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O cargo comissionado de assessoramento jurídico municipal frente à nova decisão do STF: ADIn 6.331

Julgamento da ADI 6.331 em Pernambuco: decisão unânime declara constitucional a autonomia municipal na criação de procuradorias, mas exige concurso público para cargos, exceto casos excepcionais.

26/4/2024

1. Introdução

No último dia 8/4/24 foi finalizado o julgamento virtual da ADIn 6.331, proposta pelo então procurador-geral da República, Augusto Aras, contra dispositivos da Constituição do Estado de Pernambuco que, ao determinar a criação de Procuradoria Municipal, provida por procuradores em cargos efetivos, também possibilitou a contratação de advogados para o exercício de representação judicial e extrajudicial, o assessoramento e a consultoria jurídica.

Decidiu-se, de forma unânime, julgar procedente a ADIn para:

(i) conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 81-A, caput, da Constituição do Estado de Pernambuco, no sentido de que a instituição de procuradorias municipais depende de escolha política autônoma de cada município, no exercício da prerrogativa de sua autoorganização, sem que essa obrigatoriedade derive automaticamente da previsão de normas estaduais; (ii) declarar a inconstitucionalidade do § 1º e do § 3º art. 81-A da Constituição do Estado de Pernambuco, tendo em vista que, feita a opção municipal pela criação de um corpo próprio de procuradores, a realização de concurso público é a única forma constitucionalmente possível de provimento desses cargos (art. 37, II, da CF/88), ressalvadas as situações excepcionais situações em que também à União, aos Estados e ao Distrito Federal pode ser possível a contratação de advogados externos, conforme os parâmetros reconhecidos pela jurisprudência desta Corte.1

Segundo decidido, diante do silêncio da Constituição Federal quanto à obrigatoriedade de instituição pelos municípios de estruturação e manutenção de órgão de Advocacia Pública, conclui-se pela autonomia municipal para optar pela constituição ou não de corpo próprio de procuradores municipais. No entanto, feita a opção por sua instituição, a realização de concurso público é a única forma constitucional possível de provimento desses cargos, na forma do art. 37, II, da CF/88.

A decisão ratifica o entendimento, anteriormente exposto, pelo Supremo Tribunal Federal, quanto à ausência de obrigatoridade de criação de procuradorias municipais diante do silêncio constitucional2.

Entretanto, a decisão ressalva as excepcionais situações em que também a União, os Estados e o Distrito Federal podem contratar advogados externos, mediante processo administrativo formal, quando constatada a necessidade de notória especialização profissional, para realização de serviços que não possam ser adequadamente prestado pelos integrantes do corpo próprio de procuradores.

2. A importância da advocacia pública

Na análise da referida decisão do STF, inicia-se abordando a importância de existência de quadro próprio de advogados no âmbito da Administração Pública, de qualquer esfera de poder, que desempenhe atuação permanente e contínua em favor do ente público. Isso porque a atuação profissional da advocacia pública exige não só conhecimentos técnicos-jurídicos, mas também o entendimento das praxes administrativas e a memória de fatos passados.

Depõe contra a eficiência e a inexistência nos quadros permanentes da administração pública de adovogado que conheça o passado da instituição e a origem dos problemas enfrentados. Daí porque, apesar de reconhecer o silêncio da Constituição Federal quanto à obrigatoriedade de estruturação de procuradorias municipais, a sua ausência contribui para ineficiência administrativa3

Conforme exposto por Marçal Justen Filho, existem algumas atividades cujo exercício pressupõe a integração do sujeito na estrutura estatal. Em tais casos, a lei reserva o desempenho da função para um sujeito titular de cargo público, sendo inadmissível a terceirização dos serviços advocatícios na sua integralidade.

Márcio Cammarosano manifestando-se quanto a matéria afirma que:

Os serviços de representação judicial ou extrajudicial, defensoria pública, consultoria e assessoria jurídica, para atendimento de necessidades permanentes da Administração Pública, devem ser prestadas por pessoal integrante do quadro de servidores do ente governamental, admitidos mediante concurso público, (….). Quem exerce as referidas atividades deve estar a salvo de pressões políticas, atuar com independência, impessoalidade, o que só se alcança com as garantias inerentes à titularidade do cargo público em caráter efetivo ou, ao menos, com a certeza de que não poderá ser dispensado sem adequada motivação, contrapartida da admissão mediante concurso público4.

