Câmaras de Direito Civil do TJ/SC, que seguiram esse mesmo entendimento.
Os demais integrantes da câmara acompanharam o voto do relator. O recurso foi conhecido e provido, com determinação de retorno dos autos à origem para prosseguimento do feito sob essa ótica.
Diante desse julgado, restou claro que houve por parte do Poder Judiciário análise realmente direcionada ao caso concreto, e que efetivamente se prestou a satisfação dos direitos envolvidos, possibilitando o seu alcance sem apego excessivo a determinados requisitos que, muitas vezes, podem mais afastar o cidadão dos seus direitos do que efetivamente contribuir para a sua promoção.
Conclusivamente tem-se que a usucapião é um instrumento jurídico que vai além de sua função social, sendo também uma ferramenta para superar dificuldades na transferência imobiliária. Além disso, há que se considerar que a usucapião pode ajudar a resolver conflitos fundiários de longa data, especialmente em casos em que a documentação original ou títulos de propriedade foram perdidos ou nunca formalmente celebrados.
Assim, imóveis abandonados ou subutilizados podem ser adquiridos legalmente pela via da usucapião, evitando desta forma o desperdício de recursos, bem como contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico.
Isso porque com o decorrer do tempo, a usucapião consolida a situação jurídica dos posseiros de longo prazo, além disso ela viabiliza a resolução de controvérsias relacionadas a títulos e limites, proporcionando clareza aos registros de públicos imobiliários, evidenciando sua importância como uma ferramenta essencial para garantir a segurança e a certeza da titularidade do imóvel, especialmente quando outras vias de regularização não são viáveis.