A ADIn 6.331 reconheceu a impossibilidade de impor aos entes municipais a estruturação de procuradorias, diante do silêncio constitucional. No entanto,  não enfrentou a questão relativa à prestação dos serviços de representação judicial e extrajudicial concernentes às atividades permanentes da Administração. Seria o caso, por exemplo, da participação do órgão de assessoramento jurídico no processo licitatório.

3. A lei de licitações e contratos administrativos: a exigência de órgão de assessoramento jurídico

A lei de licitaçãos e contratos administrativos (lei 14.133/21), no seu art. 10, ao tratar da representação judicial e extrajudicial das autoridades competentes e dos servidores que tiverem participado dos procedimentos relacionados às licitações e aos contratos, em razão de ato praticado com estrita obsrvância de orientação constante de parecer jurídico, estabelece que tal representação será promovida pela advocacia pública.

Já o art. 53, também da lei 14.133/21,  determina que:

Art. 53. Ao final da fase preparatória, o processo licitatório seguirá para o órgão de assessoramento jurídico da Administração, que realizará controle prévio de legalidade mediante análise jurídica da contratação.

A expressão advocacia pública é utilizada em oposição à advocacia privada, composta por profissionais que atuam no setor privado ou como profissional liberal.  Designa aqueles que, com vínculo estatutário, integram a Advocacia Geral da União, a Procuradoria Geral do Estado e a Procuradoria do município, embora esta última não esteja referida na Constituição Federal.

Em relação à Advocacia Pública, a CF/88 passou a prever que no âmbito dos Estados federados existirá, como já existia na maioria deles, uma carreira própria de Procurador com competências exclusivas de representação judicial e consultoria destes entes. Nesse contexto, os arts. 131 e 132 da Constituição Federal atribuem à Advocacia Geral da União, às Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal, a representação jurídica, a consultoria e o assessoramento do Poder Executivo. Tais funções são caracterizadas como preventivas (consultoria e assessoramento jurídico), e postulatórias (representação judicial). As primeiras têm o escopo de orientar a atuação da Administração Pública, evitando ilegalidades. Já o segundo conjunto de funções visa ao cumprimento, junto ao Poder Judiciário, da defesa dos interesses entregues aos cuidados do Estado. 

Retornando à situação do art. 10, da lei 14.133/21, não tendo os municípios a obrigatoriedade de estruturação de procuradorias, como ficará a defesa judicial e extrajudicial das autoridades e servidores, que atuam no processo licitatório? Será possivel a contratação de advogado para realização de tal defesa? E se durante a tramitação do processo ficar comprovada a existência de dolo na conduta do agente público que impede a representação? Será ressarcido o valor atriuído a tal defesa?

Por outro lado, o art. 53 se refere a “orgão de assessoramento jurídico”, que, ao final da fase preparatória, realizará o controle prévio da legalidade do processo.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello “orgãos são unidades que sintetizam os vários círculos de atribuições do Estado5. Para que tais atribuições se concretizem é necessário o conjunto de seres físicos prepostos à condição de agente. Assim, a vontade do Estado, manifestada por seus órgãos, é constituída pela ação dos seus agentes. Logo, um órgão sem a presença de agentes públicos é como um corpo sem espírito.

Nesta linha de racioncínio, quando a lei e licitações determina o controle do processo licitatório pelo “órgão de assessoramento”, pressupõe que este se manifeste através de seus agentes. Em se tratando de ente municipal, mesmo diante da manifestação do STF quanto a ausência de obrigatoriedade de estruturar procuradorias com agentes selecionados mediante concurso público, persiste a necessidade de existência de órgão de assessoramento jurídico na estrutura do município.

Assim, conclui-se que não há discricionariedade quanto à existência ou não de órgão de assessoramento jurídico no município. Em consequência, se há órgão, pressupõe-se a existência de agente público.

Diante da decisão do STF na ADIn 6.331, o núcleo da discussão passa a girar em torno da não obrigatoriedade do assessor jurídico ser titular de cargo efetivo, admitindo-se a criação de cargos comissionados, como hoje é observado em diversos entes municipais.

O TJ/MG, por exemplo, declarou constitucional lei municipal que criou o cargo de assessor jurídico, entendendo que “a norma que cria o cargo em comissão de assessor jurídico, por se tratar de função que pressupõem relação de confiança6. No mesmo sentido, decidiu o TJ/SC7

Recentemente, no entanto, o Órgão Especial do TJ/RJ declarou inconstitucional lei municipal que criou o cargo de assessor de procurador. Porém, no caso concreto, o município possuía Procuradoria Municipal, órgão composto por procuradores efetivos, aprovados em concurso público8. Ou seja, a inconstitucionalidade decorreu da criação de cargo comissionado, quando existia na estrutura do Município uma procuradoria, composta por servidores efetivos.

4. Conclusão

Diante do quanto exposto, conclui-se pela necessidade do município dispor de órgão de assessoramento jurídico que, pela sua natureza, deverá ser constituído por agentes público. No entanto, diante da decisão proferida na ADIn 6.331, não há obrigatoriedade que tais agentes sejam ocupantes de cargos efetivos, salvo em caso da decisão administrativa pela estruturação de Procuradoria Municipal, que deverá ser provida por servidores concursados.

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1 STF, AD. 6331, Rel. Min. Luiz Fux, J. 08.04.2024.

AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ADVOCACIA PÚBLICA MUNICIPAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE NORMAS DE REPRODUÇÃO OBRIGATÓRIA. PRECEDENTES. CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. RESTRIÇÃO AO PODER DE AUTO-ORGANIZAÇÃO DOS MUNICÍPIOS. INVIABILIDADE. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (RE 1.156.016-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma. Dje 16/5/2019).  

3 Neste sentido também é o entendimento de Marçal Justen Filho (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/202. São Paulo: Thomson Reuters, 2021. p. 989.

4 CAMMAROSANO, Márcio. Breves anotações sobre a contratação de serviços profisisonais de advocacia. Informativo de Licitações e Contratos. Curitiba, set. 1996. p. 675.

5 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2021. p. 124.

6 EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CARGO EM COMISSÃO DE ASSESSOR JURÍDICO. RELAÇÃO DE CONFIANÇA. CONSTITUCIONALIDADE. PRETENSÃO REJEITADA. 1. Os cargos em comissão, com dispensa de prévia aprovação em concurso público, são de livre nomeação e exoneração e destinados a funções que pressupõem relação de confiança entre a autoridade nomeante e o funcionário nomeado 2. É constitucional a norma que cria o cargo em comissão de assessor jurídico, por se tratar de função que pressupõem relação de confiança. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. V.V. EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE MUNICÍPIO DE IBIRACI - - LEI QUE CRIA O CARGO COMISSIONADO DE ASSESSOR JURÍDICO - ATIVIDADES E ATRIBUIÇÕES ESPECIFICAS, NO CASO CONCRETO, PRÓPRIAS DA ADVOCACIA PÚBLICA - INCONSTITUCIONALIDADE. Revelam-se inconstitucionais o disposto no caput do art. 4º e art. 15 a Lei Complementar nº 115, de 23 de março de 2012, do Município de Ibiraci, ao criar o cargo comissionado de assessor jurídico, porém, com atribuições próprias/típicas da Advocacia Pública, cujos cargos, à exceção do Procurador Geral, devem ser lotados por servidores efetivos, submetidos a concurso público de provas e títulos.(TJ-MG - Ação Direta Inconst: 10000130188337000 MG, Relator: Geraldo Augusto, Data de Julgamento: 18/11/2013, Órgão Especial. Data da Publicação: 10/01/2014.

7 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. CRIAÇÃO DE CARGO COMISSIONADO DE ASSESSOR JURÍDICO, ÚNICO DESSA NATUREZA EXISTENTE NO MUNICÍPIO. EQUIVALÊNCIA AO CARGO DE PROCURADOR-GERAL. AUSÊNCIA DE AFRONTA A NORMA CONSTITUCIONAL. PRECEDENTE ESPECÍFICO DA CORTE. EXERCÍCIO DE ATRIBUIÇÕES DE EVIDENTE ASSESSORAMENTO. NECESSIDADE DE RELAÇÃO DE CONFIANÇA ENTRE NOMEANTE E NOMEADO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. "[. . .] o cargo de Assessor Jurídico previsto na norma impugnada tem atribuição de representação judicial e extrajudicial do Município, e, por ser o único no Ente Público, equipara-se ao Procurador-Geral do Município, de forma que seu provimento pode se dar em comissão, desde que outro cargo não seja criado para tal fim [...]" (TJ-SC - ADIn: 80003075820188240900 Não informada 8000307-58.2018.8.24.09000. Rel. João Henrique Blasi. Data de Julgamento: 15/05/2019. Òrgão Especial.

8 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0060893- 20.2021.8.19.0000. Data de julgamento 17/07/2023.

Rita Tourinho
Promotora de Justiça do Estado da Bahia, Coordenadora do Centro de Apoio às Promotorias de Defesa do Patrimônio Público, Professora da UFBA, mestre em Direito Público pela UFPE, doutora em Direito Pùblico pela UFBA.

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